Educação e ressignificação do indivíduo e da sociedade

Francisco Marcos Alves

Licenciado em Filosofia (Unicap), especialista em Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia (Universidade Leonardo da Vinci -Uniasselvi)

Introdução

A educação tem se apresentado como um processo dinâmico em que a percepção de mundo que a delimitava se encontra cada vez mais vencida por uma nova configuração. Diante dos conflitos atuais apresentados na área da Educação e da sociedade brasileira, este trabalho tem por objetivo propor uma reflexão acerca de um processo de ensino e aprendizagem pautado na construção de novos paradigmas, em que o indivíduo seja capaz de dar significado à sua existência e possibilitar o mesmo ao seu semelhante. Não é plausível perpetuar-se, em nossa sociedade, um sistema de educação descomprometido com a emancipação do indivíduo. Desse modo, apresenta-se como exigência a necessidade de traçar uma reflexão capaz de desinstalar-nos de nossas acomodações e termos a capacidade de nos reinventar.

Não é de hoje que surge a necessidade de uma educação comprometida com o verdadeiro processo de ensino-aprendizagem. Por vezes, escutamos algumas pessoas e até educadores afirmarem que a educação não tem empreendido a sua função. Mas necessita-se que surja a consciência de que é preciso uma educação emancipatória, porque até então se protagonizou uma educação voltada para o tecnicismo e para a perpetuação do poder das classes dominantes. Em relação a isso, afirma Paulo Freire:

A violência dos opressores que os faz também desumanizados não instaura uma outra vocação – a do ser menos. Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E essa luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscar recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. E ai está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores (1957, p. 20).

A educação bancária perpetua o cenário em que há a possibilidade dos indivíduos de assumir um dos papéis: oprimido ou opressor. E o perigo de quem compreende a opressão e identifica-se com o opressor é tornar-se opressor de outros indivíduos:

O “homem novo”, em tal caso, para os oprimidos, não é o homem a nascer da superação da contradição, com a transformação da velha situação concreta opressora, que cede seu lugar a uma nova, de libertação. Para eles, o novo homem são eles mesmos, tornando-se opressores de outros. A sua visão do homem novo é uma visão individualista. A sua aderência ao opressor não lhes possibilita a consciência de si como pessoa, nem a consciência de classe oprimida. Dessa forma, por exemplo, querem a reforma agrária não para libertar-se, mas para passar a ter terra e, com esta, tornar-se proprietários ou, mais precisamente, patrões de novos empregados (Freire, 1957, p. 21).

Não se trata de um processo simples, algo que aconteça de um instante para outro, mas é preciso um processo de amadurecimento criativo, mas também árduo. Por isso é necessário que se tenha a convicção de que “a libertação, por isso, é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce desse parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos” (Freire, 1957, p. 20).

Educação e ressignificação

A educação reveste-se de um novo anseio, que é a política e, consequentemente, o direcionamento à cidadania. Há muito tempo, a política limitava-se apenas à política partidária, mas o seu sentido pouco a pouco vem tomando espaço na sociedade e na educação. Considerando questões como essa, Cecília Peruzzo (1998) diz que

estes são apenas alguns dos indicativos da importância histórica da educação para a cidadania em sua contribuição para alterações no campo da cultura política, por meio da ampliação do espectro da participação política, não só em nível macro do poder político nacional, mas incrementando-a a partir do micro, da participação em nível local, das organizações populares, e contribuindo para o processo de democratização e ampliação da conquista de direitos de cidadania.

É indispensável para a construção do direcionamento de nossa problematização discutir o que seja a democracia. É na democracia que teremos autonomia para desempenhar uma educação participativa e engendrar um processo de ensino-aprendizagem em que haja a valorização do conhecimento produzido com a participação de todos. Nessa perspectiva, Lakatos (1999) define:

Democracia é a filosofia ou sistema social que sustenta que o indivíduo, apenas pela sua qualidade de pessoa humana e sem consideração às qualidades, posição, status, raça, religião, ideologia ou patrimônio, deve participar dos assuntos da comunidade e exercer nela a direção que proporcionalmente lhe corresponde.

A conceituação de democracia é muito ampla, e, quanto a essa perspectiva, Bobbio (2002) afirma que “a democracia não se refere só à ordem do poder público do Estado, mas deve existir em todas as relações sociais, econômicas, políticas e culturais. Começa na relação interindividual, passa pela família, a escola e culmina no Estado”.

O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Uma de suas tarefas primordiais é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se “aproximar” dos objetos cognoscíveis. E essa rigorosidade metódica não tem nada que ver com o discurso “bancário” meramente transferidor do perfil do objeto ou do conteúdo. É exatamente nesse sentido que ensinar não se esgota no “tratamento” do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível (Freire, 1996, p. 14).

É insistente o apelo de nossos tempos principalmente para uma realidade em que vivemos no Brasil em relação à Educação: não podemos manter um sistema educacional enrijecido por verdades preestabelecidas. “O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos homens, não podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens” (Freire, 1996, p. 43).

A concepção e a prática da educação que vimos criticando se instauram como eficientes instrumentos para esse fim. Dai que um dos seus objetivos fundamentais, mesmo que dele não estejam advertidos muitos do que as realizam, seja dificultar, em tudo, o pensar autêntico. Nas aulas verbalistas, nos métodos de avaliação dos “conhecimentos”, no chamado “controle de leitura”, na distância entre o educador e os educandos, nos critérios de promoção, na indicação bibliográfica, em tudo há, sempre a conotação “digestiva” e a proibição ao pensar verdadeiro (Freire, 1957, p. 41).

É por demais provocador elencar os desafios que se apontam na esfera da Educação porque nos compromete a posturas novas diante do nosso ser no mundo. No entanto, à vista apresentam-se novas perspectivas que se estabelecem como imperativas na construção de um novo mapa educacional:

A educação autêntica, repitamos, não se faz de “A” para “B” ou de “A” sobre “B”, mas de “A” com “B”, mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele. visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças que implicitam temas significativos, à base dos quais se constituirá o conteúdo programático da educação (Freire, 1957, p. 54).

O diálogo é a base para a transformação da educação, das pessoas e da sociedade. Conclui Freire: “Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas” (Freire, 1996, p. 15).

Conclusão

A conscientização de que precisamos dar significado ao que até então se encontra às margens de nossa existência é algo que se dará paulatinamente. Mas esse processo de ressignificação do indivíduo e da sociedade só é possível quando os indivíduos deixarem “suas verdades” e abrirem-se para uma nova dinâmica: a abertura para o conhecimento construído solidariamente. O processo de ensino-aprendizagem será autêntico quando a sua meta for a emancipação do homem e desinstalar-se dos métodos que o subordinam às estruturas reprodutoras de um conhecimento ultrapassado e sem vida.

Referências

BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. Rio de Janeiro: Campus, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

LAKATOS, Eva Maria. Sociologia geral. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.

PERUZZO, Cecília M. K. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998. 

Publicado em 06 de dezembro de 2016

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