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Alunos marcantes

Alexandre Rodrigues Alves

Há alguns anos, encontrei no ônibus um ex-professor de Matemática. Eu havia estudado com ele na sexta série do então Primeiro Grau. Ou seja, quase trinta anos antes. Continuava magrinho, usando camisa social lisa, como sempre (um dia apareceu com uma quadriculada, de cores berrantes, foi um espanto). Um pouco mais calvo, o cabelo bem grisalho, os óculos ainda de armação casco-de-tartaruga.

“Olá, professor Zé Luiz, como vai?” Ao seu olhar de surpresa, apresentei-me. Ele desculpou-se: “fiz as contas outro dia e devo ter tido, até hoje, uns 10 mil alunos na carreira, e ainda não me aposentei. Não posso lembrar de todos...” Talvez tentando avaliar a minha idade, perguntou: “Você era da turma do Velloso?”

Sim, era. O Velloso era um excelente desenhista. Sabia muito de artes plásticas, pincéis, papéis, tintas; estava em todas as exposições, conhecia todos os museus, ia a vernissages... E só tirava boas notas. Tocava piano, falava francês (e estudava inglês no colégio). Minha vingança era no futebol; vá lá que não sou craque, mas ele nem pensava em jogar as famosas peladas de depois das aulas (provavelmente porque tinha alguma mostra pra visitar).

Assim são os alunos marcantes: aqueles que, por alguma razão, se tornam referência para os professores; acontece da mesma forma no sentido inverso: todos nós temos professores marcantes – há até revistas que abrem espaço para pessoas conhecidas falarem dos seus. Certamente para o Zé Luiz eu não fui um aluno marcante.

Esses alunos se destacam não necessariamente por motivos positivos. Hoje, já professor, lembro-me do Robson, que estava sempre na aula, mas o que mais fazia era dormir. Isso me inquietava, até que um dia perguntei a ele – quando acordou para ir embora – por que não conseguia permanecer acordado na aula. “Professor, eu acordo às quatro e meia, tenho que estar às seis no posto de gasolina onde eu trabalho, em Pilares. Às quatro eu saio voado do posto, porque tenho que pegar minha filha às cinco e meia na escolinha; deixo ela em casa, faço um lanche pra nós e venho para a aula. Não é por mal”. Seu sacrifício foi recompensado: lembro-me dele na festa de formatura do Ensino Fundamental.

Minha mãe, professora primária aposentada, anos depois de ter deixado o magistério ainda falava da “turma da Sandrinha”. Ou seja, no meio de uma turma especialmente destacada, havia uma aluna marcante.

Pensando sobre esse tema, lembrei de minha época de faculdade; talvez ali tenha sido, sim, um aluno destacado – diferenciado, como gostam de dizer os comentaristas esportivos. Havia mesmo ciúme de colegas em relação à nossa aproximação dos professores. Uma vez ouvi de uma colega: “a Fátima só começa a aula depois que vocês três (Glaucia, Adolfo e eu) entram na sala”.

Assim como alunos marcantes, tive colegas marcantes. Além do Velloso, reconhecido por suas atividades extracurriculares, lembro-me do Gigante, pelo óbvio tamanho; do Marcos, do Zé Roberto e do Lourinho, pelo ótimo futebol que jogavam, tanto que tinham que ficar em times separados; do Ricardo, que morou dois anos nos Estados Unidos, onde o pai foi fazer um curso. Mas todos sumiram no tempo, na vida, no mundo.

Ao contrário, nós, professores, procuramos ter mais informações daqueles alunos destacados mesmo depois que se afastam da escola – e quando não temos buscamo-las com inspetores, amigos, parentes... Hoje, com o advento da internet e a popularização de redes sociais como o Orkut e o Facebook, essa comunicação é muito mais fácil.

E o mais interessante é que cada professor – considerando as turmas que têm vários docentes – tem suas predileções, destaca alunos diferentes, por razões variadas. Porque estudam, porque sabem, porque procuram conhecer, porque se dedicam, porque se transformam ao longo do tempo, porque passaram por uma experiência e se modificam, porque valorizam sua matéria. Lembro-me de Ndona, uma aluna angolana que tive: volta e meia eu perguntava a ela como se chamava tal coisa no português de seu país; ela dizia e os outros alunos ficavam espantados com a diferença; eu aproveitava para falar sobre a presença da língua portuguesa em várias partes do mundo, em função das grandes navegações, e misturava com a aula de História...

Lamentamos os passos ruins e vibramos muito com as conquistas desses alunos – deixaram de estudar; passaram no vestibular; conseguiram um bom emprego; mudaram de cidade... Até há pouco tempo minha mãe sabia da Sandrinha, que tinha se casado, tivera dois ou três filhos, onde trabalhava, onde morava...

Um aluno nos ajuda a lecionar melhor; um aluno marcante faz isso muitas vezes e nos melhora não apenas no aspecto profissional, mas também em questões pessoais, em atitudes perante a vida. Por isso são marcantes.

Nosso desejo é apresentar aqui alguns alunos marcantes, repartir suas histórias com outros professores. Mande as suas para nós!

Publicado em 20 de abril de 2010.

Publicado em 20 de abril de 2010

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