A reusabilidade dos objetos de aprendizagem

Any Bernstein

Professora associada da Fundação Cecierj

Objetos de aprendizagem

Na internet encontramos diversos recursos digitais – sob a forma de vídeo, áudio, textos, animações – que podem ser usados, reutilizados ou referenciados durante uma aula. Essas entidades digitais podem ser vistas como matérias-primas para pequenos blocos de informação autônomos que, quando recebem aplicações específicas, formam os chamados objetos de aprendizagem (Wiley, 2000).

Qualquer material eletrônico reutilizável que facilita a construção de conhecimento poderia ser considerado um objeto de aprendizagem, seja em forma de imagem, vídeo, animação ou simulação. Originalmente os objetos de aprendizagem foram concebidos como solução eficiente para os problemas de padronização na apresentação, da mesma forma que o html formatou as páginas da web. Isso permitiria a redução de custo de desenvolvimento de conteúdo digital devido à sua reutilização sem gastos com novos investimentos no mesmo tema, beneficiando tanto professores quanto alunos no ensino presencial ou a distância.

Desde a sua criação, pesquisadores fizeram o uso de metáforas para conceituar o que seriam e qual seria o comportamento de um objeto de aprendizagem (Hodgins). Foram comparados ao Lego, num esforço de comunicar a ideia básica e de colocar de forma amigável a nova tecnologia instrucional para mais facilmente entender o que seriam esses pedaços de instrução, que podem ser montados, empilhados em uma estrutura maior e reutilizados em outras estruturas instrucionais. Qualquer bloco de Lego é combinado com outro, surgindo sempre novas composições que podem adquirir formas diferentes.

O paradoxo da reusabilidade

Na medida em que os objetos de aprendizagem começaram a ser produzidos e aplicados, uma das questões que surgiram foi: que tamanho um objeto de aprendizagem deveria ter para que pudesse ser reutilizado? Pacotes informacionais “grandes” ensinam melhor, mas à medida que se atribui a eles contextos específicos, sua aplicação ficará mais restrita, e eles tornam-se pouco reutilizáveis. Assim, quanto mais simples for a material bruto, mais fácil será associá-lo a um contexto e mais universal será sua aplicação. Ao mesmo tempo, quando são muito pequenos não ensinam bem – o que faz com que ninguém os reutilize.

Outra discussão sobre a reutilização dos objetos de aprendizagem passa pelo direito de criação de obras derivadas. Em que medida o conteúdo de um arquivo pode ser modificado por outra pessoa quando objetos de aprendizagem são agregados ao redor de um objetivo informacional comum, originando aulas completas, unidades, capítulos de livros? E como ficará quando esses agregados forem reunidos para compor livros, cursos, filmes ou histórias?

Objetos de aprendizagem como fontes abertas de informação

A ideia original de objetos de aprendizagem, em que conteúdos educacionais das disciplinas eram “quebrados” em pequenos trechos para que pudessem ser reutilizados em ambientes de aprendizagem diversos, levou ao conceito mais atual de “fonte educacional aberta” (open education resource). A fonte aberta foi definida pela conferência da Unesco em 2002 como “materiais que podem ser consultados e adaptados por uma comunidade”, sem fins comerciais; os exemplos são: palestras, referências, leituras, simulações, experimentos e demonstrações, assim como manuais técnicos. O conceito mais amplo abrange conteúdos curriculares e até apresentações em seminários.

Com as facilidades adicionais introduzidas pelas licenças de “programas livres”, cobertos por contratos de licenciamento em rede, o professor passou a ter acesso a recursos da internet que permitem a edição de imagem e som em animações, modelagens, simulações, visualizações tridimensionais de moléculas, que facilitam o entendimento do aluno acerca de conceitos abstratos.

Um exemplo brasileiro de construção de objetos de aprendizagem para todos os níveis educacionais é o Banco Internacional de Objetos Educacionais – uma iniciativa do MEC em parcerias com universidades que objetiva a produção e publicação na web de conteúdos digitais com acesso gratuito. Tais conteúdos associam o potencial da informática às novas abordagens pedagógicas.

No Laboratório Didático Virtual (Labvirt), uma iniciativa da Universidade de São Paulo, é possível encontrar simulações feitas pela equipe a partir de roteiros de alunos de Ensino Médio das escolas da rede pública;

Outro repositório de materiais didáticos importante é o Teca, portal de conteúdos produzidos pela Fundação Cecierj; reúne imagens, animações, vídeos, áudios com uso liberado para o público. Nesses repositórios, os interessados podem se inscrever e acessar o material didático sem custo, e o professor pode confiar que tais materiais sofrem revisão pelos pares, ou seja, não devem conter erros conceituais.

A meta que se pretende atingir disponibilizando esses conteúdos digitais para professores, instituições educacionais e alunos como fonte aberta de informação é melhorar a qualidade do material didático e facilitar o entendimento de conteúdos considerados de difícil aprendizagem por meio de livros-texto.

Objetos de aprendizagem e os direitos autorais

As licenças livres criaram um ambiente propício à concretização de projetos colaborativos em que diferentes usuários compartilham suas criações com outros e a criação intelectual coletiva desafiou os paradigmas dos direitos autorais, pondo em xeque os conceitos de autor, titularidade, edição e até mesmo de obra.

Um dos exemplos mais relevantes, criado em 2001 com base nesses preceitos, foi a Wikipédia, enciclopédia online em que é possível a qualquer internauta fazer alteração em qualquer verbete de modo a torná-lo mais preciso ou mais completo, de acordo com sua informação complementar. A Wikipédia pode ser considerada não mais uma obra coletiva, mas sim uma obra de criação intelectual colaborativa, que incentiva e que permite que o mundo globalizado trabalhe de maneira mais solidária.

Algumas vezes o professor faz uso de mídias adaptando-as ao contexto específico de uma aula; a fonte de informação é a internet, mas ele não tem o cuidado de verificar a confiabilidade dela nem de citá-la. Os alunos se impressionam com páginas bonitas, que exibem mais imagens, animações, sons. As imagens animadas exercem um fascínio semelhante ao do cinema, vídeo ou televisão. Os lugares menos atraentes visualmente costumam ser deixados para segundo plano, o que acarreta às vezes perda de informações de grande valor. É importante tomar esse cuidado, já que na internet é possível postar todo tipo de informação, e muitas vezes a forma colorida e animada escamoteia conceitos totalmente truncados que não passariam pela revisão de um especialista.

Sem a ajuda do professor, os estudantes tendem a perder-se entre tantas conexões possíveis; passam a ter dificuldade de identificar o que é uma informação confiável e de traçar relações significativas entre a informação e o assunto objeto da pesquisa. Os alunos tendem a dispersar-se diante de tantas conexões possíveis, de endereços dentro de outros endereços, de imagens e textos que se sucedem ininterruptamente.

Por outro lado, a questão dos direitos autorais aplicáveis a materiais criativos baseados em outros só teve regulamentação em 2001, tanto nas artes quanto nas ciências, graças ao conjunto de regras adotadas internacionalmente, denominado Creative Commons. As suas várias modalidades de licenças regulamentam o trabalho colaborativo no qual os autores, consultados individualmente, permitem (ou não) que haja uso, reprodução ou criação de obras derivadas, desde que feitas sem fins comerciais e que lhes seja dado crédito. Surgiu, assim, a forma legítima de expandir a quantidade de obras criativas disponíveis ao público, permitindo criar outras obras sobre elas, compartilhando-as.

Inserindo tecnologia em sala de aula

Apesar da variedade de tecnologias disponíveis nos colégios das redes particulares e públicas de ensino, notamos que o professor continua escrevendo o conteúdo de suas aulas expositivas em um quadro-negro e os alunos o copiam em seus cadernos.  Para que isso se modifique, cada docente deve encontrar a forma confortável de introduzir paulatinamente as tecnologias no ensino como elemento facilitador do aprendizado.

Podemos considerar um avanço que atualmente muitas escolas da rede pública de ensino do Rio de Janeiro tenham laboratório de informática com computadores ligados à rede. Porém a utilização do laboratório de informática ou de uma sala de vídeo envolve a operação técnica dessas novas tecnologias, e um dos entraves para o professor está em dominar minimamente essas operações e as novas linguagens.

As diversas informações originadas na internet sob a forma de textos e imagens implicam o domínio do uso, a compreensão e a utilização dessas novas linguagens e uma nova maneira de empregá-las corretamente. Existem dois grandes grupos de professores: uns que se arriscam a utilizar os meios tecnológicos de imediato, mas não foram capacitados para tal; o outro grupo não utiliza os recursos disponíveis por insegurança na manipulação da aparelhagem ou do aplicativo e/ou por receio de que o uso desses recursos possa resultar, no futuro, na perda do seu emprego. O professor precisa perder o medo; ele pode fazer com o vídeo do mesmo modo que ele interfere num texto escrito, modificando-o, acrescentando novos dados, novas interpretações, contextos mais próximos do aluno.

É importante que o professor não se sinta ameaçado em seu papel de intermediar e orientar o aluno nesse processo e seja desafiado a romper as barreiras que o impedem de introduzir tecnologias na sala de aula, no seu dia a dia, diante de situações concretas em suas turmas: grande número de alunos, a quantidade e a duração das aulas semanais e a falta de apoio institucional.

Bibliografia

MORAN, J. M. Comunicação & Educação. São Paulo, ECA/Moderna, v. 2, p. 27-35, 1995.

PRENSKY, M. Digital natives, digital immigrants. On the Horizon, v. 9 (5), p. 1-6, 2001.

UNESCO. Unesco promotes new initiative for free educational resources at Internet. 2002.

WILEY, D. Connecting learning objects to instructional design theory: A definition, a metaphor, and a taxonomy. Digital Learning Environment, 2000.

WILEY, D. The Current State of Open Educational Resources. 2006. Disponível em: http://opencontent.org/docs/oecd-report-wiley-fall-2006.pdf. Acesso em dezembro 2011.

Publicado em 29 de março de 2016

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