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A nova sala de aula
Prof. César A. R. Bastos
Professor da Extensão em Informática Educativa da Fundação Cecierj
Paulo Brites
Técnico em Eletrônica da Fundação Cecierj/Professor de Matemática
Participando de reuniões pedagógicas, conversando com outros educadores e lendo artigos sobre professores e alunos, podemos verificar que muitos dos conflitos que acontecem na sala de aula podem ser creditados aos problemas oriundos da falta de adaptação de professores de uma geração mais conservadora aos alunos de uma geração cibernética. Podemos considerar esses professores como sendo oriundos de uma geração analógica e os alunos como sendo de uma geração digital. Os professores “analógicos” gostam de aulas expositivas e utilizam 90% das aulas no quadro de giz; os alunos da geração digital não gostam nem um pouco do quadro e muito menos do giz. Segundo Marc Prensky, autor e consultor internacional, os alunos nascidos nas últimas décadas, nativos digitais, cresceram com TV a cabo, internet, vídeos, celulares e novas tecnologias; portanto, se desenvolvem de forma bem diferente da forma como os professores, imigrantes digitais, de geração de décadas anteriores, se desenvolveram. Estudos de neurociências indicam que os nativos digitais possuem uma forma específica de pensar e até uma estrutura física de cérebro diferente dos imigrantes digitais.
Os nativos digitais são capazes de estudar com fone no ouvido e com o computador ligado no MSN; professores analógicos não conseguem entender esse comportamento nem outras atitudes na sala de aula. Que, para os nativos digitais, não pode ser a mesma sala de aula de décadas anteriores; hoje, o professor precisa migrar para a era digital e utilizar novas tecnologias da comunicação e informação em sua prática pedagógica.
Algumas escolas da rede particular do Rio de Janeiro, preocupadas com a formação do “novo aluno”, estão se transformando e, portanto, procurando oferecer novos recursos para que os seus professores e alunos possam trabalhar com uma linguagem mais atualizada no ensino. As salas de aula dessas escolas possuem DVD, TV de plasma ou telão, computadores e lousas digitais, além de mesas grandes para trabalhos de grupo. A geração digital não se sente confortável com aulas expositivas, em que apenas o professor possui a palavra. Os docentes precisam problematizar para promover boa motivação e, consequentemente, maior produção do conhecimento; os alunos querem participar mais das aulas.
Os nativos digitais possuem algumas características diferentes dos alunos de gerações anteriores: são agitados, gostam de praticar o que estão aprendendo e exigem aplicação imediata para cada conceito abordado. O professor precisa saber lidar com essas características para poder administrar a produção do conhecimento durante cada bimestre.
Estão surgindo nas escolas algumas disciplinas que integram vários conceitos de disciplinas tradicionais e promovem diversos projetos interdisciplinares. Já é comum encontrar alunos trabalhando com projetos de Robótica, Tecnologias, Filosofia, Ciências e Artes nas escolas que se preocupam com a formação do novo aluno, para além do vestibular.
O professor que não gosta de estudar terá muita dificuldade para incentivar seus alunos a estudar. Nos fóruns e congressos de Educação, diversos trabalhos indicam que a promoção do estudo, quando feita coletivamente ou através de projetos com problematização dos conceitos, tem motivado os alunos. Esses trabalhos sugerem também que o ensino por repetição não tem funcionado com os nativos digitais, e os professores que insistem nessa prática acabam se envolvendo em sérios conflitos na sala de aula.
Para se preparar para a mudança em sua prática pedagógica, o professor está de volta à faculdade, frequentando cursos de capacitação com o uso de tecnologias. Uma prática comum entre os professores atualmente é a procura nas universidades por cursos de atualização ou extensão com o uso de novas tecnologias na sala de aula.
A área de Extensão da Fundação Cecierj (www.cederj.edu.br), por exemplo, oferece diversas disciplinas com o objetivo de contribuir para a capacitação de professores com as novas tecnologias da informação e comunicação, de modo que possam trabalhar com os nativos digitais motivando-os para a produção do conhecimento.
Não existe receita para o professor se transformar em imigrado digital; basta estar sempre antenado com o que está acontecendo e utilizar as novas tecnologias em sua prática pedagógica. É preciso estar disposto a estudar com a mesma frequência dos alunos que navegam procurando novidades e aplicando o que descobrem.
No blog de Miriam Salles podemos encontrar uma classificação de usuários, que utilizam ou não as novas tecnologias, proposta por Wesley Fryer:
- Refugiados: ignoram a tecnologia ou a negam, agindo como se ela não existisse,
- Voyeurs: conhecem a existência da tecnologia, mas não a utilizam,
- Imigrantes: participam das redes digitais, porém de modo limitado,
- Nativos: adotam de modo intenso a tecnologia em sua vida diária.
Para toda e qualquer classificação do professor, os alunos são nativos digitais e, portanto, precisam de uma sala de aula moderna. Assim, o quadro negro está perdendo cada vez mais espaço na sala de aula.
Os recursos de educação a distância tendem a ser incorporados cada vez mais às aulas presenciais de professores considerados imigrantes e principalmente nas aulas dos imigrados, que utilizam a tecnologia em praticamente todos os seus cursos. Encontramos hoje em dia diversos recursos gratuitos na web; os programas considerados web 2.0 já estão disponíveis em diversas línguas, inclusive em português.
Como diz um amigo nosso, “educar o filho dos outros é fácil, o difícil é educar os nossos”. Você deve estar pensando: até aqui as teorias estão ótimas, mas e na prática, como é que fica? Que precisamos mudar o nosso comportamento dentro de sala de aula é ponto pacífico, mas como fazê-lo?
Uma grande facilidade pode ser obtida abrindo um espaço nas aulas para trocas de informações com os alunos; faça uma experiência: pergunte o que é blog para um aluno e depois pergunte para que serve. Tente utilizar um blog em suas aulas e poderá saborear o que os nativos digitais podem nos oferecer.
Acreditamos que o professor deve provocar os alunos intelectualmente, desafiá-los ao tratar de um conceito que não está muito detalhado nos livros, por exemplo: pedir para que os alunos expliquem os seis estados da matéria. Isso mesmo: os seis estados. Os livros só comentam sobre sólido, líquido e gasoso. Que tal montar um blog apresentando os seis estados com artigos de jornais, revistas e sites educativos? Atividades como essa com certeza vão motivar mais a garotada no estudo de calorimetria.
No blog Robótica sem Mistérios (http://roboticasemmisterios.blogspot.com/) e no site Matéria-Prima (http://www.materiaprima.pro.br) podemos encontrar outras sugestões de atividades para os nativos digitais, aproveitando o fato de que eles gostam muito de atividades hands on, atividades para colocar a mão na massa.
Não existem receitas, mas algumas ideias podem dar uma mãozinha e depois cada um “tempera” a receita a seu gosto. Veja uma ideia digital, baseada no circuito sugerido pelos professores Arídio Schiappacassa de Paiva e Julio Cezar da Silva, do Cefet/RJ, em “Cronômetro de baixo custo para ser utilizado nos laboratórios de Física”, no qual incluímos pequenas modificações que são mostradas na Figura 2. Essa atividade permitirá trabalhar os conceitos preliminares de cinemática de de forma mais lúdica, com menos quadro e menos giz e muita mão na massa. É uma atividade hands on feita com carrinhos de pilha, uma pista com sensores e cronômetros digitais
Vivemos a era da competição, e acrescentar uma disputa à sala de aula pode ser uma saída para criar mais motivação. Além do mais, vai dar oportunidade de o educador trabalhar esse conceito do mundo capitalista e mostrar o lado saudável de uma disputa. Ser concorrente não deve nem pode significar ser inimigo. O educador é um formador de opinião e não deve mais ficar restrito a “cumprir o programa”. Precisa aproveitar todas as oportunidades da aula para filosofar um pouco.
Você pode começar a falar dos conceitos de velocidade média, espaço percorrido e tempo gasto. Então que tal inovar um pouco o trabalho desses conceitos?
A aula tradicional consistiria em ir para o quadro escrever fórmulas e tentar enfiar na cabeça dos garotos o que é V, ΔS e Δt e depois, é claro, cobrar na prova o decoreba. Esqueça isso, coloque os carros na pista e dispare...
O primeiro passo será dividir (com boa antecedência) a turma em grupos, ou melhor, equipes, que irão participar de uma “competição automobilística” e, portanto, cada uma terá que providenciar seus carros. Você dará as regras para a construção dos carros, como acontece na Fórmula 1, e todos vão preparar seus carros de acordo com o regulamento.
A pista ficará por sua conta.
É certo que vamos precisar de cronômetros para marcar os tempos dos carros de cada equipe. Podemos trabalhar com cronômetros de relógio de pulso acionados manualmente pelos juízes. Inicie a competição disparando os cronômetros manualmente. Peça para cinco alunos medirem, com seus cronômetros, o tempo que um carrinho gasta para percorrer um dado trecho da pista. Verifique se as medidas dos alunos foram diferentes. Provavelmente sim. Como podemos explicar o fato de todos medirem o mesmo evento e obterem resultados diferentes? Certamente discutindo os erros experimentais.
Figura 1 - O cronômetro de baixo custo
Como estamos na era digital, podemos utilizar cronômetros digitais para evitar esses erros experimentais e, assim, obter medidas mais precisas, como acontece nas corridas de carros.
O mais importante no uso dos cronômetros digitais é saber que o acionamento deles pode ser feito sem nenhuma interferência humana. Isso elimina as diferenças (erros experimentais) obtidas pelos humanos. Essa uma das principais vantagens do projeto que estamos propondo e chamando de pista digital; além de utilizar cronômetros digitais, queremos automatizar o seu acionamento.
Utilizaremos cronômetros digitais encontrados em lojinhas de produtos chineses, que não custam mais do que R$ 3,00 em média. Mas como acioná-los “automaticamente” quando perceber a passagem do carrinho e não pelo dedo do juiz?
Sensores são dispositivos que “percebem” alguma coisa diferente e traduzem essa percepção em variação de corrente elétrica. Então podemos usar sensores de luz, como esses que ficam nas portas de elevador, para perceber a passagem do carrinho e depois disparar o cronômetro.
Bem, o cronômetro deverá ser aberto para sofrer uma pequena modificação, que consistirá inicialmente em inibir o acionamento manual do botão start/stop. A seguir precisaremos soldar dois pedacinhos de fio nos contatos do botão start/stop (por isso tivermos que inibir o seu acionamento), que serão levados para fora do gabinete do cronômetro.
Você talvez esteja achando tudo isto muito complicado, mas não se desespere. No blog http://roboticasemmisterios.blogspot.com/ apresentaremos um passo a passo detalhado de como construir esse material.
Figura 2 - Circuito do acionador do cronômetro
Uma vez que os cronômetros já foram modificados, o segundo passo será providenciar um meio de realizar o acionamento automático dos cronômetros.
A maneira mais simples e barata para fazer isso é utilizar dois sensores de infravermelho. Um funcionará como emissor e o outro como receptor. Não se assuste, esses sensores são encontrados em qualquer lojinha de componentes eletrônicos e custam cerca de R$ 4,00 o par.
Coloca-se um emissor de luz de um lado da pista e um receptor do lado oposto, exatamente em frente ao emissor.
Figura 3: Modificação do cronômetro
Quando o carinho (ou qualquer objeto) passar entre eles, o feixe de luz será interrompido momentaneamente (ninguém vê a luz porque é infravermelho, e aí temos mais um conceito de Física para ser debatido). Que tal pedir uma pesquisa sobre infravermelho?
Esses sensores estão ligados a um pequeno circuito eletrônico (ver no blog) no qual estarão ligados também os fios de start/stop do cronômetro que você colocou em substituição ao botão original que foi inibido.
Devem ser utilizados no mínimo dois pares de sensores: um par fica no início da pista e será o responsável pelo disparo do cronômetro; o outro par fica localizado no final da pista: é responsável pela parada do cronômetro. Assim, quando o carrinho passar pelo segundo par o cronômetro será parado.
Dissemos que deveríamos utilizar “no mínimo” dois pares de sensores. Essa foi a ideia inicial do projeto. Depois percebemos que, se colocássemos outros pares de sensores ao longo da pista, poderíamos explorar melhor os conceitos de V, ΔS e Δt e mais tarde trabalhar também o conceito de aceleração e até de queda livre.
A pista foi construída utilizando uma canaleta de PVC para instalação elétrica com a largura de 10cm. É um material barato, fácil de encontrar no comércio e fácil de trabalhar. Fizemos uma pista com 2m de comprimento, ao longo dos quais instalamos quatro pares de sensores responsáveis por acionar três cronômetros.
Figura 4: Pista completa com sensores
Os cronômetros foram ligados de tal forma que os três irão disparar juntos na partida do carrinho (primeiro par de sensores), mas cada cronômetro irá parar separadamente quando o carrinho passar em frente ao segundo, ao terceiro e ao quarto (último) par de sensores.
As equipes deverão medir as distâncias entre cada par de sensores, que serão denominadas ΔS1, ΔS2 , ΔS3 e ΔS4. Os três cronômetros serão acionados simultaneamente na partida, que denominaremos t0. Orientamos as equipes a construir tabelas onde serão anotadas as distâncias percorridas (os ΔS) e os respectivos intervalos de intervalos de tempo gastos para percorrer cada segmento.
Daí em diante é só explorar os dados da tabela e discutir os conceitos, além de explorar os resultados para saber qual equipe foi vencedora; mas para chegar lá os alunos tiveram que calcular as velocidades médias.
Outro passo é inclinar a pista e ver o que muda.
Será que a velocidade muda conforme a inclinação? Uma boa provocação para os alunos. Já estamos começando a trabalhar o conceito de aceleração...
E se colocar a pista em pé e fizermos uma bolinha passar pelos sensores?
Outra ideia é trabalhar com pêndulo e determinar o valor da aceleração da gravidade, verificar se a massa do pêndulo interfere ou não no período.
Quantas coisas podemos explorar com esse projeto, não é mesmo?
Tentamos mostrar como utilizar novas tecnologias para motivar os alunos e, consequentemente, produzir conhecimento a partir da vivência na sala da aula. Acreditamos que é possível aprender com prazer e de forma colaborativa, em que todos aprendem com todos.
Referências:
- Página de Marc Prensky, disponível em http://www.marcprensky.com/. Acesso em: 10/11/2009.
- Miriam Salles: Informática Educacional e Meio Ambiente. Disponível em: http://miriamsalles.info/wp/ Acesso em: 10/11/2009.
Publicado em 27 de abril de 2010.
Publicado em 27 de abril de 2010
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