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Semiótica e literatura: uma abordagem greimasiana na análise de textos literários

Juliana Carvalho

Em 7 de julho de 2009, foi inaugurado o Laboratório Multidisciplinar de Semiótica (Labsem), que reúne quatro áreas acadêmicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ): Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI); Faculdade de Comunicação Social (FCS); Faculdade de Formação de Professores (FFP) e Instituto de Letras (ILE).

O laboratório foi idealizado como centro de produção editorial, mas também atua como incubadora de projetos multidisciplinares cujo objetivo principal é formar e qualificar mão de obra especializada nas áreas de produção de eventos, videoteleconferências e ensino a distancia. Por enquanto, funciona em instalações cedidas pela ESDI na Rua Evaristo da Veiga, 95, na Lapa, e abriga projetos de iniciação científica e à docência, estágios internos, complementares e docentes, monitoria e extensão.

Achei interessante começar o artigo divulgando o Labsem por se tratar de uma iniciativa multidisciplinar baseada na Semiótica, uma ciência bastante difundida e divulgada nos dias de hoje, cujos conceitos podem ser utilizados em várias disciplinas escolares. Na interpretação de um texto, de uma música ou de um desenho, em quase tudo está a Semiótica. Essa ciência, que estuda a construção dos significados, transita entre linguagens e códigos de naturezas diversas e, por isso mesmo, tem em si a característica da abrangência.

Entre utopias e rasgos de genialidade, o ex-beatle John Lennon criou uma frase brilhante sobre uma das matrizes musicais mais influentes do planeta: “O blues é bonito porque é simples e real (...). Não o desenho de uma cadeira, mas a primeira cadeira. A cadeira é feita para sentar, não para olhar ou apreciar. A gente senta naquela música de blues”. Involuntariamente, o autor de Lucy in the Sky with Diamonds (com Paul McCartney) elaborou um instigante exercício de semiologia (e também de semiótica).

A Semiologia, também conhecida como Linguística saussureana, é a ciência da linguagem verbal. A Semiótica é a ciência de toda e qualquer linguagem.

A Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e de sentido. Segundo Deely,

a tradição semiótica de Poinsot, Locke e Peirce difere-se da semiológica proposta por Saussure porque a Semiótica "não tem como princípio ou quase exclusiva inspiração a fala e a língua humana. Ela vê na semiose um processo muito mais vasto e fundamental envolvendo o universo como físico no processo da semiose humana, e fazendo da semiose humana uma parte da semiose da natureza." (...) Semiótica e Semiologia constituem duas tradições ou paradigmas, o que tem "até certo ponto prejudicado o desenvolvimento contemporâneo por existir dentro dele em condições sociológicas de oposição. Essas condições de oposição, todavia, não são apenas desnecessárias logicamente, mas dependem, para seu sustento, de uma sinédoque perversa pela qual a parte é tomada erradamente pelo todo. A Semiótica forma um todo do qual a Semiologia é uma parte" (p. 23).

Existem alguns “tipos de Semiótica”; a mais difundida é a peirceana, baseada nos estudos de Charles Sanders Peirce (1839-1914), cientista, matemático, historiador, filósofo e lógico norte-americano, considerado o fundador da moderna Semiótica. Peirce graduou-se com louvor pela Universidade de Harvard em Química e fez contribuições importantes no campo da Geodésia, Biologia, Psicologia, Matemática e Filosofia. Uma das marcas do pensamento peirceano é a ampliação da noção de signo e, consequentemente, da noção de linguagem.

Peirce foi o enunciador da tese anticartesiana de que todo pensamento se dá em signos, na continuidade dos signos; do diagrama das ciências; das categorias; do pragmatismo.

Ao morrer, em 1914, Peirce deixou nada menos do que 12 mil páginas publicadas e 90 mil páginas de manuscritos inéditos. Os manuscritos foram depositados na Universidade de Harvard. Apenas vinte anos mais tarde, na década de 1930, surgiu a primeira publicação de textos coligidos nos seis volumes dos Collected Papers, editados por Hartshorne e Weiss. Infelizmente, grande parte desses textos restringiu-se a escritos que Peirce já publicara em vida. Em 1976, sob direção de Max Fisch, estabeleceu-se na Universidade de Indiana, com sede em Indianápolis, o Peirce Edition Project, voltado à publicação de escritos cronológicos de Peirce em 35 volumes, tarefa que ainda hoje não foi terminada.

Há ainda a Semiótica estruturalista/Semiologia de Saussure, Lévi-Strauss, Barthes e Greimas, com foco apenas nos signos verbais; a Semiótica russa ou Semiótica da cultura, de Jakobson, Hjelmslev e Lotman, com foco na linguagem, literatura e em outros fenômenos culturais, como a comunicação não-verbal e visual, mito e religião; e a greimasiana, que tem como foco o texto; é nela que este trabalho com a literatura está apoiado.

A Semiótica greimasiana é uma teoria da significação ao enfocar a construção de sentido nos diversos textos, no mundo como um texto. O problema da significação é estudado nesta teoria sob um tríplice enfoque: da Fenomenologia, da Linguística e da Antropologia. Da Fenomenologia, em especial de Merleau-Ponty, o autor resgata a estesia, os sentidos que são convocados pelos textos. Da Linguística, Greimas aposta na possibilidade de uma metalinguagem teórica, na trilha de Hjelmslev. Da antropologia, o autor partilha as ideias de Lévi-Strauss.

O universo inteiro é uma espécie de texto que lemos continuamente, não só com nossos olhos, mas com os cinco sentidos. O problema é, então, conceber as categorias suficientemente gerais que nos permitam reconstruir, em toda a sua variedade e riqueza, a maneira pela qual o mundo se apresenta a nós – e pela qual ele significa para nós –, ao mesmo tempo como mundo inteligível e como mundo sensível (Landowski, 2001).

Segundo a Wikipédia, o lituano A. J. Greimas introduziu o conceito de quadrado semiótico ao observar, por exemplo, o esquema bidirecional das histórias. Nesse esquema se situam o herói, seu ajudante, seu adversário e a sociedade em torno do objetivo a ser alcançado; ele elaborou um “quadro” ou ”retângulo semiótico”. Há uma grande semelhança com a estrutura geral do Paradigma da Disney:

É possível olhar novamente para a mesma cena de um ponto de vista ligeiramente diferente, interpretando-a como sendo um romance, para o qual o quadro semiótico proposto por Greimas poderia ser aplicado. Como bem se sabe, Greimas propôs a seguinte interpretação macroestrutural da trama narrativa: alguém (o personagem principal) deseja alcançar algo (um objeto de valor) e, no caminho de sua jornada, é ajudado por algo/alguém (ajudante) e é atrapalhado por algo/alguém (oponente); dois outros elementos estão em cena: o destinateur: quem ou o quê empurrou o herói em direção ao seu objetivo; e o receptor: quem ou o que recebe o objeto de valor, uma vez que este é conquistado pelo herói.

O texto é uma unidade de sentido, em que múltiplas partes falam de modo coeso. São fios que tecem uma trama. O texto tem conteúdo, expressão e forma. É preciso ver como o texto mostra e o que mostra. A imagem também é um texto e ela me diz algo porque tem estruturação, porque se estrutura como uma linguagem que relaciona expressão, conteúdo, contexto. O ensino moderno da literatura pode perfeitamente basear-se na Semiótica greimasiana. Não basta somente ler obras representativas sem relacioná-las com outros textos da época, bem como o de outras épocas. Não tem sentido um aluno ler Navio negreiro, de Castro Alves, sem relacioná-lo a obras como os poemas de Luís Gama, sem assistir, por exemplo, a Amistad, sem ler Negrinha, de Monteiro Lobato, sem ouvir alguns sambas em que a figura do negro aparece deturpada.  A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, embora cheio de boas intenções, tem por trás de si a intenção de apresentar uma escrava branca, a fim de não ferir os leitores da época. Para ilustrar a aula, pode ser levado para a classe um trecho da novela.

 Para exemplificar o trabalho com a análise greimasiana, vou utilizar o poema O Bicho, de Manuel Bandeira, pensando em uma turma de Ensino Médio:

O BICHO

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão.
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

Para trabalhar com mais propriedade uma análise da leitura desse poema, sugerimos que inicie com a aplicação da metodologia semiótica. O Bicho, de Manuel Bandeira, presente em Poesia Completa e Prosa, é um poema com características do estilo modernista, com tema constante em suas obras, “o cotidiano”. É uma composição em versos livres.

Em um primeiro nível, é possível destacar o seguinte significado:

Riqueza X Pobreza: uma pessoa ia passando em algum lugar e viu alguém remexendo o lixo à procura de comida. E isso impressionou.

Num segundo nível, podemos organizar esses dados concretos num plano mais abstrato: a construção poética inicia um discurso narrado em primeira pessoa e emprega o verbo no pretérito perfeito. Revela, de imediato, tensão. O enunciatário fica em alerta para o que vem a seguir. O percurso narrativo vai mudando com a inserção de imagens. A tensão inicia-se com a figura (bicho) e continua na segunda oração com o adjetivo imundície. Um dos personagens do poema (o homem) se vê num estado tão lastimável, em situação tão miserável, que tem que se submeter a catar os restos que as outras pessoas deixaram. Passa a agir como um animal irracional, atendendo suas necessidades primárias. Geralmente não é visto pela sociedade; é um ser invisível.

Marcas linguísticas: o uso do léxico catando e não escolhendo, e da palavra voracidade (ato animal diferente do ato humano de comer, degustação) define esse homem como um bicho, e daí percebe-se que o processo de construção do texto é metafórico, havendo uma ligação nos sentidos bicho X degradação humana.

Num terceiro nível, podemos imaginar uma leitura ainda mais abstrata, que resume o poema em temas que se opõem. Oposições semânticas:

  • Classe dominante X Excluído
  • Afirmação da degradação humana X Negação da dignidade humana
  • Miséria X Fartura

Não podemos esquecer a contextualização: Manuel Bandeira tornou-se um escritor atuante na crítica social tanto quanto ao governo como no tipo de vida de diversas camadas sociais. O sofrimento que ele retrata em O Bicho não é apenas do homem, mas também do poeta, numa forma de protesto que ataca as classes dominantes e faz dele uma ferramenta de luta social utilizando-se da literatura. Bandeira cria o equilíbrio na perturbação e, fazendo um diálogo entre a realidade estritamente poética e o mundo real que a circunda, gera poemas aparentemente bobos, que se explicam justamente na relação entre o individual e o universal.

O esquema abaixo pode ajudar na preparação das aulas de Literatura e na escolha dos textos:

1 - Leitura estruturalista/tradicional:

  • Leitura superficial
  • Leitura das linhas ou leitura horizontal
  • Decodificações linguísticas: informações explícitas do texto
  • Procedimento mecânico.

2 - Leitura semiótica:

  • Leitura dos sentidos do texto
  • Leitura profunda
  • Leitura das entrelinhas ou verticalizada
  • Análise do texto. Desvelamento (temas parciais a partir das personagens do texto)
  • Informações explícitas e implícitas
  • Intenção da obra
  • Reflexão, desenvolvimento do raciocínio analítico (leitor crítico)
  • Oposições semânticas.

Essa abordagem permite um amplo e significativo trabalho com o texto, conjugando a análise tradicional com a análise semiótica, que – como uma boa cadeira de blues – podem lhe dar suporte para voos mais altos e duradouros no ensino de Arte e de Literatura.

Bibliografia

BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1991.

DEELY, J. Semiótica básica. São Paulo: Ática, 1990.

LANDOWSKI, Eric. Foi Greimas semioticista? Disponível em: http://www.pucsp.br/cps/pt-br/teoricos/tres.html.

Publicado em 25 de maio de 2010

Publicado em 25 de maio de 2010

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