A ação docente frente à inclusão das tecnologias assistivas no espaço escolar

Carolina Guerreiro Leme

Mestre em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias (Unopar), professora da rede estadual do Paraná

Okçana Battini

Doutora em Educação, professora do Programa de Mestrado em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias (Unopar)

Introdução

O século XXI é marcado por profundas mudanças, especialmente pelo ritmo acelerado das informações. O advento de importantes ferramentas tecnológicas, como informática, internet e computador, interferem de modo direto nas mais diversas esferas do contexto da sociedade atual. Nesse sentido, a escola passa a ser vista como um locus essencial desse processo. A escola é um ambiente que tem como um dos seus objetivos promover o desenvolvimento intelectual dos educandos mediante a aquisição de conhecimento e interação social. Assim, a escola não pode ser excluída dessas transformações oriundas das novas tecnologias.

Nesse contexto, o atendimento educacional especializado (AEE) passa a ser um ambiente propício para a troca de saberes, em que as novas tecnologias exercem papel de suma importância, favorecendo a  inclusão e estimulação dos alunos com alguma deficiência.

Nesse cenário, as tecnologias assistivas têm revolucionado os conceitos que tratam do processo de ensino e aprendizagem, sendo uma ferramenta aliada no que se refere à motivação, interação e principalmente a inclusão dos educandos com alguma necessidade educacional especial, principalmente a surdocegueira.

A surdocegueira no espaço escolar e as tecnologias assistivas

Conforme Serpa (2002), denomina-se surdocego aquele que possui dificuldades visuais e auditivas. A surdocegueira é uma deficiência única e especial, que requer métodos de comunicação especiais para viver com as funções da vida cotidiana. A surdocegueira é uma das deficiências que mais comprometem a criança, pois não se trata de uma criança surda que não pode ver ou uma criança cega que não pode ouvir, mas sim de uma criança com limitações multissensoriais. Para o MEC (Brasil, 2006, p. 11), “não se trata da simples somatória de surdez e cegueira nem é só um problema de comunicação e percepção, ainda que englobe todos esses fatores”.

Nesse sentido, podemos dizer que o processo de inclusão e socialização dessas crianças (na sociedade e consequentemente na escola) é muito difícil, pois geralmente são retraídas e isoladas, apresentando dificuldade para se comunicar, não demonstrando curiosidade e motivações básicas. Não gostam do toque das pessoas, ou seja, não adquirem uma imagem real do mundo em que vivem.

Pode-se dizer que a tecnologia assistiva passa a ser uma ferramenta que tem a finalidade principal de proporcionar ou ampliar habilidades funcionais dos educandos com deficiência, auxiliando no processo de independência e inclusão.

Diante dessa perspectiva, torna-se relevante o seguinte questionamento: como as tecnologias assistivas, sendo uma ferramenta de comunicação e interação, podem contribuir para o desenvolvimento de uma aluna que apresenta surdocegueira? Quais os avanços e desafios na inclusão das tecnologias assistivas no espaço escolar?

A Linha Braille como tecnologia assistiva no processo de inclusão do aluno surdocego na escola regular

A presente discussão é um recorte da dissertação de mestrado O papel do instrutor mediador e o impacto da tecnologia assistiva frente à inclusão de alunos com surdocegueira (2015), em uma pesquisa que acompanhou uma aluna em seu processo de aprendizagem frente a uma ferramenta de tecnologia assistiva: a Linha Braille Focus 80.

A Linha Braille é um hardware que exibe dinamicamente em braile a informação da tela ligada a uma porta de saída do computador. O programa Jaws, desenvolvido pela empresa norte-americana Henter-Joyce, é um leitor de telas que permite facilmente o acesso de pessoas deficientes visuais ao computador. De acordo com a Tecassistiva (2007), que distribui esse hardware no Brasil, a Focus 80 Blue é uma Linha Braille completa que une 80 células braile sem qualquer divisão a um teclado braile de oito teclas sensíveis e silenciosas. A Linha Braille possui 21 teclas adicionais de controle para total interação com o Jaws, incluindo dois balanceadores de navegação.

A Linha Braille reproduz em braile o texto que está na tela do computador. A Linha Focus 80 Blue foi desenhada ergonomicamente e otimizada para um natural posicionamento das mãos, minimizando os movimentos e permitindo o uso repetitivo durante longas horas de trabalho de forma muito confortável.

O sujeito da pesquisa é a aluna BK (matriculada no Ensino Médio regular), surdocega congênita, que apresenta cegueira em ambos os olhos (nenhuma percepção de luz), com surdez em grau severo-profundo em ambas as orelhas e cognitivo preservado. Assim, o processo inicial de utilização da Linha Braille pela aluna BK ocorreu com a intermediação da professora instrutora mediadora que atuava com ela no centro de atendimento especializado e na sala de aula regular; essa mediadora a acompanha em todas as atividades, auxiliando em sua comunicação; ela utiliza um sistema de comunicação específico para sujeitos que apresentam surdocegueira: fala ampliada, acessibilidade ao currículo e flexibilização curricular.

É importante destacar que, mesmo a aluna apropriando-se rapidamente dos comandos e oferecendo respostas positivas, a Linha Braille ainda configura-se como um grande desafio.

Esse processo apresentou pontos positivos e algumas dificuldades que devem ser levadas em consideração. Dentre os principais pontos positivos destaca-se o preenchimento de grandes lacunas que existiam no processo comunicativo da aluna, pois o novo recurso favoreceu a fixação da aprendizagem, o que se deu em virtude de a aluna receber as informações por meio de dois canais: auditivo e tátil. A Linha Braille fornece o registro de informação de maneira clara e precisa, além de oportunizar a realização das atividades escolares em sala de aula regular.

Antes da utilização da Linha Braille Focus 80, a aluna empregava a máquina braile modelo Perkins. Essa máquina limitava as atividades da aluna, pois, apesar de sua grande importância e eficácia no registro do sistema braile, produzia um alto som ao digitar as teclas, o que dificultava sua utilização em sala de aula regular, principalmente no momento em que o professor regente ministrava os conteúdos de sua disciplina.

Além disso, após a inserção da Linha Braille o processo de avaliação é realizado da mesma forma que os demais alunos, favorecendo a intermediação do professor regente, pois ele pode acompanhar pelo computador as atividades realizadas pela aluna. Verificamos que a relação entre as atividades curriculares orientadas pelo professor regente e a execução mediada pela Linha Braille, por parte da aluna, se efetivam de forma mais sistemática.

Pudemos perceber um melhor aproveitamento dos conteúdos pela aluna visto que ela acompanha, em tempo real, as atividades realizadas em sala de aula.

Dentre as principais dificuldades encontradas nesse processo, destaca-se a falta de experiência e insegurança dos docentes frente às novas tecnologias. Mesmo assim, a cada dia os professores regentes que assistem a aluna no ensino regular demonstram mudanças significativas na maneira de perceber e reconhecer o grande potencial de BK. De forma geral, foi possível observar que muitos professores vêm alterando a sua postura frente ao processo inclusivo da aluna, pois passaram a não colocar os comprometimentos sensoriais em primeiro plano como fatores limitantes para a participação e aquisição de conhecimentos.

No entanto, a prática cotidiana revela que ainda encontramos no corpo docente do ensino regular aqueles que apresentam uma prática educativa pouco inclusiva, de forma que mantêm uma relação superficial com a aluna e com a professora instrutora mediadora, de maneira formal, com a finalidade de apenas cumprir o protocolo.

Por isso a necessidade de os professores regentes estabelecerem parceria com a professora instrutora mediadora, pois essa relação é essencial para que se efetivem as práticas educacionais inclusivas, visto que é essa interação que oferece suporte para as condições de acessibilidade ao currículo para que a aluna surdocega possa de fato participar e interagir com seus amigos e professores.

Podemos perceber que, pela Linha Braille, a autoconfiança e a autoestima da aluna foram resgatadas. Essa ferramenta tecnológica está trazendo conexão e acesso aos conteúdos científicos de forma clara, precisa; consequentemente, a aluna consegue acompanhar os conteúdos ministrados ao mesmo tempo que os demais alunos da sala de aula regular.

Durante todo o processo de observação, ficou evidente a importância das tecnologias assistivas para o aluno surdocego, sendo considerada uma ferramenta de contato e interação com o mundo, ou seja, uma forte aliada quando se trata de uma inclusão digna e responsável no espaço escolar. A fala da aluna BK aponta que o processo de inclusão, tanto emocional como de aprendizagem, é facilitado pela Linha Braille.

A Linha Braille contribui para minha interação com os conteúdos e facilita a comunicação entre mim e os professores regentes. Em relação à máquina braile modelo Perkins, era difícil fazer correções, exigia esforço físico muito grande para a realização das atividades e fazia muito barulho. Os professores não conseguiam interagir diretamente comigo, e por isso dependiam muito da professora instrutora mediadora.

São importantes o desenvolvimento da autonomia da aluna e a busca pela consolidação entre professor e aluno.

Com a Linha Braille ficou mais fácil realizar as atividades, porque ficou mais fácil fazer as correções e ela exige menos esforço físico; além disso, facilita a interação do professor diretamente comigo durante o atendimento individual. Melhorou o meu aprofundamento dos conhecimentos (atualmente eu me abro mais e tenho coragem de tirar dúvidas perguntando o que eu não entendi aos professores). Melhorei a minha relação com os professores e agora eu os sinto mais próximos de mim, assim como os meus amigos.

Mercado (2002) afirma que o principal objetivo da tecnologia na educação é justamente beneficiar-se dessa ferramenta de maneira adequada, pois dessa forma o educando terá a capacidade de integrar-se com aspectos presentes no espaço escolar: currículo, avaliação, atividades pedagógicas, dentre outras. Assim, a escola passa a ser um ambiente mais estimulante para o aluno surdocego; é de grande relevância desenvolver uma prática pedagógica que tenha como foco o desenvolvimento integral do aluno.

Com base nesse autor, a perspectiva pedagógica de associar a tecnologia com outras disciplinas do currículo se tornou um fator de suma relevância, especialmente para o processo de adaptação e reconhecimento da nova ferramenta, Linha Braille Focus 80, tendo em vista que, de forma independente, a aluna BK percebeu os próprios erros.

No entanto, é relevante afirmar que alcançar os reais objetivos propostos pela inserção de uma nova tecnologia assistiva não é tarefa fácil e requer grandes esforços por parte do aluno e do professor, principalmente frente ao processo de adaptação e aprendizagem.

Alguns professores depositam grande responsabilidade da aprendizagem da aluna na função da instrutora mediadora. No entanto, esse é um grande equívoco, pois o trabalho deve ser colaborativo, ter como objetivo a parceria entre os profissionais; nenhum possui importância maior. É oportuno dizer que os professores regulares e os de apoio devem caminhar juntos, devem apresentar relacionamento de cumplicidade e respeito em prol do aluno que apresenta necessidades especiais.

Como se pode perceber no relato de observação, essa tecnologia assistiva necessita ser revisada e constantemente adaptada, sendo de integral importância a busca pelo conhecimento e o compartilhamento do saber, pois, ao tratar das tecnologias educacionais, entram em pauta aspectos relevantes a serem discutidos, principalmente no que se refere à manipulação responsável e consciente desses recursos tecnológicos, além da indispensável preparação docente para a efetivação desse processo.

Conclusão

Pelo processo de observação, torna-se evidente que as tecnologias assistivas representam grande avanço para o aluno surdocego, uma ferramenta que vai muito além do processo de comunicação, pois possibilita uma nova forma de interação com o mundo.

Assim, o processo de ensino e aprendizagem da aluna BK tem demonstrado significativa evolução após a inserção da Linha Braille. A aluna apresenta maior autonomia para as leituras, desde livros didáticos até textos acessados na internet. Ela se sente preparada na realização individual de algumas atividades, tem demonstrado interesse em realizar as suas tarefas sem dependência total da professora instrutora mediadora e alcançado resultados positivos nas relações interpessoais, em que tem demonstrado motivação nas atividades realizadas em grupo.

Pode-se dizer que o professor instrutor mediador é elemento indispensável para o sucesso desse processo, pois é ele que favorece a interação da aluna durante as aulas ministradas, fornece oralmente informações sobre os conteúdos e qualquer acontecimento em sala de aula. Nesse sentido, ele aprofunda o conteúdo de todas as disciplinas, realiza a mediação dos estudos para a avaliação e organiza a rotina da aluna, como tarefas e avaliações, ou seja, o professor mediador é a extensão da aluna; o sucesso da inserção da Linha Braille não seria possível sem a mediação desse profissional.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretária de Educação Especial. Saberes e Práticas da Inclusão. Dificuldades de comunicação e sinalização: surdocegueira/múltipla deficiência sensorial. 4ª ed. Brasília: MEC/SEESP, 2006.

_______. A Educação Especial na perspectiva da inclusão escolar surdocegueira e deficiência múltipla. Brasília: MEC/SEESP; Universidade Federal do Ceará, 2010.

LEME, Carolina Guerreiro. O papel do instrutor mediador e o impacto da tecnologia assistiva frente à inclusão de alunos com surdocegueira. Dissertação (Mestrado em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias). Unopar, 2015.

MERCADO, Luís Paulo Leopoldo (Org.). Novas Tecnologias na Educação: reflexões sobre a prática. Maceió: Edufal, 2002.

MINAYO, Maria Cecilia de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2004.

SERPA, Ximena. Projeto Horizonte. Comunicação para pessoas surdocegas. Trad. Miriam Xavier de Oliveira. Bogotá: Instituto Nacional para Cegos, 2002.

TECASSISTIVA. Tecnologia e Acessibilidade. São Paulo, 2007. Disponível em: www.tecnologia-assistiva.org.br. Acesso em: 25 out. 2014.

Publicado em 05 de setembro de 2017

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