Concepções e práticas de brincar de docentes da Educação Infantil

Solange Maria de Oliveira Cruz

Supervisora de Ensino na rede municipal de Cubatão/SP, mestra em Educação, pós-graduada em Metodologia e Didática do Ensino Superior, Orientação Educacional, Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância

Pautada no reconhecimento de que as brincadeiras representam importante fonte de desenvolvimento humano, fui pesquisar quais “vivências” e interações lúdicas estão sendo oferecidas para que as crianças nas escolas de Educação Infantil, de 0 a 5 anos de idade, se desenvolvam, buscando saber o que pensam as docentes sobre sua própria prática.

Os dados foram coletados a partir do registro das opiniões, observações e reflexões de 58 professoras de Educação Infantil da rede pública municipal de uma cidade do litoral de São Paulo que se inscreveram voluntariamente em um curso oferecido pela Secretaria de Educação – Seduc; a proposta é refletir sobre a infância e a cultura lúdica; o brincar na escola e os brinquedos.

As turmas foram formadas por 31 docentes que atendiam crianças menores de três anos (54% do total de cursistas), 10 docentes que atendiam crianças de 2 a 3 anos (17%) e 17 docentes que atendiam crianças de 4 e 5 anos (29%).

A docente que possui mais tempo de trabalho na rede atua há 20 anos; a que possui menos tempo está na atividade há três anos. A média de atuação é de 11 anos.

Resultados e discussões

As professoras de crianças de 0 a 3 anos de idade eram maioria no curso, o que pode indicar maior carência de formação para educadoras desse nível de ensino, que, ao se deparar com a oportunidade, buscaram a profissionalização de sua prática docente. Embora algumas já venham atuando há bastante tempo na rede, as docentes expressaram a necessidade que sentem de trocar experiências e debater o tema com seus pares.

Em relação às expectativas com a formação ofertada, de modo geral elas esperavam adquirir conhecimentos novos sobre o assunto e melhorar a prática. Apontaram a necessidade de “criar espaços” para o brincar dentro da escola e alegaram ter seu trabalho lúdico interpretado de maneira “errada” pelos demais membros da comunidade escolar; segundo elas, alguns pais ou pares profissionais que trabalham na escola tendem a ver o brincar como “perda de tempo”, “enrolação” ou “algo que não é pedagógico”, conforme transcrito nas suas falas.

“Para que o brincar deixe de ser tratado pelos pais apenas como um passatempo na educação, devemos abordar nas reuniões de pais e mestres a sua importância no desenvolvimento infantil”, sugere uma delas. A rotina é citada como fator que dificulta o desenvolvimento do brincar dentro da escola, pois, segundo as educadoras, introduz uma rigidez de horários não condizente com a atividade lúdica do brincar; elas veem isso como algo que “empobrece o brincar”. Em suas falas, mencionam a tendência que algumas colegas têm de inserir a escolarização precoce, dando atividades em papel A4 para crianças de 3 anos, preocupadas que essas crianças aprendam as letras.

Elas relatam a não superação da visão assistencialista ainda presente no cotidiano das creches, gerando questionamento sobre o que de fato é importante na Educação Infantil, observando que o cuidar ainda permeia fortemente a Educação Infantil, sobressaindo-se em relação ao educar interferindo na qualidade do brincar. As educadoras alegam a falta de tempo que observam nas famílias como razão para que o brincar seja “resgatado” por elas no ambiente escolar.

Falam dos “cantinhos” com diferentes objetos, como brinquedos e outros materiais (fantasias, objetos que reproduzem a casa, salão de beleza, supermercado etc.) oferecidos na maioria das vezes dentro da própria sala de aula como forma de desenvolver o brincar em suas salas sem necessidade de deslocar as crianças para outros espaços.

Quanto às questões de gênero e inclusão, relatam que as brincadeiras – tanto as dirigidas como as livres – favorecem a integração, além da interação necessária e recomendada por especialistas das crianças mais experientes com as menos experientes, que elas chamam de “maiores” e “menores”, como forma de distinguir os mais novos dos mais velhos. Sobre os espaços, registram que na maior parte do tempo retiram alguns brinquedos da brinquedoteca e os disponibilizam em suas salas de aula, a fim de que as crianças exercitem o seu direito de escolher com o que brincar.

Elas alegam que disponibilizar e ressignificar os brinquedos em outros espaços cria novas possibilidades e maneiras diferentes de brincar com o mesmo objeto. Aparecem então questões relacionadas à falta de espaços adequados e a problemas na estruturação física dos espaços destinados às brincadeiras como a principal razão para que seja feita essa “ressignificação do espaço”.

Vem à tona a questão do banho: “temos que dividir o tempo entre as trocas, banhos, alimentação (cuidar), e o pedagógico (educar) é bem corrido” (PCSA). E o brincar aparece como rotineiro nas atividades das escolas, mesmo com os registros de falta de espaço e estruturas inadequadas.

Nas falas aparecem indicações de que as brincadeiras são, na maior parte do tempo, dirigidas pelos adultos, que definem onde e quando brincar, além de escolher os brinquedos que serão utilizados em determinados espaços previamente definidos por eles (sala de aula, parque, brinquedoteca etc.), fundamentados em razões como tempo, espaço, faixa etária das crianças.

Além dos brinquedos estruturados que as instituições oferecem, utilizam brinquedos não estruturados, que denominam “sucatas”. Cabe aqui uma explicação: brinquedos estruturados são aqueles adquiridos prontos, industrializados ou não. Brinquedos não estruturados são objetos que não necessariamente foram feitos para ser brinquedos, mas que podem adquirir tal significado quando estão nas mãos das crianças: um pedaço de madeira vira cavalo, uma tampa de panela se torna um volante de carro e assim por diante. E os brinquedos que mais aparecem são bolas, bonecas, panelinhas, bandinha.

Uma queixa comum é a falta de um tanque de areia para que as crianças tenham contato direto com a terra, o que demonstra que a falta de espaço para um contato mais próximo com a natureza está levando as docentes a buscar formas alternativas de propiciar esse contato.

Ao discutir como estão organizados os materiais lúdicos oferecidos na escola – se há classificação, conservação e disponibilidade do acervo e como isso acontece, se as crianças têm acesso aos brinquedos e em quais momentos, se brincam com brinquedos não estruturados ou de largo alcance e o que é preciso para brincar, e, finalmente, de que forma conduzem as manifestações do brincar no seu cotidiano, as educadoras relatam que onde trabalham existem os brinquedos estruturados que ficam nas salas, como caixas organizadoras que contêm chocalhos, mordedores, brinquedos de borracha, bolas com guizos etc., e que esses fazem mais sucesso que os brinquedos de marca, pois nesse momento as crianças criam e vivem o faz de conta, imitando os papéis sociais.

Elas contam com o auxilio das crianças para o cuidado e a organização do acervo, como citou uma das cursistas: “a criança deve aprender a usar, limpar, guardar e a reutilizar materiais”, fazendo referência também à questão da segurança e da limpeza, necessárias ao utilizar materiais não estruturados.

Citam alguns referenciais teóricos, mas não aprofundam as discussões sobre eles. Uma fala marcante foi:

Realmente, o tempo que sobra para brincarmos com nossos pequenos é pouco, pensando na quantidade de horas que eles ficam na escola; eu também fico triste com isso, porque de fato as pessoas, inclusive os pais, se preocupam muito em receber seus filhos limpos e arrumados, mas nunca um deles me perguntou se o filho brincou bastante; que coisa, não!? (SCDS, grifo nosso).

As professoras relatam sua rotina colocando o brincar como importante para o desenvolvimento das crianças e se esforçam para que as brincadeiras permeiem todas as atividades desenvolvidas no interior da escola.

Publicado em 03 de outubro de 2017

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