Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Os discos de Dylan

Pablo Capistrano

Neste ano, eu só soube que era dia mundial do rock porque dei uma olhada na coluna Bazar, do Alex de Souza, e me deparei com o texto sobre o disco London Calling, do The Clash.

Não que o rock tenha deixado de chacoalhar minhas células, mas é que, nestes tempos chuvosos e cheios desse estranho sentimento de dissolução que toma conta da Terra, meu desejo parece ser o de retroceder até um tempo mais arcaico, mais fundamental. Então, nos últimos meses, os dois primeiros discos de Dylan e mais uma longa lista de canções de Woody Guthrie andaram frequentando meu aparelho de som por mais tempo.

Talvez nem todo mundo tenha prestado atenção (ainda mais nessa época de mp3, na qual o conceito de álbum parece estar esfarelando rapidamente, junto com a ordem natural das coisas e a nossa paciência em relação às bobeiras humanas), mas o primeiro disco do Bob Dylan, produzido pelo John Hammond, quase não tem músicas próprias.

Alguns acham que isso acontece porque o compositor com cara de menino na capa do disco estava guardando suas pérolas para os discos posteriores. Mas talvez seja mais do que isso. Um documentário dirigido por Steve Gammond, que anda à disposição do público de Natal em bancas de revista com o título The down the tracks (a música que influenciou) Bob Dylan,mostra que existe muita coisa oculta nas referências de Dylan.

Do ponto de vista cinematográfico, o documentário não é muito bom, mas vale como documento histórico para quem gosta de mergulhar na arqueologia dos nossos ícones. Gammond tenta pensar Dylan a partir de sua origem e descobre um sujeito fundamental na história da música moderna. O nome do caboclo é Harry Everett Smith; nasceu em algum lugar lá pras bandas do Oregon na década de 1920. Harry era estudante de antropologia quando se interessou em pesquisar um ramo acadêmico chamado Etnomusicologia. Em 1952, ele lançou uma coleção de seis discos em 78 rotações com gravações garimpadas e datadas de um período entre 1927 e 1932. O Anthology of America Folk Music é uma dessas raridades que, se um dia você encontrar em um sebo e não tiver dinheiro para comprar, pense seriamente em vender sua mãe aos árabes para levantar a quantia (desculpe, mas essa é uma expressão que eu tirei de um filme de Woody Allen, sem querer ofender os colegas árabes).

Sim, a propósito, o Dylan é judeu e seu nome hebraico é (Shabtai Zisel Ben Avraham). Para muita gente que estuda a obra do sujeito, um dos elementos mais marcantes de sua poesia é, ao lado de todas as referências literárias claras a Dylan Thomas, Rimbaud e Blake, uma desconcertante mistura de evocação profética com uma notação melódica que junta blues, jazz, country (especialmente do cowboy dark Hank Williams) e cajun music (um tipo de música da Louisiana, que tem ligações com as influências da cultura creole).

O forte da coletânea do Smith é a capacidade de resumir e demonstrar as ligações que a música folk norte-americana mantém com velhas canções da Escócia e Inglaterra, especialmente com uma coleção de 305 canções editadas no século XIX por Francis James Child e que aportaram nos Estados Unidos e foram preservadas em comunidades rurais a oeste dos Montes Apalaches.

Dylan era aficionado por essa coletânea, e boa parte de sua carreira consistiu em prestar tributo a ela. No seu primeiro disco (Bob Dylan - 1962) e em discos posteriores como Nashiville Skyline (1969), World Gone Wrong (1993) e Modern Times (2006), Dylan parece sempre voltar à coletânea de Smith para buscar forças criativas ou mesmo para, sem medo de comparações, deixar as pistas de suas influências, como se as marcas da vida de um homem não devessem ser medidas apenas por seus atos, mas pela linhagem à qual ele pertence.

Publicado em 23/11/2010

Publicado em 05 de outubro de 2010

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.