Caminhos do Saber: uma experiência didático-pedagógica

Ailza de Freitas Oliveira

Doutoranda em Educação (UFPB), docente de Artes Cênicas (PMJP)

Fernando Antonio Abath Luna Cardoso Cananéa

Doutor em Educação (UFPB), docente (Profartes/UFPB)

Lisianne Matias Saraiva

Mestra em Artes (UFPB), docente de Artes Cênicas na rede privada de João Pessoa

Maria Cely de Sousa Silva

Especialista em Educação Musical e Ensino de Artes (Grupo Andrade Martins), docente de Artes Cênicas na rede estadual da Paraíba

Caminhos percorridos

A busca por novas aprendizagens é um estado necessário entre educadores(as) compromissados que atuam em espaços educacionais, institucionalizados ou não. Aprender mais é um caminho viável para estimularmos a nossa vocação para sermos mais, conforme pontua Freire (2013); sermos mais também significa estarmos atentos, porque sempre podemos reaprender, ampliar os saberes, modificar as certezas, expandir o já compreendido em busca de compreender mais e melhor para que possamos ensinar.

Este texto busca analisar, por intermédio do registro escrito, os caminhos percorridos no Projeto Caminhos do Saber, realizado junto à organização não governamental Maré Produções Artísticas e Educacionais com aulas de campo monitoradas em lugares históricos, artísticos, ecológicos e culturais selecionados pelos membros da ONG visando ampliar o conhecimento técnico e pedagógico sobre os espaços físicos selecionados, bem como fortalecer os laços dos membros envolvidos na busca de efetivar novas aprendizagens.
Ofertar significado a essa busca contínua por novas aprendizagens torna os caminhos do saber mais prazerosos, uma vez que quando a aprendizagem está envolvida em prazer certamente é atingida de forma mais rápida, eficaz e significativa para que aprendamos. “Para analisar uma atividade, incluída a do aluno, é preciso interessar-se pelo sentido da atividade e pela sua eficácia” (Charlot, 2013, p. 144); ser estudante é também estar aprendente para dar suporte a ser professor(a) e aprender com motivação que se torna mobilizadora é aprender mais e melhor.

Trata-se, fundamentalmente, de investigar a mobilização do aluno no estudo. Evito falar de motivação, prefiro usar a palavra mobilização. Com efeito, “motivar os alunos” consiste, muitas vezes, em incentivar um truque para que eles estudem assuntos que não lhes interessam. Prestar atenção à mobilização dos alunos leva a interrogar-se sobre o motor interno do estudo, ou seja, sobre o que faz com que eles invistam no estudo. Motiva-se alguém de fora, mobiliza-se de fora, mobiliza-se a si mesmo de dentro (Charlot, 2013, p. 145).

A mobilização realizada para os estudos que conduzam à aprendizagem é contínua entre os membros da Maré. Juntos como instituição há 15 anos, realizam no formato de economia solidária, com autofinanciamento entre os membros, 15 projetos distintos que têm em comum o objetivo crescente e contínuo na aprendizagem dos(as) professores(as) membros da ONG e, consequentemente, no que essa aprendizagem reverbera nos estudantes atendidos por esses aproximadamente 30 membros, em sua maioria professores(as) na Educação Básica brasileira.

Percorrendo caminhos

Idealizado há seis anos e executado em cinco edições, o Projeto Caminhos do Saber, assim como outros projetos da Maré, atua de forma direta na autoformação continuada de seus membros; neste caso, com aulas de campo monitoradas, realizando visitações a locais selecionados entre os participantes a fim de ampliar informações, saberes e conhecimentos sobre os locais visitados, conforme apregoa o blog da ONG Maré (2019) no espaço que detalha os projetos desenvolvidos.

O projeto disponibiliza aula de campo com guia especializado a espaços  históricos, artísticos, culturais e/ou ecológicos e de interesse dos participantes da Maré, para que possam ser reaplicados posteriormente com alunos. As visitas ocorrem anualmente e o objetivo é ampliar os saberes sobre locais que abrigam conhecimentos nas várias áreas de atuação dos participantes, promovendo assim propostas que possibilitem a interdisciplinaridade.

Dessa forma, nas cinco edições realizadas o grupo visitou o Jardim Botânico Benjamim Maranhão, localizado em João Pessoa/PB; o Forte Orange e o Oceanário, na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco; a sede da Associação dos Amigos da Cultura, Arte e Meio Ambiente – Aacama, situada na Praia de Tabatinga, litoral sul da Paraíba; o Território Ecológico Macuxi, no município de Conde/PB e o Memorial Augusto dos Anjos, na cidade de Sapé/PB.

Para composição visual e estética de cada projeto da Maré, a artista visual Cely Sousa elabora voluntariamente logomarcas de identificação; para o projeto Caminhos do Saber, a artista criou esta logomarca:

Logomarca do projeto, de criação de Cely Sousa

O empresário Adriano Cavalcanti coordenou voluntariamente a primeira edição do projeto, ocorrida em 2013; o grupo realizou visita monitorada ao Jardim Botânico Benjamim Maranhão, localizado na área urbana da cidade de João Pessoa; a equipe foi conduzida por estagiários dos cursos de Ciências e Biologia da UFPB, chamados pelo Jardim Botânico, mediante agendamento prévio. No local a equipe foi conduzida a cumprir trilhas ecológicas, apreciando as espécies de fauna e flora presentes no ambiente.

Primeira edição do Projeto Caminhos do Saber: visita ao Jardim Botânico Benjamim Maranhão/PB, 2013

O Jardim Botânico, localizado na Mata do Buraquinho, em João Pessoa, é considerado um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica em área urbana; muitos membros que integraram a visitação, embora moradores da capital paraibana, não conheciam o espaço ecológico e realizaram com a equipe sua primeira caminhada pelo local.

As instruções técnicas e pedagógicas sobre o espaço despertaram a observação dos envolvidos para a possibilidade de realizarem visita monitorada similar com os estudantes das escolas onde atuam profissionalmente, atingindo assim o desdobramento pedagógico que o projeto almeja: aprender e fazer a aprendizagem atingir outros(as) aprendentes.

Primeira edição do Projeto Caminhos do Saber: visita ao Jardim Botânico Benjamim Maranhão/PB, 2013

A Maré promoveu a primeira ação do Projeto Caminhos do Saber ainda de forma tímida no que se refere ao número de participantes: 12 membros integraram a ação, entre adolescentes e adultos da ONG; a tarde de sábado se deu de forma interativa, dinâmica e acolhedora. “Por isso mesmo que existir é um conceito dinâmico. Implica uma dialogação eterna do homem com o homem. Do homem com o mundo” (Freire, 2013, p. 82). E nesse contínuo dialogar permanecem os membros da Maré até então.

Primeira edição do Projeto Caminhos do Saber: visita ao Jardim Botânico Benjamim Maranhão/PB, 2013

No ano seguinte, em 2014, a segunda edição do projeto também ocorreu sob a coordenação voluntária do então membro Adriano Cavalcanti. Na ocasião o grupo foi estimulado a visitar o Forte Orange e o Instituto Oceanário de Pernambuco, ambos no bairro de Jaguaribe, na Ilha de Itamaracá. Em ônibus fretado e com reserva em pousada para que a atividade fosse realizada em dois dias consecutivos, o grupo de 46 integrantes se locomoveu por aproximadamente 2h30min com destino à capital do frevo para hospedagem no vizinho Estado de Pernambuco.

A primeira parada foi também uma das mais inesquecíveis: guiados por estagiários do curso de Biologia da UFRPE, em parceria com o Instituto Oceanário de Pernambuco, conhecemos o Projeto Peixe-Boi, as oficinas pedagógicas do local, apreciamos vídeos que estimulam a preservação ambiental, participamos de debates e do momento de alimentação do peixe-boi e visualizamos exposições de espécies marinhas do litoral pernambucano.

Segunda edição do Projeto Caminhos do Saber: visita ao Projeto Peixe-Boi em Itamaracá/PE, 2014

O segundo local de visitação foi o Forte de Santa Cruz de Itamaracá, popularmente conhecido como Forte Orange, no litoral norte de Pernambuco. Com o auxilio de guias locais, visitamos o monumento histórico e turístico, conhecemos a origem e observamos características daquele lugar inaugurado no século XVII que, como tantos outros fortes do país, tantas lutas abrigou.

A exemplo dos demais pontos de visitação, depois do acompanhamento de guias que monitoram e qualificam pedagogicamente a aula de campo, o grupo de marinheiros(as) se rendeu aos registros fotográficos, à observação espontânea de aspectos isolados dos espaços visitados e à certeza de que “ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo” (Freire, 2013, p. 138); os diálogos que seguem esses momentos pós-visitas monitoradas são novas fontes de aprendizagem, complementação, negação, reflexão e ampliação dos caminhos do saber entre os membros.

Segunda edição do Projeto Caminhos do Saber: visita ao Forte Orange, em Itamaracá/PE, 2014

Com pernoite na Pousada Ruínas do Pilar, os momentos de estudo puderam ser intercalados com momentos de lazer, integrando o grupo com descontração em brincadeiras, dinâmicas e atrativos culturais que a noite da famosa ilha ofertava. Realizamos desde caminhadas a banhos relaxantes nos mares e piscinas itamaracaenses. Igrejas, bares, restaurantes, praças, lojas e demais espaços de encontro e lazer foram visitados autonomamente por subgrupos da ONG, conforme os interesses de cada equipe nos momentos livres do cronograma traçado pelo projeto.

Segunda edição do Projeto Caminhos do Saber: hospedagem na Pousada Ruínas do Pilar em Itamaracá/PE, 2014

A terceira edição do projeto aconteceu em 2015, com coordenação coletiva dos membros participantes. Nessa feita, aprendemos em oficina e aula de campo os processos erosivos em parceria com a Aacama, que ofertou voluntariamente aos membros da Maré uma oficina ministrada pela engenheira ambiental Fernanda Nascimento Correia, em uma temática que fomentou o trabalho de conclusão de curso da profissional, motivada por presenciar processos erosivos nos arredores da sede da Aacama, local de atuação da engenheira como ongueira militante das causas que fomentam a preservação ambiental.

Presidida por Camilo Aranha, o arte-educador recebeu os membros na sede da Aacama em maio de 2015; como anfitrião, colaborou com o desenvolvimento da atividade proposta naquela manhã de sábado chuvoso por caminhos escorregadios, de difícil acesso e desencontrada da chegada do grupo, sob 100 milímetros de chuva nos momentos de locomoção e execução da parte teórica da visita monitorada à Praia de Tabatinga.

Terceira edição do Projeto Caminhos do Saber: visita à Aacama, Tabatinga/PB, 2015

Extremamente mobilizados pelo saber, os quinze membros que conseguiram driblar as chuvas e participar da atividade integraram-se num momento único de conhecer outros aspectos da habitada praia do litoral sul paraibano. As altas colunas de barro vítimas dos processos erosivos passaram a ter denominações aprendidas; entre elas, a voçoroca foi a que mais rapidamente se popularizou nas brincadeiras posteriores dos(as) marinheiros(as) participantes.

As sugestões de recuperação de áreas degradadas também compuseram a aula de campo sobre os processos erosivos; a plantação de mudas na base das barreiras e coleta de lixo na orla foram ações sugeridas como práticas a serem vivenciadas pelo grupo, mas inviabilizadas em decorrência da chuva. Atuando na educação e percebendo-a, conforme afirmativa freiriana (2013), como prática da liberdade, ambos os grupos – oficinados(as) e oficineiros(as) – adaptaram-se aos fazeres possíveis naquela manhã de inverno, adequando o planejamento às possibilidades.

Terceira edição do Projeto Caminhos do Saber: visita à Aacama, Tabatinga/PB, 2015

Juntos(as) aprendemos sobre erosão geológica, acelerada, laminar, pluvial, fluvial, marinha, eólica, glacial e gravitacional e sobre intemperismo, sedimentação, voçoroca e ravina, entre outros termos técnicos que nos possibilitaram aprender mais observando teoria e prática sobre os males ocasionados pelos descuidos humanos para com a natureza.

O respeito às limitações do grupo também foi exercitado; na parte prática, ausentaram-se membros que se encontravam em processos de tratamento médico e com dificuldade de locomoção por ladeiras erosivas e escorregadias diante das chuvas. No entanto, mais uma vez aprendemos todos(as) e ao nos despedirmos dessa vivência ampliamos nossos olhares cuidadosos com o meio ambiente.

Terceira edição do Projeto Caminhos do Saber: visita à Aacama, Tabatinga/PB, 2015

A quarta edição do projeto ocorreu em 2018, sob a coordenação voluntária da arte-educadora Maria José Cosmo Dantas, conhecida como Maria Mô. A marinheira viabilizou uma aula de campo ao Território Ecológico e Naturista Macuxi, no município do Conde, no litoral paraibano, com ônibus fretado para 46 participantes; entre membros, familiares e amigos(as) da Maré participamos de um dia inteiro de aprendizagens.

Iniciada com uma palestra de apresentação do local e conscientização dos cuidados a serem tomados com a natureza, o anfitrião Julíndio, que mantém tradições indígenas, recepcionou o grupo na oca de entrada do território com música em sintonia com a fauna e a flora do local; em círculo, o grupo apreciou atentamente as instruções sobre os modos de vida naturista e indígena dos moradores.

Quarta edição do Projeto Caminhos do Saber: visita ao Território Macuxi, Conde/PB, 2018

O Rio Gurugi serviu de base para práticas tipicamente indígenas, com visitação em sintonia com o funcionamento de preservação do ecossistema; assim visualizamos área de mangue, Mata Atlântica, acampamento, fizemos trilhas ecológicas, tomamos banho de argila branca, de piscina com água represada naturalmente, ousamos subir em árvores e desfrutamos das frutas típicas na época da visitação, além de realizarmos brincadeiras, dinâmicas, jogos interativos como caça ao tesouro e interagirmos numa tocada coletiva entre instrumentos convencionais e não convencionais, ampliando nossa interatividade artística e pessoal.

Quarta edição do Projeto Caminhos do Saber: visita ao Território Macuxi, Conde/PB, 2018

Com a maturidade de um grupo integrado há mais de 15 anos, ninguém se furtou aos encantos do banho de argila branca, a ouvir atentamente os sons da natureza, aos mergulhos no rio e nas piscinas naturais. Vivenciamos um dia intenso de aprendizagens em sintonia com a natureza e distanciamento das necessidades urbanas e tecnológicas, como a internet.

Quarta edição do Projeto Caminhos do Saber: visita ao Território Macuxi, Conde/PB, 2018

Nossa quinta edição ocorreu em 2019, em visita ao Memorial Augusto dos Anjos, localizado na cidade de Sapé, na Paraíba, em maio. Membros visitaram a antiga casa da ama de leite do poeta, que atualmente abriga o memorial em sua homenagem; visitaram também a sua antiga residência de infância, hoje propriedade privada, que ainda tem em seu quintal o frondoso e famoso pé de tamarindo que povoa os famosos poemas de Augusto, que se sentava à sua sombra e buscava inspiração para criação poética.

Quinta edição do Projeto Caminhos do Saber: visita ao Memorial Augusto dos Anjos, Sapé/PB, 2019

A sexta edição do projeto está planejada para ocorrer no segundo semestre de 2019, em visitação à cidade de Areia/PB, com roteiro incluindo o Memorial José Américo de Almeida, o Teatro Minerva e um engenho de produção de cachaça artesanal, onde poderemos aprender e reaprender mais sobre nossa cultura.

Caminhos a percorrer

Em busca de mais saber, certamente percorreremos muitos outros caminhos juntos(as) nessa Maré de conhecimentos, com este e os demais projetos que desenvolvemos de maneira autônoma, independente de obrigações trabalhistas, sem vínculos comprometidos com qualquer rede hierárquica, mas tomando como combustível nosso desejo contínuo por aprender mais para sermos mais. Ancorados nos preceitos freirianos (2011; 2013), cientes tanto de nossa vocação para sermos mais quanto da educação como prática da liberdade, temos ainda muitos outros caminhos do saber por trilhar.

Referências

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber às práticas educativas. São Paulo: Cortez, 2013.

MARÉ Produções Artísticas e Educacionais. Projeto És-Crê-Ver. Disponível em: http://mareproducoes.blogspot.com/p/projetos_16.html. Acesso em: 22 fev. 2019.

FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 15ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.

______. Pedagogia do Oprimido. 50ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

Publicado em 22 de outubro de 2019

Como citar este artigo (ABNT)

OLIVEIRA, Ailza de Freitas; CANANÉA, Fernando Antonio Abath Luna Cardoso; SARAIVA, Lisianne Matias; SILVA, Maria Cely de Sousa. Caminhos do Saber: uma experiência didático-pedagógica. Revista Educação Pública, v. 19, nº 26, 22 de outubro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/26/caminhos-do-saber-uma-experiencia-didatico-pedagogica

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