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O problema da Liberdade da Vontade, segundo Benson Mates

Mariana Cruz

O filósofo  norte-americano Benson Mates, em seu livro Skeptical essays, trata de três tradicionais problemas filosóficos  que, embora bastante inteligíveis são, de acordo com a tese que defende, insolúveis.

No primeiro capítulo ele trata do Paradoxo do Mentiroso e da antinomia de Russell; no segundo, discute o problema da Liberdade da Vontade e no capítulo final analisa a questão do nosso Conhecimento acerca do Mundo Externo. Tais problemas são considerados relevantes discussões filosóficas, pois, segundo o autor, um “bom” problema é aquele que desperta intenso esforço intelectual por parte dos filósofos que se envolvem com esses assuntos, que são conduzidos de premissas aparentemente sem controvérsias até uma conclusão paradoxal extrema. Neste texto buscamos fazer uma tradução resumida de trechos do ensaio sobre a Liberdade da Vontade, junto a uma análise sobre o assunto, que nos parece ser de ordem mais prática que os outros dois.

Muitos problemas filosóficos típicos lançam mão de argumentos cujas conclusões contradizem algo tido como verdadeiro. No caso do ensaio sobre a Liberdade da Vontade, veremos que qualquer boa definição dos termos “liberdade” e “responsabilidade moral” produzirá a problemática conclusão de que se alguém é responsável moralmente apenas pelos atos que faz livremente então ninguém é moralmente responsável pelo quer que seja.

Diferentemente dos dois outros ensaios presentes no livro, o problema da Liberdade da Vontade é de grande importância não só dentro como fora da filosofia, uma vez que quanto mais longe for traçada a sequência causal de uma ação menor será a capacidade de julgar tal ação como proposital ou não, como veremos nos exemplos a seguir sobre dois casos ocorridos na Califórnia.

No primeiro, uma jovem herdeira fora sequestrada por um bando de fanáticos e foi submetida por eles a severos abusos físicos e mentais; mais tarde, ela participou com eles de um roubo a banco; devido a isso, ela era eventualmente trazida a julgamento e se mostrava convicta de seu crime. Havia muita gente preocupada com o veredicto. Muitos viam como algo muito injusto punir alguém de fazer o que praticamente qualquer um, se submetido a tão terrível tratamento, provavelmente teria feito. Mates, porém, ressalta que, apesar disso, havia uma centelha de consciência, e que caso se comece a levar as causas das escolhas das pessoas em conta, não haverá nenhum lugar para traçar a linha da razão, e todo ato criminoso terá suas circunstâncias de absorção.

No outro caso, um supervisor de San Francisco atirou e matou o prefeito e outro supervisor. Aqui a defesa conseguiu manobrar o foco de atenção do júri para as circunstâncias que presumivelmente fizeram com que o acusado agisse daquele modo. Suas frustrações, sua raiva, sua confusão mental, sua depressão, até sua subalimentação no dia anterior foram levados em consideração. Assim, foi-lhe dada uma pena muito mais branda do que a que estava sendo esperada. De novo houve forte insatisfação pública com o resultado, desta vez causada pelo sentimento de que, diante desses termos, qualquer um, não importa o quanto perverso seja o crime, pode ser parcialmente ou completamente exonerado. Vemos que nesses casos o problema da Liberdade da Vontade está em segundo plano, já que, se por um lado deve-se levar em conta as causas das escolhas das pessoas e suas ações subsequentes, por outro isso significaria que a absolvição nesses casos não teria limite, a menos que consideremos que a responsabilidade do agente ou a falta dela depende de nossa ignorância ou do nosso conhecimento do motivo que o levou a cometer determinado ato.

Pelo fato de o problema da Liberdade da Vontade já ter sido tratado de tantas formas e devido à diversidade de definições que os filósofos já deram a tal tema, Mates considera que, ao invés de existirem diversas versões acerca do mesmo tema, talvez certos termos estejam sendo usados em diferentes sentidos.

A fim de obter melhor compreensão da formulação de Mates acerca da Liberdade da Vontade, utilizaremos aspectos do Principio de Razão Suficiente, elaborado por Leibniz, cuja definição resumida é: sempre haverá um motivo ou uma razão para que algo ocorra de determinado modo e não de outro. Todas as coisas que existem devem ter uma causa que as tenha feito existir, não podendo ter surgido do nada, isto é, todos os eventos são efeitos do evento antecedente, e estes, por sua vez, são causados por eventos anteriores a eles, e assim sucessivamente. Diante disso, é possível trilhar um caminho ascendente até chegar àquilo que deu inicio a tudo.

Mesmo aquelas ações humanas chamadas “livres” são o derradeiro e inevitável efeito de eventos que ocorreram antes de o agente ter nascido e estão acima de sua capacidade de controle e, uma vez que ele não tem como prevenir a existência de causas, não poderá também evitar a ocorrência dos efeitos. Consequentemente, apesar da aparência contrária, as ações humanas não são mais livres do que o movimento das marés ou que a ferrugem que se instaura em pedaço de ferro exposto à água e ao vento. Assim, afirma Mates, não há nenhuma diferença entre e o dizer “sim” ao ser convidado para um jogo de cartas e exclamar “aí” depois de dar uma topada com o dedão. No segundo caso, o mecanismo vocal é posto em ação por uma sequência relativamente simples de eventos neurais seguintes a um estímulo violento de nervos que terminam no dedão do indivíduo, enquanto o primeiro caso, apesar de o processo ser mais complicado, envolve os estímulos dos nervos auditivos que resultam do impacto entre a condensação dos tímpanos e a rarefação do ar ao redor; sendo assim, não há muita diferença entre ser atingido por um objeto sólido ou ser atingido por palavras.

Em geral temos uma compreensão menos detalhada do mecanismo pelo qual nossa assim dita liberdade de agir é produzida do que em relação ao restante de nossos atos. Isso quer dizer que quanto mais conhecimentos nós temos das cadeias causais anteriores a uma determinada ação do agente (e que estavam fora de seu alcance), menor a nossa crença de que ele agiu livremente. Por essa razão, se somos moralmente responsáveis somente por aquelas nossas ações que fazemos livremente – ou se não somos responsáveis por ações que fizemos sem querer –, pode-se concluir que ninguém é moralmente responsável por nada.

Dito isto, veremos nos próximos artigos as soluções que o autor propõe para tal impasse.

Leia também: Mais sobre o problema da Liberdade da Vontade.

Publicado em 13 de abril de 2010

Publicado em 13 de abril de 2010

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