O olhar pelas lentes da decolonialidade

Tatiane Pacheco de Mattos

Seeduc/RJ

Tiago Dionísio da Silva

Seeduc/RJ

Para a implementação da oficina pedagógica no Curso de Formação de Professores no C. E. Dom Pedro I, em Mesquita/RJ, foi utilizada uma proposta teórico-metodologica e recursos didáticos empregando o conceito de decolonialidade (Oliveira; Candau, 2010), numa ação propositiva à Lei nº 10.639/03, que torna obrigatório o estudo da história e da cultura afro-brasileiras e africanas nas escolas.

O objetivo da iniciativa de trabalhar o conceito de decolonialidade é trazer a reflexão sobre práticas pedagógicas reproduzidas nas escolas sem o devido questionamento do lugar ocupado pelo negro na sociedade.

Como referencial teórico, foram utilizadas as reflexões de Oliveira e Candau (2010, p. 10) sobre decolonialidade, “como uma estratégia que vai além da transformação da descolonização, ou seja, supõe também construção e criação. Sua meta é a reconstrução radical do ser, do poder e do saber”.

Para a metodologia, fomentou-se o caráter qualitativo e bibliográfico, que propõe reflexões a partir das experiências relatadas e análises delas sob o viés teórico, podendo ser mais um dos pontos de partida de novos estudos e práticas docentes.

O conceito

Na discussão acerca do currículo, sempre houve controvérsias nas perspectivas políticas que são incutidas. Silva (2011) sinaliza a tendência eurocêntrica que recai sobre o documento, devido à força da Europa sobre o mundo desde a Modernidade, que, por sua vez, traz sobre o negro um olhar desigual que produziu posições de subalternidade nos espaços de disputas, sendo o currículo um deles.

Silva (2011) considera o currículo como um território de disputa e de poder. Logo, os pressupostos decoloniais em questão buscam fazer referência às possibilidades de um pensamento crítico a partir dos subalternizados pela Modernidade. São ideais que se contrapõem às tendências dominantes no processo de construção histórico-social da sociedade, dando visibilidade ao saber sob outra perspectiva – em nosso caso, os saberes e o protagonismo do povo negro –, fomentada por pesquisadores da América Latina.

Os caminhos

A metodologia ativa (Araújo, 2015) propõe um rompimento com práticas arraigadas no contexto tradicional, que compreende o aluno como receptor das informações por meio de exposição e repetição, dando visibilidade aos aspectos biológicos e psicológicos do aluno, valorizando o seu protagonismo na construção do conhecimento.

Partindo dessa perspectiva, a construção do conhecimento se reflete num ambiente de aprendizagem dinâmico e real, pois entrelaça diferentes dimensões, como: “cultura, Pedagogia, Estado, sociedade e escola” (Araújo, 2015, p. 4), o que torna o conhecimento inacabado, ou seja, sujeito a novas interrogações.

As projeções cartográficas de Mercator e Peters privilegiam, nos continentes, ângulos diferentes.

Assim, lançamos mão de uma dinâmica dividida em três fases: a primeira consistiu em provocar no grupo de alunos a curiosidade por perceber e apontar diferenças nas projeções cartográficas de Mercator e de Peters; sendo elas apresentadas e afixadas na lousa para melhor visualização, ficando os alunos livres para transitar em frente à lousa para melhor visualização. Após os registros das diferenças, foram explicados os interesses de cada projeção e questionado por que a escola utiliza a projeção de Mercator para a construção do saber.

A segunda etapa é um teste por associação (Bardin, 1977), em que uma palavra induz outras palavras pela associação da palavra ditada por nós, dinamizadores da oficina, buscando dessa forma o universo que os estudantes associam às palavras em questão. Foram quatro países ditados: França, Estados Unidos da América, Espanha e África do Sul.

A escolha dos países não obedeceu teve rigor; eles apenas deveriam pertencer à Europa, com exceção dos EUA – relevante por pertencer ao rol de países modelo no imaginário das pessoas e a África do Sul, por ser associada à pobreza. Essa fase consistiu em que, a cada país anunciado, a turma associava outras três palavras; o representante fazia o registro na lousa em espaços separados, destinados a cada um deles, consolidando, assim, possíveis percepções dos estudantes sobre o perfil deles.

A última fase apresentou-se mais ativa, pois dividiu o grupo em duas equipes (azul e verde), conforme as tarjetas distribuídas, havendo rodízio de representantes durante as rodadas para democratizar as oportunidades de participação. Para esta atividade, algumas imagens pouco veiculadas foram colocadas dentro de envelopes coloridos e numerados. Eram figuras que representavam as partes periféricas da França, dos Estados Unidos da América e da Espanha. Da África do Sul foram impressas imagens com a beleza das regiões do entorno da Cidade do Cabo, buscando desconstruir os estigmas e estereótipos que se perpetuam sobre o país e o continente africano.

Na lousa, previamente dividida em quatro espaços destinados aos diferentes países, os representantes das duas equipes escolhiam um envelope; a figura retirada, antes de ser afixada na lousa, deveria passar pelos olhares da equipe, que decidiria que país a figura representava.

Durante as rodadas foram coletadas as impressões dos estudantes acerca de cada país. Nossa hipótese era de que as imagens caracterizadas por pobreza fossem afixadas no espaço destinado à África do Sul e que as imagens que representam riquezas fossem distribuídas aos espaços destinados aos Estados Unidos da América, Espanha e França.

Conforme as correções eram feitas, explicando a região do país a que a imagem pertencia, os alunos demonstravam-se surpresos e insatisfeitos por terem tido esse conhecimento omitido durante os anos de escolaridade.

Os questionamentos foram em grande medida sobre os livros didáticos e seus conteúdos e sobre as feiras culturais que ocorrem nas escolas. Mas os questionamentos não se esgotaram na escola; estenderam-se ao trabalho das mídias.

Considerações finais

Buscou-se, pela metodologia ativa, a apresentação do conceito de decolonialidade, problematizando o que aprendemos e o que ensinamos na escola, se o que temos como conhecimento escolar dialoga com as perspectivas reais da sociedade. Chegamos à percepção de quão influente é a mídia na construção do nosso acúmulo de conhecimento.

A proposta de decolonialidade trazida por autores da América Latina possibilita um outro pensar, indo além da ideologia dominante com herança europeia, tão influente nos currículos escolares. É possível questionar-se se o conhecimento ditado e imposto substitui a autonomia docente, já que o fazer pedagógico recai sobre a autonomia, a liberdade e o poder de criação do professor (Castoriadis, 1992), não obstante ser necessário refletir sobre temas como formação continuada.

Referências

ARAÚJO, José Carlos Souza. Fundamentos da metodologia de ensino ativa (1890-1931). 37ª Reunião Nacional da Anped, 2015. UFSC – Florianópolis/SC. Disponível em http://www.anped.org.br/sites/default/files/trabalho-gt02-4216.pdf. Acesso em 01 jul. 2018.

BARDIN, Laurence. Analise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

CASTORIADIS, Cornelius. O "fim da filosofia"? In: As encruzilhadas do labirinto II. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

OLIVEIRA, Luiz Fernandes; CANDAU, Vera Maria Ferrão. Pedagogia decolonial e educação antirracista e intercultural no Brasil.Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 26, n. 1, p. 15-40, abr. 2010.

SILVA, Tomaz Tadeu. Currículo e identidade: território contestado. In: SILVA, T. T. (Org.). Alienígena na sala de aula. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

Publicado em 11 de setembro de 2018

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