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Hegel e a concepção de arte simbólica

Mariana Cruz

A arte simbólica é descrita por Hegel como algo que ainda não é arte, e sim uma espécie de pré-arte (o que não significa um “antes” da arte e sim algo que ainda não é a realização de um ideal), pois é uma forma de arte que ainda não realizou o belo. O que aparece nesse estágio é somente o símbolo da ideia, e não a ideia propriamente dita; é justamente quando surge a ideia que Hegel considera a bela arte (cujo auge Hegel situa nas esculturas clássicas gregas). Hegel divide a arte simbólica em três momentos: o simbolismo inconsciente; o simbolismo fantástico e o simbolismo consciente.

O primeiro momento da arte – o simbolismo inconsciente – é encontrado na religião persa, em que ainda não há obra de arte propriamente dita. Nem mesmo um símbolo, pois se trata de uma unidade que tem, ao mesmo tempo, a duração da existência da vida e transitoriedade (um ritual, por exemplo, é algo momentâneo); não é como uma obra. Para os persas, ainda não há separação entre o divino e a natureza; eles identificam o divino com os próprios elementos da natureza da maneira como eles se apresentam, e não como se simbolizassem algo. A luz, por exemplo, é identificada com o bem, mas é o bem literalmente, pois é através dela que são encontradas as fontes de água. Não há símbolo aí (talvez tenha um significado muito mais simbólico para nós, modernos, do que para os próprios persas, pois nós é que interpretamos; para eles trata-se de uma identificação imediata).

O simbolismo fantástico é o segundo modo do simbolismo; ocorre quando a fantasia atua formando obras, aí se inicia a luta entre o significado e a figura. A arte simbólica fantástica encontra-se na religião hindu. Na fantasia indiana, não são símbolos que aparentam o divino, mas são considerados enquanto divinos. Há uma separação dos lados até agora – no simbolismo inconsciente – unidos e passa a ocorrer luta entre significado e forma. É só nesse estágio que surge a real necessidade da arte, já que agora o conteúdo não está mais preso à existência. O simbolismo fantástico, porém ainda não é o que pode ser chamado de autenticamente simbólico, pois há nele certa confusão entre o significado e a forma de exposição, pois nenhum desses dois lados se encontra plenamente desenvolvido, indo “das singularidade sensíveis para os significados mais universais” (Hegel, 1999, p. 57). O que ocorre nesse movimento pendular de um extremo ao outro é uma contradição, uma confusão entre o mais universal e o mais singular; pode-se, assim, dizer que a intuição indiana salta “imediatamente desse âmbito suprassensível para a sensibilidade a mais selvagem” (ibidem, p. 60). No lamanismo, por exemplo, um homem comum pode ser considerado um deus, um objeto de adoração. E não somente um único homem desfruta desse privilégio, como todo e qualquer homem nascido na casta dos bramas. Há uma tentativa de unificação entre o infinito e o finito, onde ocorre uma aniquilação deste último; pois ele é negado (através da meditação) para que assim seja alcançada a infinitude. Essa unificação, porém, se dá em nível apenas mental. O simbólico da arte indiana expressa uma dificuldade causada pela inadequação entre divindade e finitude, pois essa passagem de um extremo ao outro ocorre de forma abrupta, sem mediação. Apesar de existir a possibilidade da unificação do material com o espiritual, ela é sempre limitada, pois a divindade indiana supera a limitação dos sentidos humanos, e para expandir tal limitação surge a inadequação da forma, como, por exemplo, na figura de um deus com vários braços ou várias cabeças. O infinito é muito puro, por isso não se adéqua ao finito, tenta-se colocar em uma imagem sensível concreta uma imagem de supra, do incomensurável; assim, parece exagero. Ou então é demonstrado de forma extremamente natural.

O Brama não é representado nem como uma personalidade concreta nem ao menos pode ser objeto de pensamento, pois é algo incompreensível, já que não traz identificação com objeto algum. O espírito humano, segundo a religião hindu, não se conscientiza da unidade com Brama; a unidade para ele consiste em uma total extinção da consciência e da autoconsciência.

Apesar de as formas utilizadas pela religião hindu serem retiradas da efetividade (da realidade), para Hegel ainda não pode ser considerada simbólica, pois tais existências efetivas não exercem a função de indicar o significado absoluto; elas “são” de fato divinas: “o macaco, a vaca, o brâmane singular etc. não são um símbolo aparentado do divino, mas são considerados e expostos enquanto divino mesmo” (ibidem, p. 61). Tenta-se, então, resolver tal impasse por meio de uma desmedida nas obras: “as formas singulares, para poder alcançar a universalidade mesma enquanto formas sensíveis, são selvagemente desfiguradas no que é colossal, grotesco” (ibidem, p. 62); é assim que vemos deuses como Shiva, com diversos braços; outros, com diversas cabeças. Além dessas desmedidas nas obras, também seres humanos e seus feitos são elevados a um grau divino. O simbólico na arte indiana é considerado fantástico, na medida em que ao separar finito e infinito, homem e deus, ocorre um esvaziamento do homem para que Deus seja alcançado. Também nesse estágio ainda não existe obra de arte; pode-se, porém, considerar que haja mitologia. Apesar de a arte indiana fazer tais separações, ela busca, através da fantasia, uma unidade imediata entre esses dois campos opostos, o que gera deformação na forma, uma vez que aumenta o existente para que assim ele chegue ao divino.

O simbolismo autêntico encontra-se na arte egípcia, que, assim como a arte clássica da Grécia, precisa que o significado se liberte da forma sensível imediata, não havendo mais essa confusão entre o interior e o exterior, pois ao determinar-se já se está exteriorizando, já se está diferenciando de si mesmo, negando-se. Tal negação, na arte egípcia, se dá com a morte (do natural) como sendo um caminho para o absoluto; ele se produz através da morte, que por sua vez tem duplo sentido: o da aniquilação do corpo e do nascimento de algo novo, superior. Não há aqui espaço para um movimento pendular entre os extremos, finito e infinito, humano e divino, como no simbolismo fantástico. O símbolo passa a ter configuração semelhante à formada pela dialética universal da vida: surgimento, crescimento, morte e renascimento. Daí a cultura egípcia embalsamar os corpos dos mortos, animais e pessoas, bem como a construção das pirâmides, que nada mais são do que gigantescos túmulos de faraós e animais sagrados, tais quais imensos cristais. “As pirâmides são um tal envolvimento exterior onde repousa escondido um interior” (ibidem, p. 80). Mas a arte simbólica não alcança ainda a forma adequada ao espírito, pois ela aponta para outro. Os números também são valiosos símbolos para os egípcios; os números 7 e 12 são vistos como divinos, pois indicam a quantidade de planetas e luas que eles supunham existir, sendo por isso bastante presentes na arquitetura daquele povo.

É por tais motivos que a arte simbólica encontra seu auge no Egito antigo. É neles que está o instinto da arte. Os enigmas a serem decifrados (embora não o sejam) mostram a busca de autodeciframento do espírito, a busca de si na exterioridade. Há, assim, no simbolismo autêntico, uma unidade reconciliadora, como a que ocorria no simbolismo inconsciente; porém, tal unidade não se dá de forma imediata e sim discursiva, ou seja, se dá a partir da diferenciação entre esse dois extremos e uma posterior unificação produzida pelo espírito.

Bibliografia

HEGEL, G. W. F. Cursos de estética. Trad. Marco Aurélio Werle. São Paulo: EdUSP.

Publicado em 5 de outubro de 2010

Publicado em 05 de outubro de 2010

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