Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Pensando no todo

Fernanda Santos

Professora da rede estadual do Rio de Janeiro, na Educação de Jovens e Adultos; especialista em Relações Etnicorraciais

“A minha identificação é com o jongo, que tem tambor, roda e música, mas é a macumba que é parecido.” Assim se traduziu a impressão de um aluno de 18 anos, matriculado no 9º ano do Ensino Fundamental, na modalidade Educação de Jovens e Adultos, diante de cenas do cotidiano de uma comunidade remanescente de quilombolas na região do vale do café, no Rio de Janeiro, onde se mantêm os costumes tradicionais da cultura afro-brasileira e, em especial, a prática do jongo.

Não podemos afirmar por quantas vezes esse aluno esteve exposto a essa experiência, mas podemos garantir que foi a primeira vez que ele assumiu sua identidade religiosa, ao se autodeclarar um Ogã de umbanda numa sala de aula. Segundo estimativas da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, 25 mil crianças no Estado do Rio de Janeiro convivem no universo do candomblé. Podemos inferir que esse contingente estará, em algum momento de sua vida, em contato com o espaço escolar.

A educação habitualmente dispensada aos nossos jovens é enfocada geralmente numa visão eurocêntrica, que, além de ser “monocultural, não respeita nossas diversidades de gênero, sexos, religiões, classes sociais, raças e etnia que contribuíram diferentemente para a construção do Brasil de hoje, que é um Brasil diverso em todos os sentidos” (Munanga, 2008).

Nessa perspectiva, educadores e educadoras questionariam os mecanismos de construção das identidades nacionais, raciais e étnicas utilizados; como a construção da identidade e da diferença está vinculada a relações de poder existentes; como a identidade dominante tornou-se a referência invisível por meio da qual se constroem as outras identidades tidas como subordinadas; quais são as estratégias institucionais responsáveis pela manutenção da posição subordinada de certos grupos étnicos e raciais.

Ao privilegiar padrões culturais distantes da experiência da maioria dos estudantes brasileiros, proporcionamos a violência simbólica com a discriminação dos valores, da linguagem e das experiências desses alunos e com a imposição dos padrões culturais diferentes dos da maioria da população brasileira, resultando numa pedagogia que despreza a bagagem de experiências que cotidianamente os estudantes trazem de suas vidas em comunidades para o convívio escolar.

Os dispositivos pedagógicos, como livros didáticos e paradidáticos, lições orais, orientações curriculares oficiais, rituais escolares, datas festivas e comemorativas são, em geral, recursos que confirmam o privilégio das identidades dominantes e tratam as identidades dominadas como exóticas ou folclóricas.

O teórico cultural jamaicano Stuart Hall (2000, p. 321) elucida muito bem essa concepção quando diz que “o que substitui a invisibilidade [de uma cultura] é uma espécie de visibilidade cuidadosamente regulada e segregada”.

Diante dessa acepção, reconhecemos atitudes reguladas e “permissivas" apresentadas por algumas escolas, como o Dia do Folclore ou Dia da Consciência Negra. Isso sinaliza a urgência do fazer na contramão das práticas pedagógicas livres da vestimenta folclórica e da subordinação ao padrão eurocêntrico que muitos acham ser o caminho para a adequação de conteúdo, o que traduz um longo caminho a ser percorrido pelo professorado na compreensão da importância da sua prática e no rompimento da ingenuidade de acreditar na neutralidade do seu trabalho.

Ao romper com tal prática, provocaríamos analogias e construções de pensamentos mnemônicos, resultando numa definição de identidade e pertencimento a uma cultura diferente daquela que é imposta. Os rótulos ideologicamente construídos e imprimidos à raça negra seriam descaracterizados, promovendo o aumento da autoestima dos alunos e, consequentemente, proporcionando a convivência democrática entre diferentes grupos e culturas, baseada no respeito à diferença, que se concretiza no reconhecimento da paridade de direitos, configurando-se no entendimento e no enfrentamento dos estereótipos, preconceitos, discriminações e racismo, assim como nos processos de inclusão e exclusão social e institucional dos sujeitos diferentes.

Desconstruindo o estereótipo do negro formado ao longo da história, dando visibilidade à história, à cultura e às influências africanas e afro-brasileiras em sala de aula, inserimos, sim, o aluno no contexto escolar; logo o fazemos produtor de conhecimento, uma vez que ele se reconhece no meio. Por conseguinte, contribuiremos com a busca não da tolerância, mas da convivência igualitária das culturas; identidades de homens e mulheres.

Referências bibliográficas

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomás Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 4. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

MUNANGA, Kabengele. O negro na contemporaneidade e suas demandas. Cadernos Penesb. Niterói, janeiro/junho 2008/2010. 

Publicado em 5 de outubro de 2010

Publicado em 05 de outubro de 2010

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.