Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

José Saramago e a Finitude Indesejada

Luis Estrela de Matos

Professor e escritor

É uma sensação curiosamente estranha. O finito ficar ainda mais finito. Quando perdemos um Tom Jobim, quando se despede de nós um Carlos Drummond de Andrade, a gente fica com a sensação de precariedade ainda mais à flor da pele. O existir torna-se um sopro que, de um instante para outro, pode não mais acontecer. O existir torna-se precário em toda sua totalidade. Olhamos ao redor e percebemos o precário da própria vida. E agora fico sabendo de José Saramago. Deixou de existir. Tornou-se radicalmente precário.

Pouco me importa se ele tinha 87 anos. Pouco me importa o estilo ser assim ou assado. Saramago é singular. Tem coisa de homem raro nele. Tenho certeza de que Saramago é daqueles escritores que leva junto com ele o homem José Saramago. E isso torna a perda ainda mais perda. Fica-se sem porquê. É uma despedida sem aviso, como se tudo existisse para sempre existir. É que a força de uma vida não pode ser medida. Logo, ilusoriamente (ou seria necessariamente?) infinita. E uma despedida toda especial. Despedida (quem sabe?) de valores e ideais realmente importantes . A vida se empobrece e a gente olha em volta e não sabe nem com quem comentar a morte. Afinal, se Kaká tivesse morrido esta manhã, o que seria de nossa seleção? E teríamos conversas intermináveis, bate-papos e mais bate-papos sem fim. As praças públicas, hoje muito mais de mendigos e consumidores de substâncias não ortodoxas, ficariam repletas de pessoas discutindo e bravejando sobre o futuro do Brasil via seleção brasileira...

Qual é a perda, então? Parece que José Saramago era uma resistência a essa grande corrente que só diz sim: sim à violência planetária, sim à destruição das culturas, sim ao enxugamento visível do espaço afetivo dentro das relações humanas e também do espaço afetivo com a gente mesmo. Sim à mercantilização de tudo e de todos, sim ao Deus dinheiro, à Deusa do Poder. Sim a tudo que seja fácil, tranquilo, descartável e, de preferência, indolor. O prazer mais fútil e veloz no lugar de qualquer coisa (ainda que minimamente pensada...). Alguma coisa estava fora do lugar (e continuará... sempre?) e Saramago nos dizia isso através de seus livros...

Enfim... O finito mais finito ainda. É como se o universo se encurtasse um pouco mais e a gente não soubesse o que fazer do instante seguinte. É como se toda a labuta diária perdesse o sentido. Corre-se tanto, não é? A morte de Saramago é aquela paradinha de 24 horas de fúria metropolitana, nos dizendo que as coisas não são bem assim. Talvez, pense algum possível leitor, eu esteja exagerando. Mas, complementando também, só posso falar a partir de mim. Este eu que ficou hoje, aos 18 de junho de 2010, bem mais finito do que gostaria. É assim mesmo. O gosto de finito na boca e a sensação de precariedade em todos os poros. É assim mesmo.

Será?

Publicado em 29/06/2010

Publicado em 29 de junho de 2010

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.