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DANTE MILANO : UM SALMO PARA UM TOURO ESQUECIDO

Luis Estrela de Matos

Escritor e professor universitário

Que exista Bandeira, tudo bem. Drummond, idem. Nada contra Ferreira Gullar. Mas nem só de Castro Alves, Mário Quintana e João Cabral de Melo Neto, vive a nossa poesia. É fundamental que se acorde para as demais vozes de nossa literatura. Isso de ficar iconizando este ou aquele artista mais parece coisa de futebol: Zico é melhor do que Pelé que era melhor do que Garrincha etc. etc. etc. A cultura do the best entranhada em nossas veias. Por isso proponho aqui outro nome, outra voz, outra escrita, enfim, outra lembrança: Dante Milano (1889-1991). Sem rótulos, arriscaria dizer: do melhor modernismo e praticamente inclassificável. Adeus, vestibulares do Brasil. Leia:

Ao tempo

Tempo, vais para trás ou para diante?
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,
Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida

A um tempo aproximando e distanciando...
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando

Tempo, vais para diante ou para trás?

Não sei o que o tempo pode nos fazer, mas sei que pode nos emburrecer. E sei que Dante Milano é força atemporal. Graciliano Ramos? Mário de Andrade? Jorge Amado? São todos bons. Quem os negaria? O assunto é outro. Estamos em outra pista. Sigamos. Permita-se:

Ado Malagoli

Paragem


Com os meus bois,
Os meus bois que mugem e comem o chão,
Os meus bois parados,
De olhos parados,
Chorando,
Olhando...
O boi da minha solidão,
O boi da minha tristeza,
O boi do meu cansaço,
O boi da minha humilhação.
E esta calma, esta canga, esta obediência.

Menos obediência aos manuais literários e ao material indicado pelos pequenos cantinhos de jornal que um dia chamou-se crítica literária. Livrar-se dos 10 melhores disto, 100 melhores daquilo... Menos veja e istoé e mais pesquisa, descoberta individual. Aventura. Aventure-se. Livrar-se da canga é coisa necessária. Um touro é mais do que fundamental. As arenas? Escolha as invisíveis... Um touro nunca se esquece de seus salmos.

Segue um último poema:

Salmo perdido

Creio num deus moderno,
Um deus sem piedade,
Um deus moderno, deus de guerra e não de paz.

Deus dos que matam, não dos que morrem,
Dos vitoriosos, não dos vencidos.
Deus da glória profana e dos falsos profetas.

O mundo não é mais a paisagem antiga,
A paisagem sagrada.

Cidades vertiginosas, edifícios a pique,
Torres, pontes, mastros, luzes, fios, apitos, sinais.
Sonhamos tanto que o mundo não nos reconhece mais,
As aves, os montes, as nuvens não nos reconhecem mais,
Deus não nos reconhece mais.

Dante Milano é um bom começo. Reconheça-se. As arenas estão aí. Olhe bem no dentro dos olhos de um touro. Tauromaquie-se.

Leia também, sobre Dante Milano:
http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/literatura/0040_12.html

Publicado em 31 de agosto de 2010

Publicado em 31 de agosto de 2010

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