Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
Cinema e música no Brasil de todos os santos
Prof. Dr. Andersen Viana
Maestro, doutor em Música pela UFBA, especialista em música para cinema
O início da mágica do audiovisual
Muito antes da mágica dos irmãos Lumière em 1895, o significado e a função do que viria a ser a música do cinema já estavam nas obras de música programática, dramas musicados e nas óperas. O cinema é também uma forma de projeção em tela do teatro e seria acompanhado musicalmente de forma brilhante, a dar variados significados às inúmeras ações, cenas e personagens. Mesmo antes de o cinema contar histórias, a música passou a fazer parte do cinema mudo. Em geral, eram mesmo os pianistas ou organistas improvisando sobre as imagens, quando não utilizavam temas já conhecidos, para acentuar-lhes o espírito, o clima, a emoção.
O início da música no cinema foi marcado pela utilização de inúmeras obras consagradas de compositores como R. Wagner, E. Grieg, L. V. Beethoven, R. Schumann, G. Verdi, G. Bizet e F. Liszt, entre tantos outros. Desse modo era realizada uma associação psicológica a determinadas obras e a scripts de certas óperas. A atenção acabava por desviar-se da história do filme, relacionando-o aos temas dos dramas musicais ou de música programática, como é o caso de Romeu e Julieta, de P. I. Tchaikovsky. David W. Grifith (1875-1948) foi pioneiro não apenas nas imagens, mas também no uso da música. No seu primeiro longa-metragem, Birth of Nation (O Nascimento de uma Nação, 1915), recorreu às obras de L. V. Beethoven, R. Wagner e P. I. Tchaikovsky, o que seria repetido em Intolerance (1916). Tanto sucesso fizeram seus dois filmes e respectivos scores que logo seriam imitados, pela utilização de música original ou pela adaptação de temas a situações específicas.
A sonoridade do Recôncavo
Enquanto isso, no Brasil de todos os santos seria possível encontrar evidências da musicalidade em diversas circunstâncias históricas no Recôncavo, região que entraria no século XXI como protagonista de uma nova proposta audiovisual, com o surgimento de uma universidade e um curso específico de cinema na região. As sonoridades do Recôncavo seriam reveladas por meio da oralidade e registros da memória com uma fusão entre os ritmos afro-brasileiros com a teoria tradicional secular europeia da música, criando uma sonoridade multiétnica, especialmente a partir da formação do primeiro grupo organizado: a Sociedade Filarmônica Erato Nazarena, em 1863.
Foi nessa efervescência multicultural que nasceu o exímio clarinetista, maestro e compositor Manoel Tranquilino Bastos (1850-1935). Sua produção musical, ao lado de outras tantas de Heráclio Guerreiro e Antonio Manoel do Espírito Santo – igualmente maestros de filarmônicas do Recôncavo –, era tão rebuscada quanto a feita na Europa durante esse período. Podemos atestar isso através da notícia dos prêmios recebidos por Bastos e Guerreiro na Alemanha. Em 1870, Bastos criou a Lyra Ceciliana – uma das 130 filarmônicas do estado e uma das mais antigas. Além de músico, o maestro Tranquilino Bastos colaborava com diversos jornais da cidade de Cachoeira naquela época e destacou-se como um grande defensor da abolição da escravatura. É possível encontrar na obra musical desse compositor afrodescendente centenas de dobrados, marchas, frevos, polcas, valsas, músicas sacras, árias para canto e hinos. Esse acervo foi adquirido há trinta anos pelo Governo do Estado da Bahia, encontrando-se hoje disponível para pesquisa no setor de obras raras da Biblioteca Central. Ficou marcada na história de Cachoeira a passeata musical conduzida por ele em 13 de maio de 1888, que reuniu milhares de pessoas, em sua maioria negros recém-libertos, em comemoração da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel.
Presente e futuro
Nesse cenário de grande tradição sonora e riqueza cultural, não seria possível deixar de conectar o som à imagem (o que já vinha sendo feito de certa maneira desde o surgimento do cinema com os irmãos Lumière e posteriores desenvolvimentos). De modo muito particular, o cinema e o audiovisual em Cachoeira deram um grande passo para que se pudesse conquistar novos espaços e desenvolver uma intelligentsia sonoro-visual em níveis nacional e internacional, pela primeira escola pública de cinema da Bahia, no âmbito do curso oferecido pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Com a implementação desse novo núcleo audiovisual, variados estímulos serão proporcionados para que o Recôncavo possa seguir seu destino cinematográfico. Essa região do Nordeste brasileiro é utilizada como polo de produção de cinema há 40 anos. Centenas de documentários, novelas, filmes de média e curta metragem e produções nacionais e internacionais de filmes publicitários já foram produzidos. Podemos concluir que o audiovisual é, há muito tempo, forte parceiro do Recôncavo. Espera-se que a essa iniciativa possam ser agregadas outras de grande relevância para a região, e que o Brasil possa se orgulhar de tantos outros glauberes que, com toda certeza, surgirão, frutos de um meio e de condições propícias. Isso certamente proporcionará novas perspectivas e possibilidades para maior desenvolvimento do cinema e do audiovisual no Brasil.
Publicado em 04 de maio de 2010.
Publicado em 04 de maio de 2010
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.