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Mais sobre o problema da Liberdade da Vontade

Mariana Cruz

No presente texto vamos continuar a discussão iniciada em O problema da Liberdade da Vontade, segundo Benson Mates. Esse pesquisador analisa a visão de outros filósofos sobre esse problema e tenta ver até que ponto o agente pode ou não ser responsabilizado moralmente pelos seus atos.

De acordo com Mates, para o filósofo escocês David Hume (1711-1776) a conexão entre causa e efeito não implica falta de liberdade humana, uma vez que considera que todo evento é efeito de causas antecedentes e há conexão necessária entre causa e efeito; isso, porém, não significa que as ações humanas não sejam livres. Tal pensamento parece ter sido seguido por diversos filósofos contemporâneos, dentre os quais Bertrand Russell, para quem o manancial do problema está na confusão na relação entre liberdade e necessidade. Hume considera que a ação é livre quando é efeito da determinação da própria vontade e não é livre quando não é fruto dela. Assim, a diferença entre nossos atos livres e os outros atos não decorre do fato de estes últimos serem determinados por certos antecedentes causais, enquanto os atos livres são total ou parcialmente isentos desse tipo de conexão, pois todos os eventos são gerados por determinadas causas; sendo assim, o problema não é a existência de causas – e sim quais são elas.

Se a ação de alguém é efeito de sua própria escolha, trata-se de uma ação livre, e a pessoa tem responsabilidade moral por isso; se é efeito da ação de outro alguém, pode-se dizer que tal pessoa agiu sob coação ou compulsão e, por isso, não está sujeito a culpa nem a mérito. Daí se segue que, para Hume, liberdade humana e responsabilidade não são, de modo algum, incompatíveis, pois nossas ações são causalmente relacionadas às nossas motivações; daí se segue que elas tenham alguma qualidade moral, seja ela qual for. Por tal motivo, elas são objeto de aprovação ou reprovação moral. Moritz Schlick considera que, para entender a visão de Hume, deve-se considerar compulsão – e não necessidade – como o oposto de liberdade, e contingência como o oposto de necessidade.

Outro fator que aumenta esse problema é a confusão acerca dos dois sentidos da palavra “lei”, uma vez que existe a “lei” do Estado, que exerce a compulsão sobre nós e limita nossa liberdade; e a lei no sentido científico, que tem significado bastante diferente. Uma lei natural não é uma prescrição sobre como algo deve ser, e sim uma descrição de como as coisas de fato são. Apesar de as ações humanas, assim como todos os outros eventos, estarem submetidos às leis naturais, isso não significa que não possam ser também consideradas livres.

Como Hume observou, quando achamos um aparente contraexemplo para o princípio de causalidade universal normalmente consideramos que tal evento possui "causas ocultas", isto é, explicamos a situação dizendo que não sabemos qual é a causa, em lugar de concluir que não há causa alguma. Em geral, tal procedimento tem se mostrado correto, uma vez que após algumas investigações frequentemente descobrimos as causas das ocorrências antes tidas como inexplicáveis; portanto, não há razão para supor que, somente porque é formalmente difícil achar os antecedentes causais para tais ações humanas que chamamos livres, eles não existem. Em alguns casos de ação livre o agente não identifica nenhum episódio antecedente que pudesse ser considerado uma "volição", um ato da vontade ou uma escolha. Por outro lado há certos filósofos que acreditam que toda ação livre voluntária é precedida por um ato introspectivo de vontade.

Ao avaliar se um ato foi realizado livremente (o que consequentemente implica liberdade moral), levamos em conta não apenas o fato de o agente ter tido vontade de fazer tal ato, mas também o motivo que o fez desejar fazer isso. Por extensão, sua vontade não é livre; sendo assim, somos levados a não culpar ou aprovar o ato subsequente. Desse modo, para o ato do agente ser livre não é suficiente que isso resulte de sua própria escolha, pois, uma vez que ele não escolheu o curso da escolha da ação, não pode ser considerado livre também.

Para elogiar ou culpar alguém por uma dada ação, normalmente se busca saber se ele escolheu agir assim e como ele veio a escolher o curso de sua ação. Advogados de defesa utilizam tal artifício para impressionar o júri. Ao defender um réu, por exemplo, irão justificar que, por exemplo, o indivíduo cometeu tal roubo por ter crescido em um ambiente de extrema pobreza, onde roubar era algo não apenas aceitável como também uma necessidade de sobrevivência, todos os seus companheiros faziam isso e quem se recusasse a fazer parte disso era considerado um tolo. Por todos esses motivos ele é incapaz de fazer a escolha certa.

Em casos como esses seria absurdo considerar friamente que ele tomou tal decisão, executou tal ato, então é culpado e ponto final, sem levar em conta os motivos que o fizeram decidir roubar a loja. Ao contrário, reconhecemos que não é justo punir alguém por fazer o que qualquer um, em circunstâncias similares, teria feito. Isso parece ser a única diferença real entre as ações que desculpamos e as que condenamos. 

Benson Mates dá o exemplo de Smith e Jones, sócios em um negócio em que o primeiro está levando o faturamento semanal do banco quando é encurralado por um estranho que o ameaça, fazendo com que ele entregue todo o dinheiro. Ao perguntarmos se Smith agiu livremente, a resposta negativa será a mais imediata; porém, são necessários muito mais detalhes para dizer o quanto a liberdade de Smith foi restringida e até que ponto se justifica o fato de ele ter entregue o dinheiro. Se o estranho ameaçou Smith de morte, apontando uma pistola para ele, isso significa que Smith escolheu obedecer ao invés de levar um tiro, não se tratando assim de uma escolha muito livre. Nesse caso, Jones dificilmente teria culpado a atitude de Smith, mesmo considerando que havia certa liberdade em tal escolha. Agora suponha que o estranho fosse do mesmo porte de Smith, não estivesse armado e tivesse ameaçado bater nele caso não lhe entregasse o dinheiro. Tal situação dá uma liberdade de escolha muito maior para Smith. Maior ainda seria se o estranho tivesse apenas ameaçado gritar que Smith era um explorador das classes trabalhadoras por ficar com todo o lucro que deveria repartir com seus funcionários. Tal ameaça talvez nem mesmo fizesse com que Smith se desviasse do caminho.

A partir dos exemplos citados, fica claro que, de que de acordo com a escolha feita diante das variáveis das circunstâncias, há graus de liberdade variados, que por sua vez tendem a induzir a vários graus de culpa ou de mérito.

Publicado em 27 de abril de 2010.

Publicado em 27 de abril de 2010

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