Um relato de experiência na prática avaliativa dos professores em uma das escolas do Baixo Sul da Bahia

José Luis Monteiro da Conceição

Mestre em Educação

Como uma das etapas do meu trabalho de conclusão de curso (TCC), foram feitas, ao longo dos meses, constantes visitas a uma escola do Baixo Sul da Bahia, para que pudesse observar práticas docentes no momento do ato avaliativo. Chamaremos os docentes analisados de Professor A, Professor B, Professor C e Professor D. Como observador-entrevistador nas quatro salas em diferentes dias, os olhares estavam voltados para:

  1. Os aspectos organizacionais da sala de aula – Nesse primeiro ponto, a visão que se teve foi de um ambiente extremamente tradicional: os alunos estavam organizados em fila indiana, cadeiras recuadas umas das outras mais ou menos meio metro; os cartazes que estavam colados na parede foram tirados no momento do ato avaliativo, pois, segundo um dos professores, poderiam dar margem de resposta para o aluno – o mesmo “colaria”. Foi perguntado ao Professor A o porquê dessa atitude tão arbitrária; ele respondeu que,

primeiramente, não acredito que seja uma atitude arbitrária, este é um momento em que não podemos facilitar. Eles estão passando por um processo avaliativo. Estão fazendo uma prova! Se eles forem fazer futuramente um vestibular ou qualquer concurso público, teremos cartazes explicativos com indícios de respostas? Pois bem, estamos preparando para essas ocasiões. Em segundo lugar, estou diante de uma turma muito violenta, brigam demais, tenho certa dificuldade de inserir os conteúdos, pois muitos deles só vêm à escola para bagunçar. Nessa situação, às vezes coloco com toda verdade a avaliação como ato punitivo, mesmo sabendo que estou contrário aos estudiosos da área da avaliação.

Acreditamos que a perplexidade diante da resposta do professor é muito grande, até porque não condiz com o que foi colocado no projeto político-pedagógico da escola. Esse documento deixa muito bem claro que o professor, no momento dos atos avaliativos, principalmente no que diz respeito a provas e testes, deve proporcionar aos alunos um ambiente aconchegante, acolhedor, a fim de que eles possam perceber que esses instrumentos que estão sendo aplicados pelo professor são parte integrante de um processo e que não são concebidos como fins. Concordo quando Morales (2003) diz que às vezes pensamos na avaliação como ponto final do processo de ensino-aprendizagem. Se pensarmos assim, com certeza os alunos serão os maiores prejudicados.

  1. A circulação do professor – Foram constantes as circulações dos professores no momento da avaliação. Era perceptível no rosto de cada aluno medo, apreensão, nervosismo. O momento foi concebido como um “troco” por parte do professor diante das formas incoerentes que os alunos desenvolviam durante as aulas. Para Morales (2003, p. 154),

todos nós sabemos, e por experiência própria, que a aprendizagem não é um processo meramente cognitivo ou intelectual. O como nos sentimos tem influência poderosa sobre o como e quanto aprendemos. Por clima de classe entendemos essa dimensão afetiva, feita de medos, de esperança, de vontade ou falta de vontade de aprender, de angústia diante dos exames, de experiências de êxito ou de fracasso, de percepção que se tem do professor (...), de tédio, de sentimento e de segurança ou insegurança, de sentir-se pressionado por tantas exigências e prazos.

Todos esses pontos interferem fortemente na aprendizagem de cada aluno. Não se pode negar aqui a existência dessa situação em outras instituições escolares, mas é critico o que foi visto durante a observação. Estavam escritos nos olhares das crianças, pedidos de socorro ou ‘tirem-nos daqui’. Também não quero condenar a prática da circulação em momentos como esse, mas é necessário saber conduzir as coisas para que não haja situações constrangedoras.

Para os Professores A, B, C e D, “é uma estratégia ‘fantástica’ para que os alunos não colem e nem se comuniquem”. Essa prática de circulação poderia ser substituída pela avaliação por consulta; os alunos poderiam consultar cadernos, revistas, livros e até uns aos outros, desde que não se façam meras cópias. Isso com certeza ajudaria na capacidade de construção de argumentações. Para o professor Gustavo Bernardo. da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a prova com consulta é o melhor antídoto da cola. "A avaliação que dá margem à cola precisa ser excluída definitivamente, proporcionando uma relação de confiança não só do professor nos alunos, mas dos alunos com o próprio saber".

  1. Formato da avaliação – partindo do que se diz no PPP, que a avaliação deve considerar a observação, análise e conceituação de elementos que compõem a totalidade da conduta humana, ou seja, a avaliação deve estar voltada para a aquisição de competências, habilidades, conhecimentos e atitudes dos alunos, permitindo que eles possam ser críticos, reflexivos. Esses pensamentos documentados e ditos pelos professores não condizem com o que se pede na avaliação.

Exemplos de questões

A seguir estão relacionadas algumas questões apresentadas pelos professores para os alunos resolverem.

Questão 1: Quais as regiões existentes no Brasil?

É necessário evitar esse tipo de pergunta. É considerada mecânica, pois os alunos são obrigados a decorar os nomes das regiões brasileiras. Claro que eles precisam saber, mas não dessa forma. É preciso contextualizar, trazer alguns enunciados, pequenos trechos de textos que possibilitem a formulação de uma resposta não decorativa, mas argumentativa. Para Morales (2003, p. 13),

uma característica bastante comum do ensino é o uso e abuso da memorização. As escolas com essa característica são frequentemente chamadas de tradicionais. No processo de avaliação da aprendizagem, nesse contexto, há perguntas que apelam apenas para uma memorização mecânica, sem contextualização ou significado. Elas são apreendidas por força da repetição.

Nesse formato, o aluno não desenvolverá o senso crítico nem aprenderá. Torna-se urgente e necessária a abolição desse formato de questão.

Questão 2: Qual a maior região brasileira?

Além de ser mais uma vez uma pergunta mecânica, com certeza está mal formulada. O aluno poderá trazer outros questionamentos com base nessa pergunta: está se referindo ao número populacional? À extensão territorial? Que aspecto? É interessante que nenhum aluno, durante a aplicação do teste, indagou. Foi perguntado pelo pesquisador ao Professor B, responsável pela elaboração da pergunta; ele disse que “é uma pegadinha para saber se realmente o aluno saberia interpretar a pergunta ou identificar o possível erro”. As pegadinhas são consideradas inúteis; não tem significado algum, pois não terá condições de avaliar se o estudante não sabia o conteúdo ou não entendeu o que foi pedido.

Numa prova de História do Professor D foram feitos os seguintes questionamentos:

1. A Pré-História pode ser definida como:
(A) O período em que os Dinossauros dominaram o planeta.
(B) O período anterior ao surgimento da escrita.
(C) O período que vai do surgimento da escrita até o início da civilização grega.
(D) O período em que o ser humano vivia em cavernas, caçava com pedaços de pedras e ossos e escrevia textos em blocos de pedras.

2. Qual das alternativas abaixo apresenta as principais características do período da Pré-História conhecido como Paleolítico?
(A) Os homens praticavam a agricultura e domesticavam animais.
(B) Os homens viviam em casas, organizadas em vilas, o poder ficava nas mãos de um chefe.
(C) Os homens faziam artefatos (ferramentas, armas, utensílios domésticos) de ferro e construíam suas casas de madeira e argila.
(D) Os homens habitavam cavernas, viviam da caça de animais e coleta de vegetais, usavam instrumentos feitos com ossos e pedras lascadas.

3. Qual das alternativas abaixo apresenta importantes características do período da Pré-História conhecido como Neolítico?
(A) O ser humano vivia em cavernas, caçava com pedaços de pedras e ossos e escrevia textos em blocos de argila.
(B) A religião estava bem desenvolvida e organizada, assim como o sistema político baseado na democracia.
(C) Nesse período ocorreu a sedentarização, com a prática da agricultura e a domesticação de animais.
(D) Os seres humanos não falavam, apenas emitiam ruídos para se comunicar.

4. Qual das alternativas abaixo apresenta importantes características do período da Pré-História conhecido como Idade dos Metais?
(A) O homem passou a cunhar moedas e desenvolveu um avançado sistema financeiro.
(B) Na Idade dos Metais, os homens da Pré-História inventaram várias máquinas de ferro e bronze, fato que aumentou a produtividade de objetos manufaturados.
(C) O desenvolvimento de técnicas de fundir e moldar metais (cobre, ferro e bronze) trouxe muitos avanços na vida cotidiana do homem pré-histórico.
(D) Embora conhecessem as técnicas de fundição de metais, os homens desse período continuaram a fazer ferramentas de ossos e pedras lascadas.

5. No Paleolítico (Idade da Pedra Lascada) destacou-se a arte rupestre. Qual das alternativas abaixo explica o que era a arte rupestre?
(A) A arte rupestre era composta por representações gráficas (desenhos, símbolos, sinais) feitas em paredes de cavernas ou pedras pelos homens do período Paleolítico.
(B) Tipo de arte feita na Pré-História que se baseava na pintura de quadros e escultura em madeira.
(C) Pinturas feitas com sangue de animais nas paredes das primeiras igrejas, que surgiram neste período.
(D) Estilo artístico desenvolvido na Pré-História em que os artistas podiam expor suas obras de arte em pequenos museus e galerias de arte.

Além de retiradas da internet e não construídas pelo professor de acordo com a realidade que os alunos apresentam, são questões em que o aluno não tem oportunidade de escrever, não se expressa, não desenvolve argumentações. Para Morales (2003), as questões subjetivas são melhores que as objetivas porque conduzem o aluno a um estudo de inteligência, possibilitando que ele exponha o que pensa acerca do questionamento, concatene as ideias, explique de acordo com sua concepção e mostre a compreensão.

Morales, em seu livro Avaliação escolar – o que é e como se faz, traça uma análise comparativa por diferença entre provas abertas e provas objetivas:

Quadro 1: Avaliação comparativa entre provas abertas e provas objetivas

Prova aberta Prova objetiva
Requer que o aluno planifique a resposta e que a expresse com suas próprias palavras. Requer do aluno, escolher entre as diversas alternativas já formuladas (escolher a resposta não é a mesma coisa que construí-la, escolher exige menos esforço de memória).
Tem um número reduzido de perguntas, que exigem respostas relativamente extensas. Cobra-se normalmente pouco conteúdo do programa. Em geral, constam de muitas perguntas específicas de resposta muito breve; cobra-se uma área mais extensa do programa.
Os alunos empregam a maior parte do tempo pensando na resposta e escrevendo-a. Os alunos empregam o tempo lendo e pensando sobre a resposta (não escrevendo).
A qualidade de uma prova aberta depende em grande medida da habilidade para corrigi-la bem, do método empregado na correção. É fácil corrigir boas perguntas, mas a correção é difícil e trabalhosa. A qualidade de uma prova objetiva depende sobretudo da habilidade daquele que a prepara. É difícil prepará-la bem, mas a correção é fácil, pode ser feita rapidamente com cartões perfurados etc.
Uma prova aberta dá ao aluno muita liberdade para se expressar, para se organizar, de maneira pessoal; também dá liberdade ao corretor para se deixar levar por sua própria preferência ao corrigir e avaliar. Uma prova objetiva dá ao professor que a prepara a liberdade de expressar o que considera importante, seus próprios valores, mas o aluno não tem mais resposta que as que são propostas pelo professor.
Pode existir maior subjetivismo na correção e na atribuição de notas; muitos fatores podem influir na objetividade (cansaço, conhecimento prévio do aluno, o contexto pode influir no critério usado para dar notas no meio do caminho). Permite menor subjetivismo por parte do corretor; a distribuição dos resultados é dada pelos próprios alunos, embora se possa manipular a nível mínimo exigido para aprovação... Frequentemente o critério de atribuição de notas é relativo ao rendimento da classe (critério discutível, sobretudo para situar o aprovado).

Fonte: Avaliação escolar, o que é e como se faz.

  1. Devolução das avaliações – Para o PPP da escola, a avaliação proporciona a revisão permanente da prática pedagógica, permitindo a identificação de lacunas, erros, acertos e a tomada de decisões. Isso difere no momento observado, pois muitos dos pesquisados só entregam as avaliações aos alunos, não se faz uma discussão das principais dificuldades apresentadas e pouco se importam com a quantidade de alunos reprovados. O Professor C ressalta:

Fiz o meu papel de educador, elaborei o que tinha que ser elaborado, apliquei o que tinha que ser aplicado e corrigi o que se tinha que ser corrigido. Muitos desses alunos têm pais ausentes na escola, pouco se importam com a aprendizagem de cada um deles. Faço as coisas dentro do meu limite e contexto, não posso colocar as minhas mãos onde não alcançam. Assim que entrego a avaliação, muitos deles depois embolam e jogam fora. Tento até fazer uma recapitulação, mas...

São lamentáveis esse pensamento e essa prática incoerente; acreditamos que não seja papel de um educador, como ele se diz. É preciso garantir a aprendizagem dos alunos. O professor precisa estar muito bem preparado.

Para que a educação exerça o seu valor significativo e tenha sentido concreto na teoria e na prática das pessoas, faz-se necessário ter um aliado que possa estar lado a lado no processo de aprendizagem, ajudando os indivíduos a refletir, criar uma consciência crítica da sua própria realidade e principalmente interagir com o outro não só numa concepção filosófica (dialogicidade), mas psicológica (interacionista): a escola. Por seu papel pedagógico, desenvolve práticas docentes, estudos, saberes, ensino, aprendizagem, construção e troca de conhecimento. A esse respeito, diz Costa (2010, p. 73):

A escola é uma instituição social com objetivo explícito: o desenvolvimento das potencialidades físicas, cognitivas e afetivas dos alunos, por meio da aprendizagem dos conteúdos (conhecimentos, habilidades, procedimentos, atitudes e valores), que, aliás, deve acontecer de maneira contextualizada, desenvolvendo nos discentes a capacidade de tornarem-se cidadãos participativos na sociedade em que vivem.

Nesse processo, precisamos ter o maior cuidado, principalmente quando se fala de aprendizagem, até porque estamos trabalhando na formação de sujeitos que tenham a possibilidade de criticar, refutar, intervir e participar das decisões.

Referências

COSTA, Vera Lucia Pereira. Função social da escola. Disponível em: www.drearaguaina.com.br/projetos/funcao_social_escola.pdf. Acesso em 23 mar. 2010.

MORALES, Pedro. Avaliação escolar - o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2003.

 

Publicado em 19 de janeiro de 2016

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