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Aprender a (gostar de) ler
Alexandre Amorim
Um dia, a televisão anunciou que ia passar o Sítio do Pica-Pau Amarelo. Perto dos onze anos, Alexandre ficou feliz de saber que o programa tinha dois horários e que, depois da escola, ia poder ver aquela história de que sempre ouvira falar, mas nunca tivera coragem de ler. Eram doze livros comprados pelo pai, com letras grandes e cheios de gravuras, mas que pareciam muita coisa para quem ainda tinha os deveres de casa e os livros da escola. As aventuras em ilhas desertas, o escoteiro Bila e as traquinagens de Tom Sawyer eram histórias que faziam Alexandre gostar de ler e até tentar aprender a datilografar na máquina Olivetti Lettera 32 de sua mãe para poder escrever suas próprias histórias de detetives e mistérios. Mas no dia em que a música de Gilberto Gil começou a tocar na televisão, anunciando a transposição da imaginação de Monteiro Lobato de livro para o audiovisual, ele assistiu ao programa inteiro maravilhado. Ficou impressionado com as imagens daquela menina que dormia na beira de um rio e acabava por mergulhar no reino das Águas Claras, onde sua boneca ganharia vida e voz.
Porque ele já gostava de ler, pensou que devia ser bom procurar aquela história no original, e foi assim que, durante meses, o menino lia e via o Sítio do Pica-Pau Amarelo. Meio envergonhado, se achando um pouco velho para aquela literatura infantil, mas devorando cada página e se emocionando a cada sermão de Dona Benta, estranhando poder haver uma boneca tão malcriada que fosse ao mesmo tempo tão querida, desejando ser aquele menino de bodoque que passava as férias inteiras no paraíso. Desejando, não: todo ano ele ia para o interior de Minas, e se imaginava sendo Pedrinho.
Alexandre cresceu e aprendeu a gostar de tantos livros que não havia mais espaço em sua casa para tantas estantes. Mas ele insistia. Quando sua filha nasceu, ele lia Monteiro Lobato e contava histórias inventadas, de piratas que viajavam à noite para a lua e de peixes que falavam e podiam cruzar mares e rios e muitas vezes apareciam nos chafarizes, para encontrar seus amigos humanos. A filha ouvia as histórias, pedia para ouvir as preferidas de novo, pedia para mudar o final de outras e, mesmo depois de aprender a ler, ainda dormia com as narrativas do pai. O tempo passou e a menina já escolhia os livros que queria comprar sozinha. E eles discordam das preferências literárias. Ela coleciona romances açucarados e ele prefere os contos fantásticos. Ela não entende aquelas histórias sem pé nem cabeça, ele não consegue gostar de historinhas que sempre têm o mesmo final. Mas sempre que almoçam juntos discutem a mesma coisa: as histórias que estão lendo.
O engraçado é que pai e filha tiveram influências da televisão, e não sabem por que tanta gente reclama dela como culpada da falta de leitura das pessoas. Eles veem séries de TV juntos, vão ao cinema, conversam, e mesmo assim resta muito tempo para ler seus livros preferidos. E discutir sobre eles.
E, hoje em dia, a menina tem um irmãozinho de três anos. Alexandre também conta histórias para o pequeno, mas ele insiste em saber tudo sobre o lobo mau e o lobisomem, e não resta muito espaço para outras ficções. Às vezes, o pai conta histórias em que os canídeos são bonzinhos, mas incompreendidos. Mas muitas vezes o menino pede a história para valer, com toda a maldade que existe no coração desses monstros. A irmã mais velha gosta de ouvir as histórias, ri das invencionices do pai e de vez em quando ela mesma conta para o irmãozinho uma trama que ela inventa ou se lembra da infância.
E assim o pai se sente orgulhoso de ver que os filhos vão, aos poucos, aprendendo a gostar de ler. Porque gostam de narrativas, de enredos, de histórias que os façam imaginar novas histórias, que os façam ver como o mundo pode se transformar. E porque, aos poucos, eles vão entender que para aprender a gostar de ler não basta abrir um livro, mas saber que aquele livro é mais um caminho que o mundo oferece.
Publicado em 03 de agosto de 2010
Publicado em 03 de agosto de 2010
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