Conhecimentos docentes para o ensino da Matemática nas séries iniciais

Cristiane Rodrigues Reina Soriani

Especialista em Educação Matemática, professora da rede pública do Estado do Paraná

Fábio Luiz da Silva

Doutor em História, docente do Programa de Pós-Graduação em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias (Pitágoras-Unopar)

Entrando em qualquer escola na maior parte do mundo, durante o horário das aulas, esperamos encontrar os corredores vazios e os alunos nas salas de aula, onde professores deveriam estar ensinando. Mas será que isso realmente está acontecendo? Os resultados de avaliações sistêmicas têm demonstrado que muitas vezes a relação professor/aluno nem sempre resulta em ensino e aprendizagem. Assim, o ensino ocorre, ou não, na sala de aula e, apesar disso, os processos que o constituem são menos conhecidos do que seria desejável. A escola, especialmente a sala de aula, é considerada por alguns pesquisadores como sendo a black box da educação (Braster; Grosvenor; Andrés, 2011).

Nesse sentido, devemos considerar que existem múltiplos fatores que determinam a eficácia ou não dos processos de ensino e aprendizagem. Os processos que ocorrem em sala de aula podem ser estudados com base em diversos pontos de vista. Em nosso caso, adotamos a perspectiva de Gauthier, Bissonnette e Richard (2014), para quem as práticas do professor podem ser divididas em dois grupos de ação: a gestão da matéria e a gestão da classe. Enquanto a gestão da matéria diz respeito às operações realizadas pelo professor para que o aluno aprenda o conteúdo desejado, a gestão da sala de aula refere-se às ações desenvolvidas para criar e manter um ambiente de aprendizado efetivo (Brophy, 2011).

Ambos os conjuntos de práticas docentes podem ser investigados com base em diversas perspectivas. Por isso, esta pesquisa limitou-se a um aspecto da gestão da matéria, o saber disciplinar (Tardif, 2013). Consideramos o domínio do conteúdo o fundamento dos processos de ensino e de aprendizagem, uma vez que não se pode ensinar aquilo que não se conhece. Considerando que o conteúdo específico de cada área do conhecimento é parte constituinte dos saberes docentes (Tardif, 2013), o objetivo da pesquisa apresentada aqui é analisar o conhecimento das professoras investigadas a respeito dos conteúdos de Matemática, mais especificamente daqueles que elas devem ensinar aos seus alunos.

Referencial teórico

O enfrentamento da questão dos processos que ocorrem em sala de aula leva-nos a considerar que é preciso estimular a valorização dos saberes práticos, empíricos, das condições cotidianas do processo educativo. Compreende-se que essa dimensão é importante para o entendimento de como se elabora e reelabora o conhecimento no processo histórico de construção do homem e de sua sociedade (Ribeiro; Teixeira; Ambrosetti, 2004). É nesse sentido que nasceu o conceito de “saber docente”, que, segundo Monteiro (2001), permite elucidar as relações dos professores com os saberes que dominam para poder ensinar (didática, gestão dos comportamentos) e aqueles que efetivamente ensinam (o conteúdo). É um ponto de vista que considera os saberes práticos como fundamentais para a construção da identidade e da competência dos professores (Silva; Muzardo; Jardim, 2015).

Tardif (2013) coloca esta competência na capacidade de transmitir determinados saberes aos alunos. Esses saberes, no entanto, não os únicos que compõem o saber docente. Esse autor elenca: saberes disciplinares, curriculares, profissionais e experienciais.

Os saberes disciplinares correspondem aos conhecimentos dos diversos campos que se materializam em distintas disciplinas (História, Matemática, por exemplo). Esses saberes estão relacionados à gestão da matéria. Saberes curriculares apresentam-se de forma concreta por meio dos programas escolares que se espera que os professores coloquem em prática na sala de aula.

Tardif (2013) entende por saberes profissionais aqueles elaborados pelos teóricos da educação. O contato dos professores com esses saberes se dá, normalmente, durante sua formação. Tardif (2013) afirma ainda que é muito raro que esses “especialistas” entrem em contato direto com os professores e considera que esse fato demonstra a lógica da divisão do trabalho entre aqueles que produzem saber e aqueles que executam.

Saberes experienciais são aqueles que os professores desenvolvem em seu trabalho cotidiano e, portanto, nascem da experiência – tanto individual quanto coletiva.

Assim, os saberes disciplinares são fundamentais para a gestão da matéria, pois esse aspecto refere-se à formação pedagógica no campo disciplinar correspondente (em nosso caso, Matemática) e à competência técnica dos professores no que diz respeito ao domínio dos conhecimentos específicos de sua área de conhecimento. Portanto, pesquisas como esta que está sendo apresentada agora têm implicações com a formação docente – inicial ou continuada.

Procedimentos metodológicos

As participantes foram 50 professoras que, no momento da pesquisa, lecionavam da Educação Infantil ao 5º ano em escola da rede pública de um município do interior do Estado do Paraná. Delas, 90% tinham mais de 30 anos, o que é coerente com a experiência docente, pois 72% das professoras tinham mais de 10 anos de trabalho em sala de aula. Apenas três professoras tinham formação em Matemática; as demais tinham licenciatura em Pedagogia ou em outras áreas do conhecimento.

O instrumento de pesquisa consistiu em um conjunto de 30 questões de Matemática apropriadas aos alunos de 5º ano do Ensino Fundamental. Nesse instrumento, 59% das questões eram relativas a números e Álgebra, 14% relativas à Geometria, 17% relativas a medidas, 3% relativas a Lógica e 7% relativas a gráficos. Os instrumentos de pesquisa não foram identificados pelas participantes.

Para atingir o objetivo proposto para esta pesquisa, as respostas apresentadas pelas professoras foram analisadas de modo a informar o que foi resolvido e como foi resolvido, a fim de revelar – caso houvesse – o erro, considerando-o como gerador do progresso. Em outras palavras, o erro não foi percebido como um estigma, mas sim como indicativo de quais aspectos devem orientar a formação docente inicial e continuada. A partir dessa análise foi possível sugerir atividades úteis para o melhor aproveitamento de determinados conteúdos.

Resultados e discussão

Como resultado ideal, gostaríamos que todas as professoras acertassem a totalidade das questões, considerando que refletem conteúdos que se espera estarem ensinando aos alunos. No entanto apenas três das 50 professoras responderam corretamente a todas as questões. A média de erros foi pouco mais de duas questões por professora. No entanto, algumas das participantes da pesquisa parecem ter mais dificuldade com os conteúdos da Matemática. Uma delas apresentou dez questões erradas; outra, oito questões erradas.

Em relação aos conteúdos, os erros envolveram esquecimento, troca ou inversão de algarismos durante a resolução das operações; interpretação equivocada do enunciado das questões; desconhecimento dos procedimentos próprios das operações; não compreensão de frações e números decimais; confusão entre área e perímetro; não atribuição correta das unidades de medida; desconhecimento dos procedimentos para cálculo de área; dificuldade na operação de divisão; não compreensão adequada do sistema de numeração decimal; dificuldade na compreensão de gráficos.

Considerações finais

As deficiências na formação docente das séries iniciais a respeito de conteúdos disciplinares não é novidade. Oliveira e Oliveira (2013) afirmam que, em muitos cursos de Pedagogia no Brasil, menos de 8% das disciplinas referem-se aos conteúdos que efetivamente deveriam ser ensinados nas séries iniciais. Considerando que a Matemática é um desses conteúdos, podemos entender que a carga horária destinada a ela é diminuta na formação desses professores. Isso pode explicar os resultados apresentados pelas professoras nesta pesquisa.

Pode parecer que uma média de duas questões erradas por professora seja aceitável; no entanto, devemos considerar que cada profissional trabalha com dezenas de alunos todos os anos e que tais dificuldades podem estar impactando a aprendizagem dos alunos. A título de estímulo à reflexão, acrescentamos os resultados de avaliação sistêmica realizada pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná em 2019. Além de outras informações, a chamada Prova Paraná demonstrou que os alunos têm mais dificuldade com os seguintes conteúdos: problemas com fração; problemas com porcentagem; diferentes representações de números racionais (Paraná, 2019). Essas dificuldades apareceram também entre os professores investigados. É possível supor, portanto, que não seja coincidência. Para comprovar que há uma relação válida entre a formação docente e o desempenho dos alunos, seria necessária nova investigação. Em todo caso, esperamos que tais inquietações estimulem outras pesquisas.

Referências

BRASTER, S.; GROSVENOR, I.; ANDRÉS, M. M. P. The black box of schooling: a cultural history of the classroom. Brussels: PIE Peter Lang, 2011.

BROPHY, Jere. History of research on classroom management. In: EVERTSON, Carolyn M.; MEINSTEIN, Carol S. Handbook of classroom management: research, practice, and contemporary issues. New York/London: Routledge, 2011.

GAUTHIER, Clermont; BISSONNETTE, Steve; RICHARD, Mario. Ensino explícito e desempenho dos alunos: a gestão dos aprendizados. Petrópolis: Vozes, 2014.

MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa. Professores: entre saberes e práticas. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, p. 121-142, abr. 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v22n74/a08v2274.pdf. Acesso em: 6 set. 2014.

OLIVEIRA, Gaya Marinho de; OLIVEIRA, Ana Teresa de C. C. de. A Matemática na formação inicial de professores dos anos iniciais: reflexões a partir de uma análise de teses e dissertações defendidas entre 2005 e 2010 no Brasil. Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana, v. 4, nº 1, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/emteia/article/download/2238/1810. Acesso em: 18 abr. 2019.

PARANÁ. Resultados da Prova Paraná 1ª edição. Disponível em: www.educacao.pr.gov.br. Acesso em: 18 abr. 2019.

RIBEIRO, Maria Teresa de Moura; TEIXEIRA, Myrian Boal; AMBROSETTI, Neusa Banhara. Educação continuada: o olhar do professor. In: ALVES, Cecília Pescatore; SASS, Odair. Formação de professores e campos do conhecimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

SILVA, Fábio Luiz da; MUZARDO, Fabiane Tais; JARDIM, Tatiane Mota Santos. Gestão da sala de aula na Educação Básica: estratégias docentes para viabilizar o ensino. Revista de Ensino, Educação e Ciências Humanas, v. 16, nº 2, p. 152-155, abr. 2015. Disponível em: http://revista.pgsskroton.com.br/index.php/ensino/article/view/2900/2837. Acesso em: 20 abr. 2019.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2013.

Publicado em 03 de setembro de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

SORIANI, Cristiane Rodrigues Reina; SILVA, Fábio Luiz da. Conhecimentos docentes para o ensino da Matemática nas séries iniciais. Revista Educação Pública, v. 19, nº 19, 3 de setembro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/19/conhecimentos-docentes-para-o-ensino-da-matematica-nas-series-iniciais

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