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Leibniz e a forma substancial

Mariana Cruz

Na relação causal entre alma e corpo há uma harmonia prévia organizada por Deus. É assim que Leibniz explica como algo inextenso (alma) causa modificações em algo extenso (corpo). O corpo não é simplesmente uma união de órgãos, ou, indo mais fundo, um aglomerado de células; há algo a mais, que é justamente o que dá unidade a esse corpo – nada mais é que a alma. Um corpo sem essa unidade é como um corpo de um cadáver, isto é, apenas um aglomerado de células organizado de determinado modo. No caso do corpo vivo, pode-se afirmar – contrariando as leis matemáticas – que o todo é maior do que a soma das partes. Não há unidade real em uma cadeira, pois ela é um agregado de peças, de partes; o que dá essa unidade real é a forma substancial.

A alma ou a forma substancial é indestrutível e vem a existir apenas por criação. Leibniz crê que os animais irracionais são transformados em outros animais, tendo sido criados desde o início dos tempos, enquanto a alma humana é criada simultaneamente à formação do corpo. Ela seria uma cópia imperfeita da natureza divina e, por isso, diferente de todas as almas irracionais, pois, a exemplo de Deus, a alma humana tem a capacidade de reflexão.

O corpo em si é um ente plural; é introduzida por Leibniz a noção de forma substancial, a fim de que lhe seja dado o caráter de unidade. Na correspondência trocada entre ele e o filósofo e teólogo francês Antoine Arnauld (1612-1694), este afirma não ser possível compatibilizar a ideia de substância com a de substância corporal, pois como pode ser possível que algo que é em si um ente plural se transforme em algo que tem unidade intrínseca? Leibniz, ao perceber a incongruência de tal conjunção, abandona o conceito de substância corporal e eleva o de forma substancial. Ele se dá conta de que as únicas substâncias que existem são as formas substanciais (que posteriormente ele irá chamar de mônadas).

Os próprios corpos, tomados como meros corpos, não podem ser considerados substâncias, ou, como escreve Leibniz na correspondência para Arnauld (28/11-08/12/1686), “o nosso corpo em si mesmo, a alma colocada à parte, ou o cadáver não pode ser chamado uma substância senão por abuso, como uma máquina ou como um amontoado de pedras”. Sendo assim, vemos que o corpo não possui verdadeira unidade; esta se dá apenas através de nossa alma, o que quer dizer que a unidade do corpo é dada por algo que não ele mesmo, e sim por algo distinto dele. Ao diferenciarmos corpo e alma, vem a questão: como a alma poderá instaurar unidade em algo distinto dela? Em outras palavras: como é possível que a unidade, que é uma característica essencial do corpo, seja nele introduzida por algo diferente dele (a alma)?

A matéria por si só é um mero fenômeno; é a substância animada à qual essa matéria pertence que é verdadeiramente um ser. Pode-se então notar uma mudança no pensamento de Leibniz: não mais as formas substâncias que produzirão unidade nos corpos.

Após perceber essa dificuldade, Leibniz mudou um pouco seu sistema e colocou como elementos fundadores da realidade as mônadas, que seriam unidades inextensas – por conseguinte, imateriais – das quais os aglomerados formariam os corpos. Sendo assim, todos os corpos seriam constituídos de mônadas. Disso, contudo, não pode se concluir que de a todo corpo físico se possa atribuir uma forma substancial; esta seria uma característica só dos corpos vivos. Em cada pedaço de matéria existe vida, mas isso não quer dizer que cada pedaço de matéria seja um organismo vivo. Apesar de os corpos serem constituídos a partir das mônadas, estas não existem separadas deles. Segundo Leibniz, elas sempre estão ligadas a corpos. A única inteligência separada dos corpos é Deus; todo o restante se encontra junto aos corpos orgânicos.

Leia também: Leibniz, os mundos possíveis e as mônadas.

Publicado em 14 de setembro de 2010

Publicado em 14 de setembro de 2010

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