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A praça é nossa

Mariana Cruz

Perto da minha casa tem uma praça. Comecei a frequentá-la quase diariamente, depois que minha filha nasceu. Antes, essa praça significava apenas um espaço aberto livre de prédios. Hoje é um dos locais mais importantes da minha vida de mãe recente. Uma espécie de “escola” ao ar livre, onde minha filha se socializa com as outras crianças, desenvolve sua capacidade motora, subindo e descendo dos brinquedos, brinca com a terra, senta no chão, aprende a dividir seus brinquedos, a brincar de roda e a cantar cantigas. À tarde o público muda: a pracinha passa a ser o point dos adolescentes, estudantes de uma escola pública das redondezas que utilizam o local para as funções características da idade: matar aula, falar abobrinhas, namorar (ou ficar, como dizem) e fumar cigarros. E durante os três turnos, senhorinhas e garotões passeiam com seus cachorros. As primeiras, geralmente, com cachorros pequenos cheios de lacinhos nas cabeça; os outros, com uns cachorros robustos com cara enfezada e, não raro, parecidos com os donos. A praça é um local de todos e de ninguém. Em meados do ano passado, as mães organizaram-se e fizeram uma festa junina para as crianças, com trajes e comidas típicas, bandeirinhas e quadrilha. No fim do ano, foi a vez de preparar a vinda do Papai Noel, que chegou com um saco repleto de brindes (daqueles baratinhos comprados no Saara) que as crianças recebiam como se fossem presentes valiosíssimos. Pareceu-me ter sido uma experiência inesquecível para elas, seja devido à alegria causada pela aparição do mito naquele lugar tão próximo delas, seja pelo pânico causado nos mais novinhos, como minha filha, que, cega de medo, nem percebeu que o bom velhinho era ninguém menos que seu pai.

Hoje, principalmente nas cidades grandes, como o Rio de Janeiro, a violência e o abandono fazem com que cada vez menos crianças brinquem nas praças. As brincadeiras seguem existindo, os locais é que mudaram: estão cada vez mais restritos às quatro paredes do quarto, ao pé direito baixo dos playgrounds, ao elitismo dos clubes ou aos parquinhos dos shoppings – ironicamente chamados por uma amiga de “depósito de crianças”. Aí não vai nenhuma crítica a tais lugares, pois os pequenos adoram e isso é que importa.

O problema está na substituição gradual das praças por tais locais e no esquecimento da função principal delas como um lugar de socialização, recreação, integração, gratuito e aberto a todos os cidadãos. As praças passam, assim, a apresentar um círculo vicioso: abandono→infrequência→infrequência→abandono.

Utilizá-las para realizar cenas culturais e eventos sociais é exercer a cidadania, é apropriar-se do que é seu e de todo mundo, é estreitar as relações com as pessoas que moram no bairro e ganhar força para fazer melhorias, questionar, refletir a respeito do local onde se mora. Um exemplo disso foi vivido recentemente por mim. Havia alguns dias que o órgão responsável pela limpeza havia deixado de enviar os garis para a pracinha; rapidamente o local ficou uma sujeira e, junto a isso, os balanços estavam quebrados e a pintura dos brinquedos, descascada. Já acostumada a uma postura pró-ativa em relação à pracinha, entrei no site da Fundação Parques e Jardins e mandei um e-mail relatando a situação de abandono da praça; outra frequentadora reclamou com um gari que limpava lá por perto e uma terceira ligou para o órgão responsável pela limpeza do local. Dois dias depois, não sabemos bem devido a qual das intervenções, a pracinha estava limpa, os brinquedos consertados e pintados.

Da mesma forma que reclamamos com órgãos responsáveis pelo cuidado do local, as pessoas físicas que fazem má utilização do espaço comum também devem ser chamadas à atenção, como os donos de cachorro que não limpam os excrementos de seus animais ou daqueles porquinhos que teimam em jogar lixo no chão, mesmo que haja uma lixeira a poucos metros. Isso é educar as pessoas e conscientizá-las de que aquele espaço lhes pertence e, por isso, deve ser cuidado.

Aos poucos, fui sabendo de muitas outras coisas que acontecem naquela praça: comemorações de aniversários das crianças, troca-troca de livros infantis uma vez por mês, reuniões de moradores para discutir problemas do bairro e tantos outros eventos que fazem com que as pessoas deixem de exercem seus papéis de mães, pais, trabalhadores, estudantes e se posicionem como cidadãos, criem novas relações entre elas, não fiquem fechadas em guetos, trancadas em salas refrigeradas, e ganhem também o espaço da rua.

Da ágora para os pátios escolares

As praças têm a importante função de unir as pessoas. Isso acontece desde a Grécia Antiga. Em Atenas, o destino da cidade era decidido na assembleias feitas na praça pública (ágora); para lá se dirigiam homens livres e faziam seus julgamentos, emitiam suas opiniões, praticavam a retórica, decidiam qual encaminhamento a cidade (pólis) deveria seguir.

Assim como em Atenas (onde a ágora era o palco da democracia) ou no microcosmo da pracinha (onde decisões são tomadas pelas pessoas, independentemente da função que exercem em suas vidas privadas – crianças, babás, mães, todos lá dão seus pitacos), tal modelo pode ser vivido também nas escolas, em algum espaço comum que exista lá, como o pátio, por exemplo. Uma tentativa de fazer com que alunos, professores, funcionários e diretores possam expor seus pontos de vista, tomar decisões juntos, discutir as normas de convivência escolar, de modo que esses diferentes segmentos comprometam-se intrinsecamente com o cotidiano da escola. Além de estimular na comunidade escolar a capacidade de argumentação, de entendimento, exposição e escuta, quebra-se assim a muralha que existe entre esses diferentes grupos, que muitas vezes não dialogam e desconhecem o que pensam os outros. Tal experiência pode ser uma forma prática de trazer a democracia e o exercício da cidadania para dentro dos muros da escola de maneira tão ou mais eficaz que a ensinada nos livros de História.

Publicado em 26 de janeiro de 2010

Publicado em 26 de janeiro de 2010

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