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Breve reflexão sobre o conceito da colocação, um estudo contrastivo de uso: português-árabe

Lahcen EL MOUTAQI

Doutorando, no Marrocos

Orientador: Dr. Okab Abdessalam

Introdução

Este trabalho é resultado de uma inquietação resultante da minha experiência como professor de língua portuguesa para árabes. Tenho percebido que ler um diálogo ou um texto retirado do livro de português muitas vezes preocupa o iniciante dessa língua. Essa preocupação decorre da atitude do estudante diante das expressões e das colocações vistas pela primeira vez. Nesse sentido, procurei observar alguns conceitos. Trata-se da preocupação perante o significado das afirmações e do uso, bem como da motivação para a aprendizagem no âmbito da língua.

Averiguar as causas dessa preocupação não é, no entanto, nosso objetivo. Ainda assim, parece pertinente lembrar que há fatores psicológicos que afetam o processo de aprendizagem e aquisição de uma língua estrangeira.

Ellis (1992, p. 100), por exemplo, fala de fatores pessoais e fatores gerais, os quais, por sua vez, têm aspectos sociais, cognitivos e afetivos. Os fatores pessoais abarcam as características peculiares de cada individuo para aprender uma segunda língua, enquanto os fatores gerais são características presentes em todos os aprendizes, havendo os fatores gerais (como a motivação) e os não modificáveis (como a aptidão).

Os aspectos sociais, segundo Ellis, são externos ao aprendiz e envolvem a relação entre ele (o aprendiz) e outros falantes. Os primeiros dizem respeito à natureza das estratégias empregadas pelo aprendiz para resolver problemas, enquanto os últimos abrangem as respostas emocionais resultantes das tentativas de aprender uma segunda língua. Como se vê, o processo de aprendizagem e aquisição de uma língua estrangeira envolve várias questões psicológicas.

Sem entrar nessas questões nem procurar desvendar o problema, nossa preocupação é tentar delimitar essa situação, tornando o aluno mais confiante ao enfrentar o vocabulário de um texto ou um diálogo.

O que temos observado é que o escopo do estudo de vocabulário parece ser maior do que conhecer as palavras, pois em um texto há grupos de palavras cujo significado não resulta sempre da soma dos significados das palavras que formam esses grupos. Cada grupo representa uma unidade lexical. Por exemplo: em português, "saber de cor", "secretária eletrônica", "prestar contas", ou, em árabe, "al hifd", "tasgil al Eliktronic", "rud Balk". Consequentemente, conhecer as palavras de um texto pode não ser suficiente para lê-lo, isto é, compreendê-lo em sua inteireza.

Ler o texto implica decompô-lo não em palavras, mas em unidades lexicais significativas, unidades essas muitas vezes formadas por mais de uma palavra. Enfrentar um texto não seria, então, enfrentar o vocabulário enxergando palavras isoladas, mas enfrentar o vocabulário enxergando unidades lexicais.

Tomamos a noção de enxergar na acepção que ela tem no provérbio "Some people cannot see the wood for the trees", que se traduz, de acordo com Streinberg (1985, p. 87), por: "algumas pessoas não enxergam o bosque por causa das árvores". Em outras palavras, muitos alunos enxergam palavras – as árvores –, mas não enxergam unidades maiores, isto é, o todo – o bosque.

Com o objetivo de entender esse complexo vocabulário com que os alunos parecem se preocupar, este trabalho se concentra na noção de léxico ou vocabulário que acreditamos deva permear o ensino e a aprendizagem de um estrangeiro. Essa noção inclui, grosso modo, unidades lexicais – umas formadas por uma só palavra, e outras pela combinação de várias palavras.

Dentro dessa noção, este trabalho se concentra basicamente em um tipo de combinação que chamamos de colocação. As colocações configuram-se como grupos em que duas ou mais palavras coocorrem – ocorre juntamente – tendo por função explicar ou definir algo.

"Substantivo é a palavra com que designamos ou nomeamos os seres em geral" (Cunha & Cintra, 1985, p. 171).

Os itens lexicais a seguir exemplificam o que chamaremos de colocação denominadora, em português e em árabe:

Português Árabes
Conta bancária المصرفي الحساب
Conta corrente (Jari) حساب
Conta poupança (çunduk) التوفير
Bolsa de valores البورصة
Carteira de motorista القيادة رخصة
Sexta feira santa (Al Muhadama) الجمعة

Nos três primeiros exemplos, em árabe, observa-se que a expressão conta corrente coocorre com as palavras banco, em português; coincidentemente, conta corrente coocorre, com as palavras da língua francesa e não árabe, como segunda língua.

No segundo bloco de exemplos, as colocações em árabe traduzem-se para o português, porém não de forma literal.

Os exemplos ilustram a possibilidade de uma colocação corresponder na outra língua a uma única palavra, demonstrando que uma colocação nem sempre se traduz por outra colocação.

Cada uma dessas coocorrências – combinações de palavras – forma uma unidade lexical que, como veremos ao longo deste trabalho, deve ser percebida e, eventualmente, aprendida ou adquirida pelo aluno como um todo para que ele a recupere como tal de sua memória quando se deparara com ela ou quando precisar mencionar o referente em questão.

Os termos aprendidos e adquiridos baseiam-se nos termos aprendizagem e aquisição, que podem ser sinônimos, segundo Ellis, se definidos como a "internalização das regras e fórmulas que são usadas para se comunicar na língua estrangeira" (Ellis, 1992, p. 292). Ellis acrescenta que "no entanto, Krashen (1981) usa esses termos com significados diferentes. Para Krashen, a aquisição consiste no processo espontâneo de internalização das regras que resultam do uso natural da língua, enquanto a aprendizagem consiste no desenvolvimento consciente do conhecimento de uma segunda língua através do estudo formal" (Ellis, 1992, p. 292).

Assim, aprendemos um idioma ao estudá-lo consciente e intencionalmente. Podemos, no entanto, jamais estudar essa língua e ainda assim adquiri-la, se, por exemplo, vivemos em uma comunidade que use essa língua diariamente.

A sala de aula é, portanto, um espaço formal de aprendizagem que pode gerar a aquisição da língua estudada.

No caso de enfrentar o vocabulário de um texto ou de um diálogo, quer em sala de aula, quer fora dela, o aluno se depara com unidades lexicais maiores do que uma palavra; se conhecidas, facilitam a leitura, pois ele as reconhece prontamente como blocos, como pedaços independentes praticamente indivisíveis. Temos percebido que enxergar esses grupos lexicais torna-se uma prioridade no ensino e na aprendizagem de uma língua estrangeira.

Dentro dessa preocupação com o vocabulário, aqui entendido como sinônimo de léxico, nosso estudo das colocações apoia-se em uma abordagem lexical, de acordo com a qual o ensino da língua pressupõe que se perceba esta como formada por unidades lexicais estocadas na memória do usuário e recuperadas quando ele quiser se comunicar. As unidades seriam recuperadas como bloco único e não criado a cada novo ato de comunicação.

Assim, pretendemos investigar as colocações no processo de ensino e aprendizagem de uma segunda língua, na esperança de que a visibilidade desses itens lexicais possa levar a preparar um manual escolar capaz de ajudar na aquisição e aprendizagem das colocações, sendo uma ferramenta útil nesse processo, que pretendemos explorar e aprofundar, com vistas a facilitar o uso e o ensino das colocações na língua portuguesa, com base nas situações sociais do estudante marroquino em particular e do falante árabe em geral.

1 - Conceito de colocação

O termo colocação pode ser utilizado em linguística com dois sentidos diferentes:

  • combinação frequente, preferencial ou usual de palavras (nomeadamente substantivo + adjetivo e verbo + substantivo); ou
  • combinação aparentemente livre de palavras, gerada a partir das regras da língua, mas onde se encontra qualquer tipo de restrição lexical determinada pela norma.

O termo foi usado pela primeira vez por J. R. Firth em 1957 e é empregado frequentemente na lexicologia inglesa de Halliday. Designa combinações frequentes de unidades lexicais fixadas na norma ou uma combinação de palavras que se distingue pela sua alta utilização, como desejar ardentemente etc., o que faz com que este tipo de construção seja catalogado como sendo unidade semi-idiomática.

Conforme uma colocação (ou semifrasema), que funciona como combinação, os critérios elaborados e aplicados estão em função do quadro teórico e do domínio prático, nos quais o fenômeno se situa. Para repercussão, as condições necessárias retidas influenciam os parâmetros definidos, entrando na definição da colocação motivada, o que provoca uma variação de definições do conceito de acordo com as abordagens e as questões iniciadas segundo Berman (1995), que considera que o conceito da colocação deve apoiar sua produção em dois momentos fundamentais: a experiência e a reflexão; o primeiro é a leitura que o aluno realiza da cultura da língua fonte para interpretar o conteúdo e a forma da colocação a ser transposta; o segundo passo é a reflexão, a análise que procura o mínimo de perdas semânticas e formais possíveis, superando assim os parâmetros tradicionais da teoria e da prática.

Os autores que utilizaram inicialmente a noção de colocação foram de língua inglesa: Firth (1957) e Sinclair (1991); tal conceito foi aplicado pela primeira vez em pesquisas linguísticas nos textos espanhóis por Seco (1978), Sinclair (1991) e Alfonso Ramos (2001). Em relação a estes últimos, o significado de uma colocação envolve o principio de livre escolha e o princípio idiomático.

O primeiro considera a colocação como resultado de um grande número de escolhas complexas, em que a única restrição é a gramaticidade. O segundo considera que o usuário de uma língua tem a seu dispor um grande número de construções pré-fabricadas e cada uma constitui uma unidade e escolha única.

Além do conhecimento gramatical, que permite produzir textos composicionalmente, é necessário conhecer um elenco de construções pré-fabricadas que potencialmente serão empregadas no texto, cada uma como unidade léxica.

Partington (1998) anotou que uma colocação não é a simples soma de palavras num determinado contexto, mas a soma de unidades léxicas, sejam quais forem seus tamanhos, significa ser um usuário da língua estrangeira menos capacitado, pois a colocação pré-fabricada deveria ser menos comum, já que não existem restrições de tempo tão rígidas, mas nos gêneros da forma escrita expressões pré-construídas são elementos vitais.

Para isso tratamos de apresentar um quadro muito geral da classificação semântica, correspondendo ao conceito colocacional, sendo tal conceito visto pelo lado da sua plurilexicabilidade, fixidez e em relação à composicionalidade semântica e expressividade (Tchobanova, 2004).

As colocações possuem certo grau de restrições combinatórias, determinadas pelo uso. São interpretadas como unidades estáveis e pré-fabricadas no sistema da língua.

Considerando as locuções como um tipo de colocação que expressa uma forma interna e uma unidade de significação, elas não são enunciadas completas; geralmente funcionam como elementos oracionais e têm muitos pontos em comum com as colocações. As locuções nominais e verbais envolvem o fenômeno fraseológico como unidades de comunicação; interagem como um ato de fala e interferem como fruto de combinações contrastivas entre o português e o árabe, classificando as colocações lexicais possíveis em função dos parâmetros semânticos e/ou sintáticos.

Quadro 1 - Colocações
Situação Português Árabe
Verbo+preposição+substantivo Declarar-se um incêndio اعلن النار
Adjetivo/substantivo+substantivo Momento crucial, visita relâmpago  الوقت الحاسم   
- زيارة خاطفة
Substantivo+preposição+substantivo Banco de peças مخزون قطع غيار
Verbo+advérbio+adjetivo nega terminantemente رفض رفضا قاطعا
Adjetivo+advérbio Oposto diametralmente العكس تماما

Fonte: Corpas Pastor (1995)

Quadro 2- locuções
Situação Português Árabe
Locuções nominais   Moscas mortas, panos de lágrimas, o que  diriam; الذباب الميت   منديل الدموع
وعلى ما يقولون
Locuções adjetivas Corrente e molemente, mais católico que o Papa,
de quebras e lágrimas
والطحونة الحالية
أكثر كاثوليكية من البابا فواصل والدموع - تقاطع والدموع
Locuções adverbais Gota a gota, derramando قطرة قطرة ، وسكب
Locuções verbais Estava indo
Começa a falar
كنت ذاهبا
بدأت في الكلام
Locuções prepositivas Graças a, embora que, bem que  لأنه ، على الرغم من
Locuções conjuntivas desde que, uma vez que منذ ذلك الحين ، منذ ذلك الحين
Locuções causais Porque, pois que, porquanto, já que لأنه , ماذا . منذ ذلك الحين

Fonte: Corpas Pastor (1995)

Quadro 3- Enunciados fraseológicos
Situação Português Árabe
Provérbios  A ambição cerra o coração طموح يغلق القلب
nomeações Médico, jornalista, professor طبيب وصحفي ومدرس
Fórmulas de rotina  Até logo, olá! حتى ذلك الحين ، مرحبا
Fórmulas de transição Para isso, vou لذلك ، وأنا
Fórmulas expressiva de desculpa Sinto muito آسف
Fórmula expressiva de consentimento Já o creio نعتقد بالفعل
Fórmula expressiva de recusa Nem fala لا يتكلم
Fórmula de agradecimento Obrigado
Que Deus lhe pague
gentileza
شكرا
لطف
Fórmula expressiva de solidariedade O que se leve a fazer أنا معك
Fórmulas de promessa e amenaza Já te apanharei وسوف أساعدك
Fórmula diretiva de exortação Largo de aqui     هنا   قبال
Fórmula diretiva de informação Tu dirás سوف أقول لكم
Fórmula diretiva de animo Não é, portanto, ولذلك ، ليس
Fórmula de ritual de saudar Que Deus abençoe  بارك الله
Fórmula ritual de despedida Cumprimento atentamente ou atenciosamente عناية
بسماحة

2 - Classificação semântica

Em relação ao aspecto semântico, as colocações se caracterizam por apresentarem casos peculiares, o que faz supor que, dentro do marco do ensinamento da segunda língua, as colocações reflitam uma série de dificuldades, seja no modo da codificação, resultado das transparentes ou na decodificação (Corpas, 1996, p. 81). Como assinala Marta Higueras, "precisamente porque são transparentes costumam estar integradas por palavras conhecidas, passam despercebidas para o aluno". Isso quer dizer que um falante nativo com um alto nível da língua pode apresentar um tipo de colocação como exemplo "fazer uma conversação", no lugar de "manter uma conversação". Essa característica é fundamental para mostrar o nível do desafio para o aprendiz, para aquele que se defronta com a particularidade de uso da língua. Isso envolve a memorização ou a repetição como ferramentas importantes no campo da aquisição, pois o fator da compreensão semântica torna o estudante hábil diante do tipo de colocação, e por ela se estabelece o critério de classificação tanto para sua apreensão como para sua manutenção dentro do contexto da aprendizagem. Isso possibilita uma variação das definições do conceito segundo as classificações e problemas abordados dos autores colocacionistas.

2-1 Classificação de Charles Bally (1909)

O primeiro linguista a fazer uma classificação dos fraseologismos, do ponto de vista estilístico e semântico, foi o suíço Charles Bally, aluno de Ferdinand de Saussure, o fundador da linguística moderna. No seu livro Traité de Stylistique Française (1909), ele fala de dois casos de combinação de palavras. As combinações livres e as combinações indecomponíveis, em árabe, respectivamente, agrupamentos livres e agrupamentos indecomponíveis.

Por um lado, as combinações livres decompõem-se imediatamente depois da sua formação, e as palavras que as constituem ficam livres para entrar em novas combinações. Essas combinações de palavras são temporárias, ocasionais e instáveis.

Por outro lado, as unidades indecomponíveis são combinações estáveis. As palavras que as constituem estão em relação estreita para exprimir determinada ideia; perdem a sua independência, tornam-se inseparáveis e têm significados só ligadas, ou seja, em conjunto (imediatamente/mais rápido) (em francês tout de suite).

Entre esses dois casos extremos situam-se muitos casos intermediários, que são difíceis de classificar. Entre eles se destacam vários grupos.

- Série fraseológica ou agrupamentos usuais (em francês, séries phraseologiques ou groupements usuels), como gravement malade, intimement lié, diametralmente opposé.

- Unidades fraseológicas (conferir: em francês, avoir lieu, em português, ter lugar "realizar-se, efetuar-se, ter cabimento"; o significado individual das palavras perde-se. As palavras formam uma unidade indestrutível. Nessa combinação o significado do todo não é igual à soma dos significados dos elementos. O significado é qualitativamente novo, resultado da combinação química entre as palavras, pois a coesão entre as palavras é absoluta.

As séries fraseológicas são combinações de palavras nas quais a coesão entre as palavras é relativamente livre. Como exemplos de séries fraseológicas, Charles Bally apresenta os seguintes grupos:

- Agrupamentos fraseológicos com determinantes de intensidade (série d’intensité): (conferir: calor sufocante /esmagador/tropical).

Neste caso, observa-se que cada um dos adjetivos tem um significado de intensidade, ou seja, designa o alto grau do conceito de "calor" (conceito de motivação, na linguística).

- Perífrases de verbos simples (perífrases verbais):

Sabemos que quase todos os verbos simples têm como correlata uma expressão composta: geralmente essa expressão contém um substantivo que deriva do mesmo radical (em francês: vaincre – remporter une victoire, decider – prendre une decision; em português: perguntar – fazer uma pergunta; responder – dar uma resposta; beijar – dar um beijo; anotar – tomar nota; berrar – dar um berro; decidir – tomar uma decisão etc.).

Esclarecendo os conceitos de séries fraseológicas e unidades fraseológicas, Charles Bally destaca as diferenças entre eles do ponto de vista estilístico.

O uso excessivo de grupos fraseológicos ou estereotipados é um indício da falta de originalidade no estilo. O estilo pessoal, criativo, evita os grupos fraseológicos banais, evita os clichês. Pelo contrario, o uso de unidades fraseológicas não afeta a expressividade do estilo. Elas imprimem ao texto maior significado emocional e expressivo.

Na classificação de Charles Bally, dedica-se maior atenção ao estudo dos tipos polares de combinação de palavras (combinações indecomponíveis e combinações temporárias), enquanto as categorias intermédias ou estereotipadas ficam menos definidas. A sua abordagem da fraseologia é sincrônica e se enquadra nitidamente no modelo estruturalista de análise. Tem o mérito de ser a primeira classificação estilística-semântica da fraseologia.

2- 2 A Classificação de Vinogradov

Outra classificação semântica que merece destaque é a de Viktor Vladimirovich Vingradov (1895-1969), fundador da primeira escola russa de fraseologia. As suas concepções sobre a fraseologia estão expostas em vários artigos publicados, sobretudo em Acerca dos tipos principais de unidades fraseológicas na língua russa, de 1947. Neste artigo o autor apresenta uma característica detalhada da estrutura semântica da unidade fraseológica e traça os principais fundamentos para a sua classificação.

O critério no qual assenta esta classificação é a correlação entre o significado do fraseologismo e o significado das palavras que o constituem.

Segundo essa tipologia, as colocações dividem-se em três grupos principais: fusões fraseológicas, unidades fraseológicas e combinações fraseológicas.

A fusão fraseológica (ou idiomatismo) caracteriza-se por ser uma combinação de palavras na qual o significado do fraseologismo não tem nada a ver com o significado das palavras que o constituem. O significado do todo não é motivado, ele é tão convencional e arbitrário quanto o significado da palavra simples. Na fusão fraseológica, a indivisibilidade semântica é obrigatória, enquanto a indivisibilidade gramatical é facultativa. Como exemplo, em português, podem apresentar-se os idiomatismos "bater as botas", que significa falecer, morrer; "tirar o cavalo ou cavalinho da chuva", que significa desistir de um intento; "meter os pés pelas mãos", que significa atrapalhar-se, confundir-se, contradizer, mentir...

É frequente, nas fusões fraseológicas, aparecerem palavras que já não se usam, ou arcaísmos gramaticais; esses arcaísmos, lexicais ou sintáticos, entretanto, não são sinônimos de fusão. O traço principal da fusão fraseológica é a sua indivisibilidade semântica, a impossibilidade absoluta de deduzir o significado do fraseologismo com base no significado dos seus constituintes. Estes perdem por completo sua indivisibilidade e se dissolvem no significado global.

Na unidade fraseológica há divisibilidade semântica e maior independência dos constituintes. O significado da unidade fraseológica está relacionado ao significado potencial dos constituintes; como exemplo desses tipos de fraseologismo podemos  apresentar as expressões "remar contra a corrente", "cruzar os braços" (não fazer nada, deixar correr, ficar ocioso, "dar a língua" (falar muito, ser indiscreto), "perder a cabeça" (perder a calma, enervar-se). São unidades com forte colorido expressivo e sua compreensão está relacionada à compreensão da imagem interna, com o significado potencial das palavras que formam a unidade.

Entre o significado da colocação global e o significado dos constituintes há certa motivação, mas muito ligeira, que apenas se capta. As unidades fraseológicas são equivalentes potenciais da palavra. Este grupo, em qualquer língua, é consideravelmente mais extenso que o grupo das fusões fraseológicas.

Vinogradov coloca neste grupo os termos compostos do tipo "democracia partidária", "jornal vespertino", "ponto de interrogação", "opinião pública", assim como as locuções preposicionais e conjuncionais como: "em direção a", "por causa de", "mesmo que", "apesar de que", "ao mesmo tempo que" etc.

Na classificação de Vinogradov, o terceiro grupo de fraseologismos é a combinação fraseológica, que representa uma combinação usual entre os elementos e que se pode ilustrar com exemplos do português como "assunto delicado", "situação delicada", "circunstância delicada" etc. O adjetivo delicado combina-se com um circulo restrito de substantivos; por exemplo, não é possível dizer "pensamento delicado", "intenção delicada" etc. (não se diz الفكر حساسة ، حساسة نية).

As combinações fraseológicas são grupos analíticos; a diferença das fusões fraseológicas e das unidades fraseológicas é que estas são grupos sintáticos.

No caso das combinações fraseológicas, o significado dos constituintes é, de longe, muito mais independente que nos casos anteriores. Com isso, elas ficam muito mais perto das combinações livres do que dos outros fraseologismos. Por essa razão, consideramos que este último grupo de fato não pertence ao grupo dos fraseologismos. Trata-se de colocações ou coocorrências lexicais restritas que expõem a propriedade das palavras de combinarem-se com um círculo muito restrito de outras palavras. Esse fenômeno indica que a liberdade de combinação entre as palavras é relativa.

A classificação de Vinogradov representa um passo a mais na teoria das colocações, em comparação com a tipologia de Chally. Essa classificação registra um avanço lento, mas indiscutível, no estudo da problemática da colocação. Os diferentes tipos de colocações estão mais caracterizados e ilustrados com exemplos. Vinogradov desenvolve o problema da liberdade relativa e das restrições conforme a combinação das palavras na língua.

Não fica muito nítida a fronteira entre as fusões das colocações e as unidades fraseológicas. A diferença consiste no grau de sua motivação, mas não se apresentam critérios para medir essa motivação. Também se põe o problema da colocação dos termos compostos no grupo das unidades e não no grupo das combinações fraseológicas, tendo em conta a sua transparência e divisibilidade semântica.

2-3 Classificação de I Mel´cuk

Outra classificação que merece a nossa atenção é a classificação das colocações ou frasemas feita por Igov Mel´cuk, no quadro da Teoria Sentido-Texto (1974, 1995, 1997). Essa tipologia também se baseia no grau de motivação do fraseologismo. Nessa classificação, em primeiro lugar, distingue-se entre coocorrentes livres e coocorrentes restritos. Por seu lado, os coocorrentes restritos dividem-se em frasemas completos, semifrasemas e quase-frasemas.

O frasema completo é um tipo de frasema em que o resultado da combinação dos seus componentes não têm nada a ver com o significado dos elementos que o constituem.

O semifrasema ou a colocação é um frasema que contém o significado de um dos seus constituintes, enquanto o outro constituinte adquire outro significado ou, se permanece com o mesmo significado, este não é escolhido livremente. No caso da figura, o fenômeno idiomatismo das colocações depende  da cultura e do conhecimento linguístico.

O quase-frasema é um tipo de frasema no qual o significado dos seus conseguintes é mantido e outro significado imprevisível é acrescentado ao sentido dos constituintes.

Como já dissemos o critério escolhido para fazer a classificação é o grau de motivação do fraseologismo, mas desta vez é encontrada uma fórmula para medi-lo. Essa fórmula é objetiva, rigorosa e precisa: a aplicação dessa tipologia do árabe.

3- Considerações finais

Uma colocação, além de ser um objeto de combinação e um esforço que se revela independentemente de seu criador para ser acolhido pelos ouvintes, possui laços com a cultura, revelando um traço idiossincrático que não envolve o intuitivo do momento histórico e do modo de vida somente do nativo, após ver as principais associações de palavras que se combinam levando ao estabelecimento de uma tipologia, diante da dificuldade de delimitar o fenômeno do ponto de vista do caráter da colocação.

O conhecimento da descrição da colocação em termos variáveis é essencial para a comunicação e a aprendizagem do português como segunda língua. Este trabalho tem também como objetivo criar uma proposta de seleção e de tratamento dessas associações nas situações de aprendizagem para os falantes árabes.

Cada uma das abordagens privilegiadas recorre a suas próprias tipologias para a definição e a conceitualização da categorização dos fenômenos observados. Nas problemáticas aplicadas à didática, à lexicologia, à lexicografia ou à terminologia os objetivos convergem, pois o nosso objetivo é buscar estabelecer uma abordagem que envolva o conjunto dos fenômenos colocacionais, permitindo que o próximo trabalho seja de colocar em dia as principais palavras inerentes à formação das colocações, com base na questão do estudo de colocação numa situação contrastiva do português como segunda língua para o falante árabe.

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Publicado em 21 de setembro de 2010

Publicado em 21 de setembro de 2010

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