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Festa de papel - os festivais literários
Alexandre Amorim
Os alunos da Universidade Federal de Ouro Preto se espalham pelas almofadas, deitados em frente ao palco do Cine Vila Rica. A primeira impressão é de que acadêmicos e o público com mais de 30 escolheram as poltronas confortáveis do cinema. Mas não, aos poucos podemos ver professores e organizadores deitados também nas almofadas. E, no palco, José Miguel Wisnik falava sobre a morte (ou não) da canção, com o auxílio luxuoso e fundamental de Arthur Nestrovski. Era o encerramento da quinta edição do Fórum das Letras de Ouro Preto, organizado pela heroína Guiomar de Grammont, umas das componentes da dança formada pela plateia, ao final da palestra de Wisnik e ao som de sua música. Aquela dança era a confirmação de que um encontro literário pode ser uma festa tão animada quanto qualquer outra, com a vantagem de se ter discutido e ouvido arte em forma de poemas, narrativas e histórias.
Da mesma forma, no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, a organização da Flist distribuiu comidas típicas da região do homenageado deste ano, Manoel de Barros. A segunda Festa Literária de Santa Teresa, promovida pelo Centro Educacional Anísio Teixeira (CEAT), teve apoio da Secretaria de Cultura e trouxe ao bairro um fim de semana de leituras, jograis, debates e saraus. O cinema e a música também estiveram presentes, provando que a literatura está inserida em todo canto. E pode (e deve) estar contida também em jogos e brincadeiras, como as gincanas e oficinas infantis.
O ambiente de festa se faz sem cerimônia nos festivais literários, como se não fosse redundante dizer que festival e festa têm a mesma origem. Em Paraty, as árvores literárias, com livros pendurados e ofertados como frutas, já são uma tradicional recreação, além das apresentações teatrais nas ruas e das espontâneas leituras de poemas e textos entre o público nos bares e restaurantes. Ler, ouvir, debater, comer e beber se tornam verbos de comemoração. Se em Paraty, por exemplo, os tietes dos medalhões vão até lá só para ver seus ídolos, devem voltar para casa um pouco envergonhados de terem ido com tal objetivo, porque a riqueza do festival é muito maior do que o culto à celebridade. Chico Buarque, Hobsbawm, Lou Reed, Robert Crumb e outros nomes pop devem se divertir bem mais com as manifestações de inteligência e alegria da plateia que pergunta e se alimenta das respostas do que com a mediocridade tacanha dos fãs que querem apenas autógrafos e compram seus livros só pelo nome famoso, mas deixam a obra empoeirar nas suas estantes surdas-mudas.
As festas literárias misturam todo tipo de gente, como deve ser em uma boa festa. Desde o intelectual que leu e escreveu sobre a obra completa do palestrante até o aluno que começa a se maravilhar com o universo das letras. Passando, é claro, pelo pseudointelectual que não leu e escreveu besteiras repetidas de trabalhos alheios e pelos tietes histriônicos. Mas, como em uma boa festa, os iguais vão se buscando e os grupos vão se formando – é fácil fugir do grupo dos chatos, mesmo que eles falem tão alto... Às vezes, os temas ajudam o público a se organizar, mas todo leitor sabe que a literatura traz surpresas, e que se deve estar aberto a elas. Um debate sobre metaficção pode ter um nome feio e desanimador, mas a discussão pode ficar tão interessante que acaba se estendendo por botequins da Lapa carioca.
Alguns festivais preferem se organizar em temas, como o de Ouro Preto, em que já se discutiu a interação da literatura com o cinema, com a produção gráfica, a mistura de seus gêneros e mesmo temas mais específicos, como a memória. Não à toa, o festival da cidade mineira se proclama um fórum das letras. Em Santa Teresa, o homenageado se torna o tema, mas outros autores e assuntos passam pelos debates e pelas conversas. Em Paraty, as discussões estão mais dispersas, de acordo com as mesas organizadas. Pode parecer confuso, mas cada festival tem sua dinâmica própria e acaba ficando divertido se adaptar ao movimento de cada um deles, procurando pelas mesas que você achar mais interessantes, marcando no folder os debates que mais chamarem a atenção ou mesmo escolhendo os restaurantes em que a comida lhe parecer mais apetitosa, junto a uma cerveja e a uma leitura de poesia.
Desse modo, cada festival tem suas características. Em Ouro Preto, o fórum é centralizado no Cine Vila Rica, onde podemos sentar em poltronas, deitar em almofadas ou até dançar com Wisnik e Nestrovski, depois de ouvir com atenção o poder literário da canção. Em Santa Teresa, anda-se pelos trilhos e pelos paralelepípedos para chegar aos saraus, debates e oficinas. Caminha-se até a literatura, que se espalha pelas casas e praças. Assim como em Paraty, com suas tendas, salas e teatros.
As qualidades de cada festa têm formas múltiplas, assim como os senões. Nem sempre as tendas e os debates comportam o público interessado, nem sempre os convidados se comportam de modo educado, nem sempre a organização é bem organizada. Mas esperar horários e comportamentos rígidos em festivais de literatura é como esperar dormir até tarde e dar altas gargalhadas em um quartel. O mais aconselhável é relaxar e estar aberto a toda arte que se faz e se apresenta. Livros, jornais especializados e troca de ideias são o produto final desses festivais, e estamos sempre torcendo para que valha a pena organizar festas tão trabalhosas, e que o resultado seja bom de se ler, de se ouvir e de se provar.
Publicado em 01 de junho de 2010
Publicado em 01 de junho de 2010
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