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Feijoada literária para os jovens
Mariana Cruz
A pergunta do fórum Discutindo, da revista Educação Pública, do último 15 de março feita por Ivaldo Ney era sobre como o professor pode trabalhar literatura de modo a estimular o aluno a gostar do tema. A participante Thelma Regina Siqueira Linhares apostou na utilização de “gêneros textuais diversos. Livros de imagens, livros de poesias, livros abordando temas transversais... de literatura... sem intenção paradidática”. Isso, porém, não basta, ela completa dizendo que deve-se vivenciar a literatura, “promover recitais... dramatizações... intermediar contatos entre leitor/a e escritor/a... enfim, usar a criatividade e a imaginação no desenvolvimento e fortalecimento em prol do gostar de ler”. Para Franklin Rodrigues de Sousa a contextualização dos movimentos literários com fatos históricos pode ser um bom caminho; enquanto Fátima Nascimento acha que a solução está em levar o mundo interativo, no qual o jovem da atualidade vive, para o mundo das letras: “a literatura também deveria ser interativa, muitos autores foram filmados, temos uma mídia rica em filmes, vídeos (...) encenar peças sobre os livros pode ser uma boa estratégia de atração”, pois, segundo ela “só leitura para eles é pouco e sem graça”. Para Helena Sousa, o professor não deve obrigar o aluno a ler este ou aquele livro e sim despertar no aluno a curiosidade pela leitura, “assim, o aluno se decide pela leitura levado por este sentimento que de modo geral é muito fácil de se conseguir fazer aflorar, embora seja um trabalho que de antemão, sabe-se, não atingirá a todos, mas a partir do momento que um ou outro aluno começa a ler e gosta, é muito possível que este aluno se torne, sem saber, multiplicador do ato de ler”.
Coincidentemente, dia 23 de março, oito dias depois desta edição do fórum Discutindo ter ido ao ar, o suplemento do Jornal o Globo voltado para jovens, o Megazazine, publicou uma matéria intitulada “Prazer obrigatório” escrita por Lauro Neto, que discutia justamente se os livros de literatura cobrados no ensino médio servem de incentivo ou, ao contrário, desestimulam o gosto pela leitura nos alunos, fazendo com que considerem a ato de ler chato. Fiz uma viagem no tempo e fui buscar minha relação com a leitura durante o ensino médio. Daquela época lembro-me de três livros pedidos pela escola que, ainda hoje, anos depois, se fazem presentes em minhas leituras diletantes – seja para uma breve folheada ou mesmo uma relida cuidadosa – e que me deram estímulo para enveredar mais e mais no mundo das letras. Tratam-se dos clássicos Contos de Terror, Mistério e Morte, de Edgar Allan Poe; O cortiço, de Aluízio Azevedo e Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, livros inesquecíveis. A leitura de Poe nos remete ao universo gótico com seus cenários e personagens sombrios e sinistros pertencentes ao mundo fantástico descrito de forma surpreendentemente veraz; a prosa machadiana e sua perfeita lida com as palavras, faz com que nossas palavras sejam sempre insuficientes para descrevê-la. O motivo do Bruxo do Come Velho ser injustamente rotulado de maçante pelos adolescentes, provavelmente, deve-se ao fato de sua escrita requerer um olhar atento, uma reflexão ou mesmo uma leitura repetida de alguns trechos para perceber – e deleitar-se - com suas ironias, sutilezas e mordacidades. E grande parte dos jovens, não tem lá muita paciência para isso, ainda mais com o ritmo cada vez mais frenético de suas vidas. Não raro, me pego lendo passagens dos livros de Machado com um sorriso nos lábios que, por vezes, transformam-se em verdadeiras gargalhadas. Por outro lado, como é possível ele criar cenas tão dramáticas? Quem leu o conto “Pai contra mãe” sabe do que estou falando. A despeito da tristeza da história, a frase que fecha o conto é de uma ironia quase cruel “Nem todas as crianças vingam”, assim como acontece em Memórias póstumas de Brás-cubas, quando o personagem do título, depois de abandonar Eugênia pelo fato de ser coxa, a reencontra por acaso “tão coxa como a deixara, e ainda mais triste”. Assim, penso que os que não gostam de Machado talvez não o tenham lido com o devido apreço que o texto pede (e merece). Já o Cortiço, de Aluízio Azevedo, foi um dos poucos clássicos que quase todos os alunos da minha turma leram e gostaram bastante; de fato, elementos como a crueldade de João Romão, o “abrasileiramento” de Jerônimo, a metamorfose de pombinha, a faceirice de Rita Baiana, a disposição de Bertoleza, eram irresistíveis - mesmo para aqueles que não gostavam de ler. Tão forte é a imagem dos personagens e do cenário de fundo do livro que ainda hoje, quando passo pelo bairro de Botafogo, olho os espigões e tento adivinhar quais deles deu lugar ao cortiço que inspirou o livro, quero crer que tal lugar tenha existido de verdade, tamanho realismo de sua descrição e das suas figuras, quase que arquetípicas.
Dos romances de época li A moreninha e Lucíola, por conta própria, achei-os folhetinhescos demais, mas não deixam de ser leituras interessantes, sobretudo o segundo, apesar da grossa camada de açúcar. E muitos outros não li por puro desencorajamento involuntário dos meus amigos das outras escolas que também eram bombardeados pelos clássicos. Vi de perto aborrecimento de uma amiga, na época estudante do Santo Agostinho, diante da leitura do livro Senhora de José de Alencar. No final das contas, até gostou da história o problema era, segundo ela, as descrições eram intermináveis, minuciosas e cheias de palavras difíceis. Convenhamos que encontrar logo na primeira página do livro a seguinte passagem: “Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso de alabastro; dois esplendores que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante”, não é lá o maior estímulo para o prosseguimento de uma leitura. Ainda mais quando esta vem atrelada a uma prova dificílima.
A matéria do Megazine traz uma lista de livros pedidos por algumas escolas que, claro, varia de acordo com a linha pedagógica de cada uma. Apesar da variedade, as presenças de José de Alencar e Machado de Assis são constantes. Os títulos escolhidos são criticados por alguns escritores contemporâneos, não pela qualidade indubitável da prosa, sim pela forma como é imposta, sem que haja uma preparação anterior. Afinal, fazer com que o adolescente deixe de lado a leitura praticada por puro prazer de livros como Gossip Girls, Lua Nova e Harry Potter e se debruce na leitura obrigatória de Machado de Assis, não deve ser de grande agrado dos imberbes. Para diminuir tal distanciamento entre esse dois tipos de textos, a escritora ídolo do teenagers,Thalita Rebouças, sugere que as escolas adotem escritores como Fernando Sabino, Luis Fernando Veríssimo e João Ubaldo Ribeiro, bem como histórias curtas, para que então introduzam os romances clássicos.
Na prática, o tamanho da brochura parece não ser algo determinante nas escolhas dos jovens, já que muitos dos livros devorados por eles por vontade própria têm um considerável número de páginas. O motivo mais provável do preconceito com os clássicos é a falta de intimidade com a linguagem utilizada. Cabe à escola não somente apresentar aos alunos os diferentes estilos literários, como torná-los íntimos deles. Mesmo assim, sempre terão aqueles que não irão gostar. Para os desse tipo, esta passagem retirada de Lucíola: “Nunca lhe sucedeu, passeando em nossos campos, admirar alguma das brilhantes parasitas que pendem dos ramos das árvores, abrindo ao sol a rubra corola? E quando ao colher a linda flor, em vez da suave fragrância que esperava, sentiu o cheiro repulsivo de torpe inseto que nela dormiu,não a atirou com desprezo para longe de si?” Pode ser toscamente traduzido por um mero: “Às vezes a gente se engana”, sem problemas.
Além da mescla de estilo sugerida acima e da diversidade dos indivíduos (“graças a Deus”) que integram uma sala de aula, uma possível solução para alavancar o gosto da leitura na garotada esteja aristotelicamente no meio termo, que tal mesclar, Iracema, Rubem Fonseca, Homero, Clarice Lispector, Kafka, Machado de Assis, Garcia Marquez, entre outros, numa feijoada cosmopolitamente brasileira?
Publicado em 30 de março de 2010
Publicado em 30 de março de 2010
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