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Importância de doar recursos financeiros: Fundo promove iniciativas ligadas aos direitos humanos da mulher

Leonardo Soares Quirino da Silva

Nessa véspera do Dia Internacional da Mulher, o Portal da Educação Pública foi conhecer o Fundo Ângela Borba de Recursos para Mulheres, uma das organizações que promovem os direitos humanos das mulheres no Brasil.

Segundo a professora mexicana Amália Fischer, idealizadora e atual coordenadora executiva, um dos problemas enfrentados pelo fundo é a captação de recursos no Brasil  a serem revertidos em doações. Apesar de apoios importantes como o da Natura, no momento, a maior parte dos recursos usados pelo fundo vem de ONGs internacionais como o Mamma Cash, o Global Fund for Women, a Fundação Levi's e a Fundação Heinrich Böll. Amália pretende trabalhar ainda para mudar esse quadro, ao promover, no Brasil, a cultura da doação de recursos para ONGs.

Criado em agosto de 2000, em novembro do ano seguinte suas organizadoras lançaram o I Concurso de Projetos para Mulheres. Atualmente, em todo o Brasil, 103 projetos são ou foram apoiados com recursos captados pelo Fundo.

O nome do fundo é uma homenagem à feminista carioca Ângela Borba, morta em julho de 1998.

Direitos humanos das mulheres e o longo prazo

Amália observa que a decisão de criar o fundo foi tomada com base em sua experiência no Centro Mexicano para la Filantropia e nos resultados de iniciativa semelhante, a Sociedad Mexicana Pro Derechos de la Mujer (Semillas). A Semillas foi fundada em 1990 e até 2005 apoiou 237 projetos que beneficiaram cerca de 650 mil mulheres no México.

Em todo o processo, ela contou com o apoio de uma bolsa do Ashoka, que dá suporte para projetos de empreendedores sociais, pessoas que criam iniciativas para melhorar a realidade de suas comunidades.

A exemplo da organização mexicana, o Fundo Ângela Borba também só apoia iniciativas de mulheres. Segundo Amália, ao investir nesses projetos, o fundo não só contribui para a promoção dos direitos humanos das mulheres, mas também para o desenvolvimento em longo prazo de suas comunidades.

O professora Amália explica que a bandeira da promoção dos direitos humanos das mulheres resultou da constatação, pelas ativistas do movimento feminista, de que, em muitos casos, as legislações nacionais não garantiam às mulheres os mesmos direitos que eram dados aos homens. "Então, o que fizeram as feministas? Lutaram para que os direitos humanos das mulheres fossem os direitos humanos a partir da ONU e que os governos se comprometessem a assinar".

Entre os direitos buscados por esse movimento, ela cita os direitos à herança, ao trabalho e ao exercício de sua sexualidade.

A implementação desses direitos, contudo, pressupõe tanto mudança nas mentalidades quanto nas condições de vida das mulheres. Por essa razão, parte dos recursos doados pelo fundo destina-se a projetos que criam alternativas de empregos para as mulheres.

Partindo do ditado chinês que diz "não dê o peixe, ensine a pescar", ela diz que ao financiar esses projetos o fundo vai além de ensinar a pescar, como ela mesma descreve:

- Vamos supor uma comunidade à beira de uma lagoa com muitas pessoas que passam fome por não saberem pescar. O que vão fazer as mulheres desse lugar? A primeira coisa que fazem é pegar o peixe e dar de comer aos filhos. As mulheres, não estou falando dos homens. Mas elas não vão ficar só em dar de comer aos filhos e vão organizar as mulheres na comunidade e dizer que têm que ensinar a todos na comunidade a pescar. Então, elas vão criar uma cooperativa porque elas vão ensinar todos a pescar, vão pegar o peixe e vão ter peixe demais e concluir que têm peixe demais têm que vender. Mas aí vem uma empresa que começa a poluir a lagoa e elas começam a ficar sem peixe. O que elas fazem? Vão se organizar para denunciar a empresa poluidora e vão além. Vão procurar quem possa despoluir a lagoa.

Ela cita, ainda, o caso do Grameen Bank, de Bangladesh, para dizer que investir nas mulheres é investir a longo prazo. Especializado em microcrédito para populações carentes, os dirigentes do banco descobriram que as mulheres aplicavam o dinheiro no desenvolvimento de suas famílias e de suas comunidades, ao contrário dos homens, de acordo com a coordenadora executiva do fundo.

Nesta linha, foram doados recursos para cooperativas de artesãs, como a Fuxicarte, especializada em fazer fuxicos - um tipo de cerzidura usada para decorar peças de vestuário e de decoração - ou para uma escola para a formação de DJs.

Mudando as mentalidades

O Fundo, contudo, não deve ser visto como substituto ou concorrente dos programas oficiais de microcrédito. Como observa Amália, é importante promover os direitos humanos das mulheres para garantir sua aplicação e protegê-los de governos totalitários. Por isso, o fundo também investe em projetos voltados exclusivamente para esse fim.

Um desses casos foi o projeto Rompendo barreiras com informação legal, apresentado pela Associação de Moradores do Morro do Urubu. Segundo a presidente, Regina Gonçalves da Silva, a doação foi usada para pagar instrutores de curso de informática.

Em 2004, o treinamento foi dado para moradoras do Morro do Urubu e do Engenho da Rainha. Por serem locais dominados por facções criminosas rivais, as aulas foram realizadas fora das comunidades. Um grupo teve aulas em uma sala cedida no Ministério do Trabalho e outro em uma ONG parceira da Associação. As alunas receberam aulas de informática - para escrever petições e pedidos -, de direito civil e trabalhista e sobre prevenção de doenças sexualmente transmitidas (DST), principalmente a Aids.

Segundo Regina, esse trabalho deu frutos para as 25 mulheres treinadas. "Após o curso estamos sendo convidadas por diversas instituições do Engenho da Rainha para fazermos palestras", declarou.

Outras instituições com projetos semelhantes ajudadas pelo Fundo no estado foram a Casa da Mulher Trabalhadora (Camtra), no centro, e a Casa da Autoestima, na Tijuca, ambas no Rio de Janeiro.

Esses projetos se baseiam no curso Promotoras legais populares desenvolvido pela ONG Themis, de Porto Alegre. As promotoras são lideranças comunitárias preparadas para encaminhar as mulheres à Justiça em questões como pensão alimentícia e violência doméstica.

O Fundo Ângela Borba também realizou treinamentos nesse sentido com apoio da Natura, em São Paulo, e das fundações Heinrich Böll e Levi's em Belém do Pará.

Importância das doações

Amália observa que o desenvolvimento econômico do Brasil bem como as mudanças políticas na Europa nos anos 1990, com a eleição de governos conservadores, fizeram que minguassem os recursos externos para as ONGs no país. Esses recursos eram, até então, a principal fonte de financiamento.

Outro problema que ela aponta é a falta de uma cultura por parte da população brasileira de doar para ONGs com projetos sociais, em especial as que defendem os direitos humanos das mulheres.

Este fenômeno, em particular, é internacional segundo pesquisa da Association for Women in Development (AWID) citada por Amália. A pesquisa ouviu pessoas de institutos de fomento, de organismos internacionais e de ONGs em todo o mundo e constatou que há pouca ou nenhuma destinação de recursos para fundos de mulheres, apesar dos benefícios que esse tipo de investimento tem apresentado em vários países.

No Brasil, a professora mexicana cita pesquisa da professora Leilah Landim, da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre o perfil de quem faz doações no Brasil. A maior parte dos doadores é das classes C e D, sendo que os homens doam mais em dinheiro e as mulheres em trabalho comunitário. As instituições que recebem mais recursos são as que atendem crianças, especialmente as que tratam as portadoras de doenças graves, e as igrejas.

A falta dessa cultura, esse perfil das doações e mais os preconceitos existentes com relação ao movimento feminista impediriam que o fundo tivesse um amplo banco de doadores.

Para mudar essa realidade, Amália coloca-se à disposição de ir falar nas escolas sobre a importância de se fazer doações financeiras diretamente para ONGs. Você aceita o desafio de promover a cultura da doação em sua escola?

Publicado em 7 de março de 2006

Publicado em 07 de março de 2006

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