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A revolução financeira contemporânea

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

Em 1972, veio a revolução financeira do ‘século do não’, a questão da securitização. Daí também a ideia de aplicá-la ao gigantesco mercado de hipotecas garantidas pelo governo norte-americano teve sua época. Mas pode ser que a febre tenha retornado; não é sem tempo relembrar que, na década de 1980, novos produtos financeiros foram criados. Em 1981, o Salomon Brothers organizou o primeiro swap (a troca de dívidas, comum nos dias de hoje também no mundo do jogo do capital, que teve início na época entre o Banco Mundial e a IBM). Aquela inovação financeira prosseguia com uma multidão de novos instrumentos financeiros. Tratava-se de algo significativo no período, pois eram operações vitais para o sustento do capitalismo.

Na época, as opiniões chegaram a diferir quanto à questão de a proliferação de novos instrumentos financeiros serem capazes de provocar aumento da especulação; deixaram todos muitos confusos. O professor Merton Miller chegou a afirmar que os derivativos seriam as matérias-primas essencialmente industriais, criadas para lidar com a incerteza e a volatilidade financeira subsequentes ao fim de Bretton Woods e à crise do petróleo de 1974, que também chegara causando grande impacto econômico. E o Brasil vivia, por debaixo dos panos, a pós-escravidão, com consequências terríveis para a definitiva leitura de nosso desenho social e sociocultural. No entanto, se fosse feito um hedge para uma posição em derivativos, esse instrumento econômico traria mais segurança ao nosso desenho social e sociocultural vivenciado de favelas, palafitas etc. Se fosse um seguro contra perdas, principalmente as socioeconômicas, talvez tivesse mais sucesso com tudo, mas naquela época o discurso economês só falava em perdas e ganhos materiais, concretos, ligados ao financeiro do jogo do capital, esquecendo da parte emocional, subjetiva.

Só se percebeu todo o potencial da revolução financeira quando as condições políticas foram ficando mais adequadas. A revivida ideologia do livre mercado levou toda a década de 1970 para se propagar das universidades para o mundo político. Friedman teve papel fundamental. Em 1960, como consultor dos candidatos a presidência dos EUA, iniciava sua dança no cenário internacional. Na década de 1970, suas ideias eram adotadas pela Margaret Thatcher, líder da oposição conservadora na Grã-Bretanha. Em 1976, ganharia o Premio Nobel, como economista mais conhecido do mundo!

Thatcher, empossada em abril de 1979, e Ronald Reagan, eleito em novembro de 1980, estavam prontos para pôr em pratica a filosofia econômica de Friedman. Formavam uma união pela não intervenção do governo nos assuntos econômicos, ou seja, o julgamento de mercado era soberano como regulador da movimentação e das transações econômicas. Apesar de os latecomers serem um ponto de urgência, ficavam bem fechadas no mundo do trabalho, com reflexos sérios para os que teriam origens na pós-escravidão no Brasil.

O horror não era somente econômico, como afirmara Jacques Génereux, dizendo que vivíamos em um mundo que talvez nos desse medo! A professora Viviane Forrester dizia que coisas como o desemprego e a pobreza não seriam fatalidade tecnológica nem punição imposta pelas potências estrangeiras. Eram consequência de opções políticas, de opções coletivas. Mas como é possível optar pelo horror?, perguntava Génereux. Inclusive como é que uma democracia pode ser capaz de impor um mundo inaceitável aos eleitores? Tal eventualidade parece inconcebível a qualquer lógica. E quando não se pode conceber que governos democráticos escolham o desemprego e a pobreza e imaginar uma maioria de eleitores votando em coisas dessa ordem, o horror econômico nos foi imposto pelas circunstâncias pelo resto do mundo, pelo nosso todo, menos por nós mesmos, obviamente.

O surgimento e a ascensão das traders, principalmente nos anos 1970, haviam sido marcados pela instabilidade financeira crônica, ocasião em que as moedas flutuantes, a inflação crescente, as políticas econômicas do chamado stop and go e as taxas de crescimento declinantes reduziram uma indesejável volatilidade, a qual tornava o ‘mercado acionário’ um lugar extremamente perigoso para os investidores de qualquer área. O boom das cinquenta melhores empresas do ano de 1972, com valor alto demais, teve como consequência um drástico declínio do mercado, com inflação alta e baixo crescimento. As ações não despertaram interesse especulativo do público. Em janeiro de 1979, após a invasão dos soviéticos ao pobre e atrasado Afeganistão, o preço do ouro caiu para US$ 875 a onça. A formação do pool da prata e suas acumulações posteriores fizeram o valor de mercado desse metal subir dez vezes, um absurdo surpreendente mesmo para a época. Contudo, a intervenção do Federal Reserve lancetou a bolhae o preço da prata tornou a cair nos anos 1980, acarretando prejuízos de mais de US$ 1 bilhão, pondo fim no pool. Ainda na década de 1970, muitos bancos de investimento dos EUA, incluindo o Morgan Stanley, se transformaram em companhias de capital aberto. Empresas tiveram acionistas desconhecidos e assumiram responsabilidade maior diante do quadro de acionistas. Os lucros foram maximizados de maneira rápida.

Na década de 1980, os negociadores estavam governando Wall Street. Aqueles que também prosperavam fora do mundo dos bancos de investimento, com avanços nas comunicações, com o advento do computador, a “traquitana diabólica” (Kowarick, 1975) e sua surpreendente infomotricidade, filha da infotecnologia emergente, impeliram o crescimento dos chamados fundos hedge, sociedades privadas de investimento que fugiam da regulamentação. O mais bem-sucedido desses fundos, o Quantum Fonda, criado em 1973 por George Soros, acabou reduzindo os retornos anuais médios, superiores a 25% em relação às suas posições alavancadas (a palavra de ordem em meio ao jogo do capital, em diversos mercados de ações, obrigações e moedas).

Tal quadro era a aceleração do fator tempo em um mundo marcado pela infomotricidade. E no Brasil/Brazil o fenômeno tomava corpo, envolto em uma mistura cada vez mais caudalosa de afrodescendência, lusodescendência na pós-abolição em que se vivia, fazendo do social e do sociocultural nas periferias do urbano um verdadeiro retrato do descontrole. Ao redor, tudo mudava rapidamente e não havia sequer um desenho de seus resultados mais imediatos para um mundo globalizante ou que se estava passando pela fase da globalização.

Acerca do aspecto da globalização, a professora Viviane Forrester dizia que esses conceitos eram ditados em bens públicos globais: corporação internacional no século XXI seria a Global Public Goods: International Cooperation in the 21st Century, de 1999, editado por Inge Kaul, Isabelle Grunberg e Mark Stern, para a Oxford University Press (Henderson, 2003). Hoje em dia, no Brasil vivemos em um mundo global, absolutamente novo e novidadeiro, em que o ‘tudo’ dança no jogo do capital com o ‘todo’. A velha mão de obra oriunda da senzala foi e/ou está sendo substituída paulatinamente pelo ‘cérebro de obra’. Ela não se apresenta sistemicamente, mas se faz presente nos pequenos hábitos, costumes. E marca largamente os bens e serviços financiados e produzidos coletivamente, que são necessários ao desenvolvimento, à sobrevivência e à segurança, como estamos familiarizados. Assim, se definem bens públicos globais com a inclusão dos excluídos, cujos benefícios se estendem para além-fronteiras. Vão inclusive para ultrapassar os patamares da defesa, saúde e educação, paz, ambiente etc., todas essas externalidades negativas, que foram tratadas em nível global na passagem lenta dos regulamentos, leis e tratados mencionados na ação global. Sabemos que ficou demonstrado que desde a assistência à saúde e à educação até a segurança nacional e à defesa militar, ficou claro que prevenir é uma saída muito boa.
Talvez o ‘medo’ que ronda todos os setores da sociedade da ‘ordem’, diante de tamanha existência, ainda não total e eficientemente definida, cause espanto e confusão ao mundo moderno. Podemos ver na relação entre polícia, repressão e comunidade e a maneira de agir da polícia diante da comunidade e sua defesa. Tudo isso, como reflexo em nosso ‘tudo’(Oliveira, 2002), que se vê agora envolto em uma nova roupagem de localismos globais (Cortezão, 2003), tendo que inexoravelmente dialogar com globalismos locais para uma inserção social mais efetiva (Forrester, 1997), tanto do local para o global quanto no inverso.

No que concerne à utilização de novas tecnologias surgidas nos anos 1980 e 1990, Brasil e América Latina ficaram atrasados. Basta comparar os chamados tigres asiáticos, principalmente Coreia do Sul e Taiwan. Não se pode continuar com tais cenários, sob pena de amargarmos sempre tristes consequências sociais por aqui.

Referências

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Publicado em 22 de junho de 2010

Publicado em 22 de junho de 2010

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