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Porque a vitória não basta

Pablo Capistrano

Escritor, professor de filosofia do IFRN

Quando a gente publica artigos em jornais ou na Internet sempre se expõe a recriminações. Neste tempo de euforia nacionalista, que vem sazonalmente em época de copa do mundo, levantar questões sobre a pertinência de torcer ou não pela seleção canarinho pode soar muitas vezes como uma espécie muito peculiar de imprudência particular.

O fato é que minha relação com a seleção brasileira não é pacífica. Vou confessar... Torço mais pelo Flamengo ou pelo América de Natal do que pela seleção. Com a seleção meu amor é condicionado.

Eu sei que o Brasil mudou. Não vivemos mais no país da minha infância e essa não foi apenas uma mudança externa. Algo da intimidade cultural de certo Brasil utópico se perdeu nesses anos. Tornamo-nos mais tecnológicos, mais ricos, mais inseridos no mundo globalizado, mais competitivos, mais agressivos, mais violentos. A violência, a propósito – que sempre existiu de modo latente em nossa constituição social –, de vez em quando emerge à superfície de nossa experiência coletiva e nos leva a sermos mais defensivos, mais sisudos, mais desconfiados, mais sérios do que comumente gostaríamos de ser. Perdemos um pouco da nossa alegria, um pouco da nossa espontaneidade, um pouco de certa inocência crua que parecia costurar uma parte substancial de nossa sociabilidade.

Esse novo Brasil, rico, violento, competitivo, capitalista, objetivo e pragmático rivaliza um bocado com aquele Brasil romântico, da alegria e da vontade de viver que tanto seduzia o mundo. Eu sei... Eu sei... Você vai me dizer que essas são algumas das mitologias sociais que constituem os povos e que uma análise desse tipo não suportaria uma leitura sociológica rigorosa. Mas, com o perdão da expressão, de análises sociológicas rigorosas o inferno está cheio e eu não estou muito interessado nessa crônica no mundo das exatidões científicas.

Se a mitologia do Brasil romântico morreu nessas novas esquinas pós-modernas, ao menos no futebol, entre as linhas do campo, sempre que começa uma copa do mundo, sou possuído por certa saudade de um tempo utópico. Eu sou um daqueles que se frustra e se entedia profundamente quando vê que, também no campo, o pragmatismo competitivo se levanta e engalfinha o sentimento estético do mundo (nossa mais significativa marca cultural).

Observando a postura de Dunga com a imprensa, pensando na política de clausura a que os quinhentos volantes da Seleção estão submetidos na África do Sul, imagino que corremos, mais uma vez, o terrível risco de nos vermos reduzidos a uma lógica da retranca italiana.

Dunga é essencialmente um zagueiro. Ele carrega isso tão ligado à sua própria natureza que até em suas entrevistas a postura do zagueiro aflora de modo atávico. Dunga se adianta às perguntas dos repórteres e antes que as críticas apareçam, ele já se defende. Antecipar o ataque é uma das grandes artes cultivadas pelos melhores defensores em campo. Grandes zagueiros sabem prever o comportamento dos centroavantes, dos laterais ofensivos e dos meias criativos. Eles precisam estar no canto certo na hora certa para impedir a jogada dos oponentes. Eles precisam antecipar-se para estancar o avanço inimigo.

Nossa seleção em 2010 é antes de tudo a seleção de Dunga. Ela tem o seu perfil, a sua essência, o seu modo de pensar. Para quem não gosta de futebol e só assiste jogos na época da Copa com o único objetivo de torcer pelo Brasil, nada disso faz muita diferença. O importante é a vitória, a festa, a cachaça e os inevitáveis feriados no meio de semana. Para quem gosta de futebol, para quem ainda sente saudades de um Brasil que não tinha medo da derrota, que não se curvava ao apelo pragmático das vitórias funcionais e que insistia em transformar nossa vida banal em um instigante e assustador exercício dramático, isso faz toda a diferença. A arte existe porque a vida não basta. No mundo do futebol, o Brasil existe porque a vitória não basta.

Publicado em 29/06/2010

Publicado em 29 de junho de 2010

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