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Auspícios de Caos
Pablo Capistrano
Da Guia, a senhora que cozinha lá para casa, está com medo do tsunami. Ela, que trabalha no meu apartamento, no décimo andar de um prédio em Ponta Negra (zona sul de Natal), olhando para o mar, tem medo que, de um momento para outro, o mar, adormecido, acorde e afogue a terra com seu hálito salgado.
O sentimento de Da Guia não é novo para a humanidade.
Desde os tempos sombrios da espécie, quando começamos a espalhar nossa semente pelo mundo, desconfiamos da estabilidade natural. Nossas práticas religiosas, na grande maioria das vezes poderosos mecanismos de cura e sustentação psicológica diante do medo da morte e do caos, nascem dessa desconfiança nas boas intenções da nossa mãe em nos manter confortavelmente sob sua proteção.
Eu particularmente discordo quando se afirma que essa sensação de fim do mundo é criada pela mídia. A repercussão das notícias sobre catástrofes naturais que põem em risco a estabilidade do mundo humano, como furacões, tremores de terra, enchentes avassaladoras, explosões vulcânicas, está enterrada até o talo na memória coletiva da humanidade.
Quando eu era criança, lembro que um dos mais inquietantes pesadelos que eu tinha era com a subida do mar (e isso foi antes dessa coisa toda de aquecimento global). A invasão da maré que inundava a cidade em que eu vivia produzia uma das mais assustadoras imagens pictográficas que eu guardo na lembrança.
O cinema-catástrofe e agora o noticiário-catástrofe não criam essas sensações. Eles apenas as manipulam e as direcionam em suas ilhas de edição. Do mesmo modo, a consciência de que a loucura natural pode ser produto da ação do homem não é uma novidade. Esse distúrbio egocêntrico é inerente à nossa espécie. Nós nos achamos o máximo. Somos desestabilizadores, essenciais, ameaçadores, vitais, criativos, mais inteligentes entre os seres, terríveis marginais biológicos.
O delírio humanista que põe o homem – para o bem o para o mal – como elemento central da trama natural neste planeta; acompanha-nos desde a época em que os antigos romanos explicavam a destruição de Pompeia e Herculano como uma consequência natural da impiedade dos homens que desagradavam seus deuses com sua arrogância.
Em muitos aspectos nós realmente nunca fomos modernos.
Quando a Europa para por causa da explosão de um vulcão, as explicações antrópicas (aquelas que dizem que o homem é responsável absoluto pela loucura do clima) são suspensas, como em uma daquelas incômodas crises de soluço. A sensação é de que, por mais que a influência da era industrial nos destinos biológicos do planeta seja significativa, ela não chega aos pés do poder geotérmico que dorme no subsolo profundo da Terra.
Se há uma diferença entre o homem e os outros animais é que o homem não está apenas no mundo. O homem tem um mundo. Nosso mundo humano. Nossa casa antrópica. Nosso apartamento de décimo andar, nossa mansão no condomínio fechado, nosso barraco na borda do abismo. Por mais que o mundo humano avance sobre o mundo natural, ainda somos pequenos diante do que nos circunda.
O homem é um animal que não deu certo. Um pedaço biológico do mundo que se afastou dessa grande casa por um distúrbio anatômico que nos presenteou com esse cérebro grande e confuso. Fizemos coisas maravilhosas com esse cérebro, esse coração, esses olhos e essas mãos, mas de vez em quando precisamos nos conformar com a fragilidade de nosso mundo. Quando cidades afundam em um mar de lama e os céus das grandes potências industriais são tingidos de cinza-vulcão, é sinal de que está mais do que na hora de a humanidade rever seus conceitos. Especialmente sobre o seu próprio mundo e sua tão autobadalada importância cósmica.
Publicado em 31 de agosto de 2010
Publicado em 31 de agosto de 2010
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