O uso da linguagem com analogias no ensino de ciências: o que encontramos virtualmente?

Maria Maura Barros Duque

Docente de Ciências Físicas e Biológicas na Seeduc-RJ, especialista em Ensino de Ciências e Biologia (UFRJ)

Regiane Trigueiro Vicente

Orientadora do Curso de Especialização em Ensino de Ciências e Biologia (UFRJ), tutora da graduação no Consórcio Cederj e mestre em Ciências (Ipec/Fiocruz)

Introdução

Nos últimos anos, houve crescente interesse dos pesquisadores em avaliar o uso de analogias no ensino de Ciências. Analogias são comparações entre domínios diferentes usadas para ensinar conceitos novos. Este trabalho teve como objetivo analisar o uso da linguagem com analogias no ensino de Biologia por meio de pesquisa utilizando o Google Acadêmico como fonte do levantamento bibliográfico, analisando a produção sobre o assunto, levando em consideração o período das publicações, os autores que têm estudado o tema e fazendo separação do tipo de material encontrado em todo o volume dos manuscritos. Na análise bibliográfica e documental foram selecionados os 30 primeiros resultados publicados eletronicamente, considerando resumos publicados em anais de congressos, periódicos, trabalhos de conclusão de curso, monografias e dissertações de mestrado. Vários autores têm refletido sobre o papel das analogias tanto na produção do conhecimento em áreas específicas do saber quanto na construção do conhecimento no âmbito do desenvolvimento de uma disciplina escolar. Para que a analogia represente um auxílio significativo nesse processo, o professor deve levar em conta as limitações que tal recurso apresenta, pois esses recursos argumentativos são capazes de promover a ancoragem de novos conceitos, mas podem atuar como obstáculos à aprendizagem.

A compreensão do conhecimento científico na sala de aula implica frequentemente a construção de modelos mentais e a manipulação de relações de diversos aspectos do mundo biofísico; uma forma de apoiar estes processos é empregando uma analogia (Gentner, 1998).

O uso da linguagem analógica se baseia na capacidade de abstração essencial ao conhecimento; ela é capaz de promover a ancoragem de novos conceitos aos conhecimentos prévios dos alunos (Perelman, 2004).

Duit (1991) afirma que as analogias são usadas no ensino para comunicar conceitos abstratos e novos, dado que permitem transferir o conhecimento de uma área para outra. Geralmente as analogias fazem comparações entre um domínio observável e um não observável, um abstrato e um concreto, um desconhecido e um conhecido. Godoy (2002) estabelece que a analogia é uma habilidade que reconhece que uma coisa é comooutra coisa.

Justi e Mendonça (2008) analisaram as vantagens e desvantagens da utilização das analogias no ensino de ciências e apontam o uso desse recurso como modelo útil de ensino. Embora compartilhando essa visão, suas pesquisas sempre alertam para o fato de que essa consideração só pode ser feita desde que as analogias sejam utilizadas de forma apropriada, sistematizada e planejada, para que de fato redunde numa ferramenta proveitosa.

Apesar dos aspectos positivos que fomentam o seu uso em sala de aula, a má utilização da metodologia das analogias pode gerar ou reforçar obstáculos no processo de ensino-aprendizagem, os obstáculos epistemológicos de Bachelard (1996). Segundo ele, a utilização dessa forma de linguagem, intimamente ligada às concepções prévias dos alunos, pode induzir a formação/reforço de obstáculos como, por exemplo, o substancialismo e o animismo.

No entanto, Bachelard não é contra toda e qualquer utilização de analogias e metáforas, mas sim contra as que podem reforçar concepções da observação empírica, do senso comum, ou quando elas se tornam cópias fiéis da realidade, impedindo a compreensão do que se pretende ensinar, tornando-se ou reforçando obstáculos epistemológicos ou pedagógicos (Andrade; Ferrari, 2002).

Também deve ser ressaltado que as faltas de exploração (Bozelli; Nardi, 2012) e de problematização efetiva da analogia (Francisco Júnior, 2010) são apontadas por esses autores como uma regressão na tentativa de compreendê-la.

Para todos esses autores, o preparo do professor e o planejamento de analogias são fundamentais para que seu uso resulte numa construção adequada do conhecimento esperado e o aluno não venha a cair num dos entraves a que se referiu Bachelard (1996) ao dissertar sobre os obstáculos epistemológicos gerados pelo uso inadequado de metáforas e analogias.
Este trabalho teve como objetivo analisar o uso da linguagem com analogias no ensino de Biologia por meio de pesquisa utilizando o Google Acadêmico como fonte do levantamento bibliográfico, observando como está a produção sobre o tema, levando em consideração o período das publicações, os autores que o têm estudado e fazendo uma separação do tipo de material encontrado em todo o volume dos manuscritos para ver a importância dada a ele.

Metodologia

A análise bibliográfica e documental da pesquisa foi realizada em 2 de junho de 2015 (terça-feira), às 11h51min, na base de dados bibliográficos do Google Acadêmico. As palavras-chave utilizadas na busca foram: “ciências”, “analogia”, “ensino” e “Bachelard”. Foram selecionados os 30 primeiros resultados publicados eletronicamente, considerando resumos publicados em anais de congressos, periódicos, trabalhos de conclusão de curso, monografias e dissertações de mestrado.

A análise dos dados seguiu a seguinte premissa: leitura exploratória de todo o material e posterior organização das informações extraídas das fontes em instrumentos específicos verificando os autores que estavam publicando, os anos dessas publicações e os autores mais citados. Todas essas categorias que emergiram foram analisadas, discutidas e organizadas em tabelas, as quais discutiremos a seguir.

Resultados

Para melhor compreensão e visualização dos resultados da pesquisa, os trabalhos encontrados dentre os 30 resultados foram analisados e sistematizados, sendo apresentados a seguir em tabelas.

Após a organização pelo tipo de publicação, obtivemos 12 resumos publicados em anais de congressos (40%), 13 artigos (43,34%) publicados em periódicos, 3 dissertações de mestrado (10%), 1 monografia (3,33%) e 1 trabalho de conclusão de curso (TCC) (3,33%), conforme podemos verificar nas duas primeiras colunas da Tabela 1. O período de publicação variou entre 1996 e 2014; o ano de 2012 foi o que teve maior número de publicações, com 4, conforme demonstrado nas colunas 3 e 4.

Tabela1: Tipo, quantidade e ano das publicações

Tipo de publicação

Quantidade de trabalhos analisados

Ano de publicação

Número de publicações por ano

Resumos em congressos

12

2014
2013
2012
2011
2010
2009
2005
1999

1
2
3
1
2
1
1
1

Artigos em periódicos

13

2014
2012
2011
2010
2008
2007
2006
2005
2003
2002
2001
1996

2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1

Dissertações de mestrado

03

2012
2011
2009

1
1
1

Monografias

01

2009

1

TCC

01

2013

1

Total

30

30

 

As publicações mais encontradas nos resultados foram a Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências e a Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, com duas publicações cada; o evento mais mencionado foi o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, com seis resumos, conforme apresentado na Tabela 2.

Tabela 2: Revistas e eventos mais encontrados na pesquisa

Local de publicação

Quantidade de trabalhos analisados

Ano de publicação

Número de publicações por ano

Revista
Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias

2

2014
2011

1
1

Educere et Educare

1

2014

1

Investigações em Ensino de Ciências

2

2012
2005

1
1

Brasil Escola

1

2010

1

Experiências em Ensino de Ciências

1

2008

1

Ciências & Cognição

1

2007

1

Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências

2

2006
2001

1
1

Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências

1

2002

1

Caderno Catarinense de Ensino de Fisica

1

1996

1

Ciência & Educação

1

2003

1

Total

13

13

Evento

Seminário Nacional de Educação Profissional e Tecnológica

1

2014

1

Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências

6

2013
2011
2009
2005
1999

2
1
1
1
1

Encontro Nacional de Ensino de Química

1

2012

1

IX Seminário de Pesquisa e Educação da Região Sul

1

2012

1

Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade

1

2012

1

Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia

1

2010

1

Congresso Internacional de Filosofia e Educação

1

2010

1

Total

12

12

 

Os autores com maior número de artigos publicados em periódicos foram D. F. Ferraz e F. C. Bozelli, totalizando duas publicações cada, como podemos observar na Tabela 3. Os demais autores tiveram apenas um artigo citado.

Em todos os artigos, os autores apoiam o uso de analogias, porém os resultados apontados na literatura têm mostrado que as desvantagens geralmente encontradas no ensino com analogias não estão diretamente associadas às analogias em si, mas a uma falta de preparo dos professores quanto ao seu uso, uma vez que a maioria não está preparada para elaborar uma estratégia didática para seu uso; sendo assim, podem tornar-se obstáculos nos momentos em que não são devidamente exploradas e/ou problematizadas.

Tabela 3: Autores dos artigos publicados nos periódicos

Autor

Quantidade de trabalhos analisados

Ano de publicação

Número de publicações por ano

Trogello, A. G.

1

2014

1

Labati-Terra, L.

1

2014

1

Bozelli, F. C.

2

2012
2006

1
1

Rigolon, R. G.

1

2011

1

Fogaça, J.

1

2010

1

Ferry, A. S.

1

2008

1

Gomes, H. J. P.

1

2007

1

Duarte, M.C.

1

2005

1

Ferraz, D. F.

2

2003
2001

1
1

Andrade, B. L.

1

2002

1

Lopes, A. R. C.

1

1996

1

Total

13

 

13

 

Ao todo foram citados 212 autores nos 13 trabalhos analisados. Dentre esses, 130 (61,33%) foram citados apenas uma vez; 30 (14,16%) foram citados duas vezes; 13 (6,13%) foram citados três vezes; 11 (5,19%) foram citados quatro vezes; 8 (3,78%) foram citados cinco vezes; 2 (0,94%) foram citados seis vezes; 4 (1,89%) foram citados oito vezes; 2 (0,94%) foram citados nove vezes; 3 (1,41%) foram citados dez vezes; 1 (0,47%) foi citado doze vezes; 3 (1,41%) foram citados treze vezes, 3 (1,41%) foram citados quinze vezes; 1 (0,47%) foi citado 21 vezes e 1 (0,47%) foi citado 47 vezes.

Os autores mais citados foram G. Bachelard e S. Glynn, com respectivamente 47 e 21 menções. Esses resultados estão descritos na Tabela 4.

Tabela 4: Autores mais citados nos artigos

Autores mais citados nos artigos

Quantidade de citações

Bachelard, G.

47

Glynn, S.

21

Dagher, Z.R.

15

Andrade, B. L.

15

Canguilhem, G.

15

Coll, C.

13

Duit, R.

13

Oliva, J. M.

13

González, B. M. G.

12

Edwards, D.

10

Mortimer, E.

10

Lopes, A. R. C.

10

Duarte, M. C.

9

Cachapuz, A.

9

Gentner, D.

8

Perelman, C.

8

Melo, A. C. S.

8

Ferraz, D. F.

8

Orgill, M.

6

Thiele, R.

6

Vygotsky, L. S.

5

Pessanha, J. A. M.

5

Sutton, C.

5

Thagard, P.

5

Mortimer, E.

5

Oliveira, R.

5

Harrison, A. G.

5

Japiassu, H.

5

Orsolini, M.

4

Treagust, D.

4

Bozelli, F.C.

4

Ferry, A. S.

4

Pedrochi, F.

4

González, B. M. G.

4

Discussão

Segundo os resultados, nos últimos três anos houve aumento nos temas relacionados ao uso das analogias, e os autores que mais publicaram foram D. F. Ferraz e F. C. Bozelli, com duas publicações cada; os mais citados nos artigos publicados foram G. Bachelard e S. Glynn, com 47 e 21 citações, respectivamente. As citações estão relacionadas principalmente aos obstáculos epistemológicos gerados pelo uso inadequado das analogias, um dos entraves a que se referiu Bachelard (1996).

As revistas mais encontradas nos resultados foram: Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências e Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, com duas publicações cada, e o evento foi o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, totalizando seis resumos. A característica comum entre eles foi o reforço da importância da utilização de analogias na Educação em Ciências envolvendo alunos e professores, como afirmou Duarte (2005).

Os resultados deste estudo também mostram que se fazem necessárias mais discussões sobre o uso de analogias no ensino. Sua função, suas utilidades, suas vantagens e desvantagens, bem como formas de exploração que sejam efetivas, além de como o contexto interativo/discursivo entre professor e aluno pode interferir no processo de ensino e aprendizagem em sala de aula, assinalado também por Bozelli (2012). Esse ponto também foi ressaltado por Duit (1991) ao enfatizar que o uso de analogias em situações de aprendizagem exige orientações consideráveis.

Todavia, sabemos que estamos apenas diante de uma proposta. Há muito que se investigar; abrem-se novas perspectivas para pesquisas dedicadas aos processos de ensino e de aprendizagem relacionados às estratégias de ensino com recurso às comparações.

Conclusão

Após esta pesquisa e revisão teórica, alguns pontos podem ser levantados. O primeiro é que cada vez mais o uso de analogias no ensino de Ciências, devido ao seu potencial didático-pedagógico, vem sendo debatido por pesquisadores da Educação. O segundo é o reforço da importância da utilização de analogias na Educação em Ciências, envolvendo alunos e professores. O terceiro é que o uso das analogias tem que se tornar compreensível, fácil e evidente para os professores, para que saibam utilizá-las em sala de aula no ensino de Ciências.

Em relação ao período das publicações, houve aumento e preocupação maior nos últimos anos quanto ao uso das analogias de maneira eficiente pelos professores no ensino de Ciências, uma vez que são usadas pela maioria deles, porém geralmente de forma inadequada. As publicações são recentes: compreendem os últimos cinco anos. Os eventos relacionados a essa área de investigação e a pesquisa em Educação e Ciências e os periódicos têm divulgado os resultados, contribuindo para uma fundamentação teórica eficaz e para a divulgação dos resultados.

É importante ressaltar a necessidade do maior preparo das analogias pelo professor, que as utiliza muitas vezes de forma espontânea e inadequada. Muitos desafios precisam ainda ser suplantados no tocante ao uso das analogias como instrumento de ensino. Fazem-se urgentes, na formação inicial e continuada dos professores, a inserção e a discussão da questão sobre o uso de analogias no ensino, sua função, suas utilidades, suas vantagens e desvantagens e a forma de usar analogias de maneira efetiva. Isso requer um novo paradigma nos cursos iniciais e de formação continuada dos professores.

Referências

ANDRADE, B. L.; FERRARI, N. As analogias e metáforas no ensino de Ciências à luz da epistemologia de Gaston Bachelard. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências. Belo Horizonte, Cemig; FAE, v. 2, nº 2, p. 1-11, dez. 2002.

BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto.1996.

BOZELLI F. C.; NARDI, R. Interações discursivas e o uso de analogias no ensino de Física. Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre, v. 17(1), p. 81-107, 2012.

DUARTE, M. C. Analogias na educação em Ciências: contributos e desafios. Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre, v. 10, nº 1, 2005.

DUIT, R. On the role of analogies and metaphors in learning science. Science education. Nova Iorque, v. 75, p. 649-672, 1991.

FERRAZ, D. F.; TERRAZZAM, E. A. Uso espontâneo de analogias por professores de Biologia e o uso sistematizado de analogias:que relação? Ciência & Educação, v. 9(2), p. 213-227, 2003.

FRANCISCO JÚNIOR, W. E. Analogias e situações problematizadoras em aulas de Ciências. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.

GENTNER, D. Analogy. In: BECHTEL, W.; GRAHAM, G. (Eds.). A Companion to Cognitive Science. Malden: Blackwell, 1998.

GLYNN, S. M. et al. Teaching science with analogies: a resource for teachers and textbook authors. Washington: National Reading Research Center, 1994.

GODOY, L. A. Sobre la estructura de las analogías em ciências. Interciencia, v. 27(8), p. 422- 429, 2002.

PERELMAN, C.Retóricas. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

Publicado em 02 de agosto de 2016

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.