Neurociência e os desafios em sala de aula

Claudia Nunes

O que muda na mudança se tudo em volta é uma dança no trajeto da esperança, junto ao que nunca se alcança?
Carlos Drummond de Andrade

Desde a década de 1980, quando a informatização ganhou todos os setores de muitas sociedades, há uma geração evoluindo por dentro do ‘novo’ ambiente virtual. A evolução da maquinaria da informática se deu em paralelo com o crescimento físico e mental da geração ‘nativa digital’, estabelecendo um ‘novo’ jogo cognitivo emocional surpreendente. E a escola não ficou isenta de tantas influências.

Quando se pensa na Neurociência participando desse mundo, pensa-se em oportunidades de revalorizar o mundo educacional aproveitando os níveis (e tipos) de acesso às mais variadas tecnologias digitais e virtuais no contexto da mutabilidade neural; articulando novas práticas de ensino com a influência da ‘nova’ cognição, de forma a estimular funções superiores como memória e linguagem; e gerenciando (e corticalizando) a ascensão (e solidificação) de diferentes comportamentos e emoções, advindos das ‘modernas’ maneiras de construir relações educativas, sociais e pessoais.

Mas é preciso ter cuidados extras: ainda nos tempos de hoje, mais tecnológicos e velozes, parte dos aprendentes absorve o fluxo de informações com mais lentidão do que outros ou prioriza certos instrumentos em detrimento de outros, dependendo das suas formas de contato ou necessidades. De acordo com Relvas (2012), os primeiros são os cérebros ‘lentiuns’; os outros, os ‘pentiuns’, em uma analogia ‘afetiva’ com os processadores dos computadores.

E o que isso quer dizer? Diante de um contexto educacional com a pretensão de gerar mudanças de comportamento cognitivo, ainda que muito tecnológico, os ritmos neurais e emocionais estão/são diferentes ou, como afirma Bauman (2007, p. 7), mais ‘líquidos’, ou seja, “mudando num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação de hábitos e rotinas e formas de agir”, o que institui outras atenções, por exemplo, às novas formas de aprender.

Há, em sala de aula, diálogos de tempos muito diferentes sempre, hoje recrudescidos pela ampliação do número de informações (e práticas) às quais os aprendentes são expostos antes (e mesmo durante) do processo de formação ‘humana’. Em sala, digladiam-se valores, desejos, emoções, informações e aprendizados de tempos diversos. Muitas vezes, por isso, há uma desarmonia, por exemplo, nas construções afetivas, hoje entendidas pelo estudo neurocientífico como pontas de lança ao processo de desenvolvimento da aprendizagem significativa. É na percepção da diversidade que se pode empreender desafios contextualizados e estimular tanto as curiosidades quanto as criatividades, dentro e fora da sala de aula.

Cada vez mais a abordagem neurocientífica do aprendizado é entendida como um sistema de referência teórico para práticas educacionais para além das ciências biológicas e está decisivamente construindo olhares (alicerces) mais focados nas formas de aprender dos aprendentes, principalmente porque, hoje em dia, ao mesmo tempo que se percebem modificações no circuito cognitivo e da memória, já se entende que o aprendizado varia de acordo com a perspectiva de quem o descreve. Temos que valorizar de pronto as experiências dos aprendentes, porque estas fundamentam as memórias tão importantes ao processo intelectual e afetivo.

Nesse sentido, duas reflexões são importantes: a ‘neurociência do aprendizado’ é entendida como o processo cerebral em que o cérebro reage a um estímulo, o que envolve percepção, processamento e integração da informação; e o olhar dos educadores que consideram que o aprendizado é um processo ativo que leva à aquisição de conhecimento, o que por sua vez acarreta mudanças duradouras, mensuráveis e específicas de comportamento.

Mesmo assim, não se pode descartar a ideia de que, no século XXI, os aprendentes estão se comportando diferente. Mesmo em seu dia a dia fora da escola, os aprendentes assimilaram outras características por causa de suas intensas imersões conectivas no mundo virtual, e isso não pode ser banalizado ou esquecido. Há peculiaridades cognitivas, emocionais, sociais e culturais acontecendo a olho nu, e isto precisa ser identificado, discutido e modificado pelos responsáveis pelo ensino e aprendizagem porque há uma geração se sentindo muito livre, muito autônoma, muito ‘senhora de si’ tendo em vista as posturas tomadas diante, por exemplo, de seu excessivo tempo em frente à tela de um computador.

No campo educacional, o ‘ensinar’ tradicional começa a cair em desuso (porque visa formação heterogênea) e precisa ser repensado quase urgentemente. De acordo com Relvas (2012, p. 55), “se existem várias maneiras de aprender pelos circuitos neurais, têm-se diferentes maneiras de ensinar”. Na relação com os aprendentes, essas outras maneiras de ensinar iniciam-se pelo sentir e perceber os pontos pelos quais o educador deve incidir suas propostas educacionais e suas mediações de aprendizagem.

Professores hoje são estimuladores e cultivadores de potencialidades e de inteligências, sejam elas quais forem. Então a ideia é entender melhor como se dá o desenvolvimento bio-psico-social dos aprendentes e, para isso, estabelecer aproximações afetivas mais constantes, mudar um pouco o próprio comportamento pessoal e adquirir estratégias de mais acolhimento e focadas nos desafios.

Nesse ínterim, o conteúdo começa a ser visto simplesmente como ponta do iceberg educacional. Questões como ‘como o aprendente aprende?’ ou ‘de que forma ele aprende?’ passam a ter grande importância à criação das práticas de ensino porque principiam o estabelecimento do afeto, da confiança, da amizade e da sinceridade entre todos, suas necessidades e desejos, futuros ou presentes.

Mas, pelo que se percebe (e é voz recorrente), o aprendente parece não ter vontade de aprender. Na maioria dos casos, ele tem tudo, tudo é fácil, rápido. É a era do “tudo ao mesmo tempo agora”; ou, como diz Relvas (2012), é a era do ‘fast food’ em que tudo pode em nome da tranquilidade e do pouco trabalho, tanto na família quanto na escola; ou, ainda, é a era do “cérebro de recompensa”, em que tudo que é solicitado ao aprendente precisa de um retorno, um lucro, algo material ou físico que estimule a vontade de realizar, de fazer, não apenas de aprender. E é preciso refletir sobre isso também diante das tantas demandas impostas a esse educador no cotidiano de sua profissão.

É uma complexidade de fatores dentro da complexidade humana; logo, é preciso estudar continuamente. Ao reconhecer as regiões do cérebro que estão envolvidas nas funções cognitivas como, por exemplo, a leitura e o cálculo; entender a importância do reconhecimento dos mecanismos cerebrais que subjazem às habilidades que os aprendentes devem adquirir efetivamente; e principalmente compreender as razões biológicas dos comportamentos, mesmo dos chamados ‘desvios de conduta’, o professor desenvolve metodologias diferenciadas, deve ter flexibilidade em suas maneiras de avaliar e criar vínculos mais positivos e de interesse com seus aprendentes.

Atividades lúdicas (diferentes), dinâmicas de grupo temáticas, projetos interdisciplinares, visitas técnicas estimulam conexões sinápticas diversas e a mutabilidade cerebral; estimulam mais humanidades (menos violência) entre muitos e solidariedade entre todos; estimulam mais autonomia, participação e autoestima; estimulam, enfim, mudança de comportamento e fortalecimento dos desempenhos pertinentes ao convívio em sociedade.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

RELVAS, Marta Pires. Neurociência na prática pedagógica. Rio de Janeiro: Wak, 2012.

Publicado em 11 de julho de 2017

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