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Cederj - um caminho na direção da educação inclusiva
Silvia Helena Mousinho
Professora de Física, coordenadora de Estágio Supervisionado III (UERJ)
Márcia Spíndola
Professora de Matemática, coordenadora de Estágio Supervisionado IV (UERJ)
Com a expansão do uso das tecnologias de informação, o tema Educação a Distância (EAD) se faz presente na atualidade através de propostas, debates e ações dos dirigentes da educação. Essa inovação pedagógica passou a ser uma modalidade regular do sistema educacional brasileiro pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96). Diante da emergência de projetos como o do Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cederj) e da enorme polêmica que a introdução dessa modalidade de ensino vem provocando, percebe-se a necessidade de discutir e pesquisar as ações e políticas públicas para a democratização da formação profissional e o atendimento às demandas sociais de educação. Elegemos como foco privilegiado o estudo do perfil dos tutores, traçando um paralelo entre a prática desses profissionais e a dos chamados professores tradicionais. Nosso objetivo principal é identificar quem são os tutores e quais são as especificidades de seu perfil, incluindo a discussão de fatores como formação, atuação e prática político-pedagógica. Vale destacar que nossos estudos são resultado da experiência e da pesquisa acadêmica; portanto, para fundamentar o presente estudo nos valemos da revisão da literatura pertinente e da observação nas próprias unidades do Cederj.
A prática do Cederj
O desenvolvimento científico e tecnológico e as relações socioeconômicas e culturais de uma sociedade formam um complexo indissociável. Em torno de 1940, o rádio foi amplamente utilizado pela EAD via Rádio Ministério da Educação e Cultura. Mas, com a presença da televisão, iniciamos nova era, notadamente marcada pelo meio de comunicação de massa mais popular e acessível à maioria da população.
No Brasil, na década de 1970, a educação a distância, por iniciativa da Fundação Roberto Marinho, deu os primeiros passos nas redes de TV, com o Telecurso 1o e 2o Graus. Em âmbito nacional (mais de 40 emissoras de TV), hoje, o Telecurso 2000 é o maior projeto de Educação a Distância do Brasil. É interessante lembrar que, em cursos de extensão de nível superior, a Universidade de Brasília (1980) foi pioneira em EAD no país. (Gouvêa; Oliveira, 2006).
O Cederj nasceu graças à parceria firmada entre o Governo do Estado do Rio de Janeiro, por meio da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, as prefeituras do Estado do Rio de Janeiro e as universidades públicas sediadas no estado – UERJ, UENF, UFF, UFRJ, UFFRJ e UNIRIO. No ano de 2002, o Cederj foi incorporado à Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Rio de Janeiro (Cecierj). Em primeira instância, o Cederj foi projetado para promover a democratização do acesso ao ensino superior público de qualidade nos cursos de graduação de Matemática, Física, Biologia, Química, Pedagogia e Tecnologia de Sistemas de Computação, além de cursos de extensão e capacitação para professores em diversas áreas de conhecimento. Atualmente, também oferece cursos de graduação em Administração, História e Turismo.
Para fins de esclarecimento, alguns pontos legais merecem destaque, já que a EAD é legitimada pela LDB como modalidade alternativa de aprendizagem em situações específicas (Lei 10.172, de 09/01/2001). O Plano Nacional de Educação amplia o conceito da EAD e incentiva a universalização (Decreto 5.622, de 19/12/2005, que regulamenta o art. 80 da LDB): “modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos” (Brasil, 2005 apud Gouvêa; Oliveira, 2006, p. 54).
Quanto à sua estrutura, o Cederj é o que podemos chamar de modelo híbrido, pois integra momentos on-line e momentos presenciais. De forma sucinta, a estrutura do Cederj é composta de cinco pilares essenciais: a) material didático de apoio impresso e digital, elaborado para Educação a Distância; b) atendimento por tutores, composto por tutoria a distância e tutoria presencial; c) estágios supervisionados; d) processo de avaliação presencial nos polos regionais; e e) práticas em laboratórios de disciplinas específicas nas áreas de Informática, Biologia, Física e Química nos polos regionais.
Na plataforma Cederj temos basicamente os seguintes recursos de comunicação: o contato discente e docente, fórum, debate (chat) e mensagem para os participantes e os avisos, planos de aula, tarefas, avaliação, acompanhamento de participação e download (captura de arquivos).
Nos polos, espécie de “filiais” das universidades, os estudantes têm acesso aos computadores. Cada polo tem o seu diretor, que é assessorado por um adjunto e/ou por coordenadores. Os alunos se relacionam diretamente com esses profissionais e com os tutores presenciais, cujas atribuições detalharemos mais adiante.
Nas universidades consorciadas, o atendimento é feito pelos tutores a distância, com tratamento sempre individual, através de telefone 0800 (em horários preestabelecidos), por fax e através da sala de tutoria da plataforma.
No caso dos alunos de Pedagogia e das licenciaturas, ainda há o regente-tutor, professor que ministra aulas nas escolas parceiras (escolas das redes públicas onde os alunos realizam seu estágio supervisionado).
No esquema a seguir temos a representação sucinta de cada um desses agentes, relacionando-os ao seu campo de atuação.
Figura 1
O formato a distância recruta uma gama de profissionais de educação que cumprem os mais variados papéis. Promover uma gestão que consiga atuar em lugares distantes das universidades consorciadas e que, ao mesmo tempo, pratique seus projetos político-pedagógicos é mais que um desafio. Um aspecto da maior relevância é que o Cederj visa à formação de profissionais em educação que exercerão o magistério na modalidade presencial com alunos de Ensino Fundamental e Médio.
Este trabalho de pesquisa valoriza os relatos oriundos da prática e das experiências vivenciadas na EAD do Cederj. Desse modo, é possível reconhecer a realidade vigente e ampliar a nossa discussão sem perder essencialmente o foco em questão: as atribuições dos agentes na prática educativa da EAD, identificando quem são os tutores e quais são as especificidades de seu perfil: formação e atuação político-pedagógica.
Administrar/empreender um projeto tão novo e de tamanha abrangência envolve ajustes a todo o momento e algumas indagações norteiam permanentemente o nosso cotidiano: Quais as atribuições da equipe gestora do modelo CEDERJ? Qual o papel da equipe gestora na seleção e formação dos tutores? Qual é a relação do trabalho do tutor com a qualidade dos cursos oferecidos pelo consórcio? Quais são, essencialmente, as atribuições dos tutores a fim de garantir uma prática profissional com qualidade e êxito?
Tutor e professor x tutor ou professor: eis a questão!
Tutor presencial
Tais professores são os primeiros agentes no desafio de uma nova forma de ensinar e de aprender. São capacitados para orientar os alunos na busca pela construção/formação de conhecimento. Essa orientação deve utilizar estratégias inovadoras, deve se libertar do estereótipo professor/aluno com funções definidas. O tutor presencial não será o professor que se põe na lousa a transcrever teorias, nem aquele que simplesmente será solicitado pelos alunos para resolver os problemas mais difíceis do livro de matemática...
Suas atribuições, listadas no componente curricular Estágio Supervisionado (Cunha, 2002), estão enumeradas abaixo, de forma sucinta:
- Planejar, organizar e acompanhar a realização do estágio, de forma cooperativa, com a equipe técnico-pedagógica das Escolas Parceiras. Estimular a formação de grupos de estudo;
- Orientar os alunos individualmente e em grupo quanto à utilização do material didático e em aulas práticas;
- Incentivar e ensinar o uso de todos os recursos de aprendizagem oferecidos pelo Cederj;
- Discutir e esclarecer dúvidas de conteúdo;
- Recomendar leituras e pesquisas;
- Participar das avaliações presenciais;
- Promover o autoconhecimento do aluno-estagiário, contribuindo de diversas formas para a construção da identidade do educador: aprofundando o material didático e as leituras afins; mediando as discussões sobre o conteúdo discutido nos fóruns de discussão da plataforma sugeridas pelo tutor a distância e/ou pelo coordenador etc.;
- Estimular o aluno, analisando, sugerindo, trocando informações e enriquecendo o material elaborado por ele;
- Participar da formação continuada periódica prevista pelo Consórcio, visando ao enriquecimento profissional;
- Avaliar criticamente a prática desenvolvida no componente curricular, bem como analisar o quadro de desempenho dos alunos.
É curioso perceber que a Educação a Distância se encaminha para um construtivismo real: o aluno se liberta do papel poderoso do professor que era o “senhor” absoluto do saber e o professor ocupa naturalmente o lugar do parceiro, do companheiro mais maduro das pesquisas e descobertas. Para investir em uma educação inovadora e transformadora, é necessário ter sempre em mente que:
não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho (Freire, 1991, p. 22).
As salas de aula onde se pratica a tutoria presencial têm a forma de salas de estudo: mesa redonda, todos sentados em posições democráticas... Alunos e tutores se misturam com um amontoado de livros, páginas de fotocópia, textos pesquisados na internet, documentos sugeridos pela tutoria a distância ou pelas coordenações de disciplinas. Espaço para trocar ideias e conhecimentos, para “fazer junto”. Ao término de cada encontro, alunos e tutores aprendem e ensinam...
Nesse contexto, o professor que teima em praticar o velho papel autoritário não tem lugar e o aluno que ainda carece de uma relação de dependência com o “mestre” vai precisar amadurecer a sua forma de buscar o conhecimento. Nesse caso, é de significativa importância valorizar a:
troca de experiências entre pares, através de relatos de experiências, oficinas, grupos de trabalho: quando os professores aprendem juntos, cada um pode aprender com o outro. Isso os leva a compartilhar evidências, informação e a buscar soluções. A partir daqui os problemas importantes das escolas começam a ser enfrentados com a colaboração entre todos (Gadotti, 2003).
No depoimento dos tutores, é comum a dificuldade na interpretação do novo papel: “Muitas vezes chego para o encontro com os alunos ‘carregado’ de livros, referências para leitura, material de apoio etc. Mas eles só querem a resposta para um ou outro exercício. Fico na maior frustração...”. Esse seria o momento ideal para o tutor praticar a “troca”. No lugar de responder, produzir mais perguntas. O tutor presencial não deve dar apenas respostas. É necessário que ele ensine e aprenda a perguntar. E, assim, construir uma complexidade de indagações que levarão à construção de respostas mais completas.
Mas quem vai “treinar” esse tutor? Qual é o profissional qualificado para ensinar um professor tradicionalmente de sala de aula a “ser” tutor?
Nas teses sobre Educação a Distância percebe-se o hiato entre teoria e prática. Os vocábulos usados nesses documentos (ciberespaço, chats, fórum de debates online...) ainda estão muito distantes do que se observa em campo. Na maioria dos polos que visitamos, por exemplo, há alunos que moram em casebres, que nunca viram um computador e que conseguem concluir os seus estudos no formato a distância. Eles comparecem aos encontros presenciais, fazem cópia dos documentos obtidos via internet, “ignoram” os e-mails e enviam avaliações pelo correio... Enfim, há “jeitinho brasileiro” para tudo e “vontade brasileira” para muito mais, para a “loucura” dos pesquisadores que teimarem em ficar presos aos seus “aquários acadêmicos”.
Nunca a palavra “treinar” coube tão bem a uma atividade. Porque treinar remete a uma prática sem fim. O treinamento dos tutores presenciais é a troca constante entre eles, os alunos e a academia. Tal troca evolui ao lado das evoluções humanas, como deve ser em qualquer modalidade educativa. Mais uma vez, as palavras de Paulo Freire se afinam com os anseios de educadores e educandos:
Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender, participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade (Gadotti, 2003).
Tutor a distância
Nas universidades consorciadas, os tutores a distância atuam junto ao aluno, ao coordenador de disciplina e aos tutores presenciais. Dentre as suas atribuições específicas citadas no Guia do tutor a distância (Cunha, 2002) deve-se destacar:
- Orientar, se necessário, os tutores presenciais a exercer a tutoria com atividades diversificadas, demonstrações práticas, trabalhos em grupo, fórum etc.;
- Fazer uso de diversas fontes de informação da área e estimular os tutores presenciais a lançar mão de recursos como: bibliotecas do polo, virtuais, sites etc.;
- Familiarizar-secom os recursos multimídia, estimulando tanto o tutor presencial como os alunos a utilizar esses recursos para a criação de hábitos de pesquisa e a uma nova forma de administrar a sua aprendizagem;
- Atender a consultas feitas pelos alunos seguindo o modelo de tutoria estabelecido pela Coordenação de Tutoria e Equipe de Estágio;
- Estimular o aluno a buscar a construção de uma metodologia própria de estudo no sentido de buscar autonomia sobre a sua aprendizagem;
- Elaborar, por período letivo, a planilha de quadro desempenho dos alunos-estagiários por cursos e polos, em geral;
- Estabelecer um período mínimo de 12 horas para o contato com a sala de tutoria da Plataforma;
- Proceder de acordo com as atribuições pontuadas do formato do componente curricular.
Além de orientar e incentivar a utilização dos recursos que a Plataforma do Cederj oferece, assim como outras fontes de consulta, o tutor a distância deve promover a interatividade entre os alunos, a fim de propiciar um clima de solidariedade e respeito às diferenças.
É essencial esclarecer que não existe consenso, entre as instituições educacionais, quanto às atribuições da tutoria a distância. E o que temos observado através da prática e experiência cotidianas nos inquieta e preocupa.
Uma das atribuições profissionais do tutor a distância é o atendimento aos alunos na sala de tutoria da Plataforma Cederj. Para que possamos analisar e refletir a respeito de uma das questões que nos motivaram a escrever este trabalho, apresentamos no Quadro-Resumo I um exemplo do cotidiano do tutor a distância, supostamente, em pleno exercício de suas funções na sala de tutoria.
Quadro-Resumo I
Pergunta do aluno | Resposta do Tutor |
Boa tarde, tutora, | Boa tarde, João |
É importante dizer que nossa análise não tem a intenção de avaliar a resposta “certa” ou “errada”. Nossa preocupação vai além desse propósito. A qualidade da resposta expressa por si só o interesse, a habilidade e a competência de cada indivíduo. No caso acima, podemos afirmar que a interatividade é nenhuma.
Algumas observações sobre a resposta dada pelo tutor são pertinentes: objetiva, informativa, impessoal, finalizada, fechada... Sabemos que a distância física, o não olhar olho no olho propiciam o tratamento impessoal, baseado apenas na troca de informações. Por se tratar de uma relação a distância, talvez precisemos mais ainda de uma comunicação escrita mais expressiva, com características próprias; caso contrário, tornamo-nos operadores de telemarketing em atendimento a consumidores: respostas prontas, sucintas e apenas informativas.
O Quadro-Resumo I traduz e referenda nossas inquietações acerca do papel desse tutor a distância, da metodologia que utiliza e, principalmente, de que consciência tem esse profissional quando replica e não se preocupa em interagir com o aluno.
Na sala de tutoria, é a nossa sensibilidade que rompe a tela e nos faz ver que existe um rosto com alma e expectativa de, em breve, vir a exercer a profissão de professor. Em uma relação dialógica, as intervenções representam o humano, expressam valores, referências, escolhas e visões de mundo. Ou seja, torna a interatividade imprescindível!
À luz da concepção da interação professor/aluno, certamente, o Quadro-Síntese I assumiria outra forma, refletindo a qualidade da relação que visamos construir com nosso aluno, propiciando-lhe a aprendizagem e ampliando a formação cidadã. No Quadro- Resumo II essa situação está exemplificada.
Quadro-Resumo II
Complemento da resposta anterior pelo tutor-professor |
Aproveito a oportunidade para lembrar que nesta etapa do componente curricular Estágio Supervisionado você é apenas espectador, mas muito em breve estará tomando decisões que repercutirão na sua vida e no futuro de outras pessoas. |
O modo como encaminhamos a resposta demonstra preocupação com o aluno, com a sua formação e com o seu futuro. É uma maneira de dar suporte acadêmico, personalizando a relação criada entre o aluno e o tutor. Desse modo, a relação entre eles transcende o que seria uma relação meramente mecanicista e cognitiva. E, assim, a qualidade da relação também pode funcionar como facilitadora e motivadora do processo educativo e reduzir as elevadas taxas de evasão.
Temos consciência de que as perguntas nem sempre são de cunho acadêmico, e é aí certamente que o professor faz a diferença. Cabe a nós, professores, priorizar os recursos da plataforma para qualificar nosso trabalho junto aos alunos. Aliás, para dar resposta como a do Quadro-Resumo I, é essencial que seja um professor?
O que percebemos no dia a dia de nossa prática é a necessidade de um perfil que atenda aos “múltiplos papéis do professor em educação a distância”, como escreve Ana Beatriz Carvalho, da Universidade da Paraíba. Ela revela a nossa preocupação com clareza ao afirmar que:
O perfil do tutor de um curso a distância exige algumas características que não estão relacionadas apenas com uma competência objetiva. É fundamental que esse professor adquira ou desenvolva habilidades de relacionamento interpessoal que valorizem um processo de formação flexível, com abertura para o diálogo e negociação constantes durante a aprendizagem (Carvalho, 2007).
É prioridade repensar o papel do tutor que queremos. O quadro de Belloni (2001) na Figura 2 é uma proposta que estabelece sete dimensões da atuação do tutor, em que a autora valoriza os saberes docentes nas dimensões pedagógica, tecnológica e didática.
Figura 2: Perfis do tutor a distância, segundo Belloni
Mais uma vez, Ana Beatriz nos confronta com a realidade:
Em todos os estudos sobre EAD é consenso a importância do papel da tutoria no sucesso da aprendizagem e na manutenção desses alunos no processo. A questão preponderante aqui é se o papel do tutor é tão essencial ao processo de EAD e por que razão alguns projetos o colocam em um plano menos importante. Para exercer o papel da tutoria podemos contratar alunos dos cursos de graduação ou professores recém-formados sem experiência como professores? Quais são os requisitos fundamentais para a função de tutor? (Carvalho, 2007).
O que pretendemos é chamar a atenção para o fato de que as novas tecnologias não substituirão o professor nem diminuirão o esforço disciplinado do estudo. “É comum afirmarmos que na educação a distância o aluno aprende sozinho, conduzindo automaticamente seu caminho na aquisição do conhecimento. De fato, isso não ocorre; o papel do professor na educação a distância é tão importante quanto no presencial, apesar de sua forma de atuar diferenciada” (Carvalho, 2007).
Em qualquer prática educativa o professor continuará sendo imprescindível, se queremos educar valorizando as sensibilidades pessoais e os princípios básicos de convivência humana. Na relação entre professores e alunos não importa se o formato é a distância ou presencial. Nessa relação, o professor jamais pode se furtar ao papel de provocador, estimulador, orientador...
Não existe a profissão de “tutor”. A própria escolha do vocábulo não faz jus ao seu perfil de atuação profissional. A cada dia, ficamos mais conscientes do tutor que desejamos, e a prática reflexiva tem contribuído significativamente neste sentido.
Oliveira e Villardi (2005), partindo das dimensões valorizadas por Belloni, acrescentam duas outras dimensões que nos aproximam do perfil do tutor em EAD que elas chamam de “professor invisível”: “a dimensão linguística, essencial a partir da migração do discurso oral (presencial) para o discurso escrito próprio da EAD; e uma última que chamamos de “saberes pessoais”, pelas seguintes competências e habilidades:
- Habilidade para interagir com os alunos, de forma não presencial, individualmente e em grupos, encorajando-os e incentivando-os, minimizando, dessa forma, a evasão.
- Habilidade para manter relações menos hierarquizadas.
- Disposição para estimular a autonomia e a emancipação do aluno, delegando-lhe o controle da própria aprendizagem.
- Competência para a conversação racionalmente comunicativa (2005, p. 121).
O quadro de Belloni e as dimensões propostas por Oliveira e Villardi são complementares.
Para uma aprendizagem que integre elementos atitudinais, emocionais e intuitivos, a relação construída com o aluno precisa ser individualizada; ele não pode ser apenas “mais um”. Para lidar com a afetividade na EAD, é necessária a habilidade de perceber e reconhecer os sentimentos e as emoções pela forma textual. É essencial aguçar a sensibilidade para desenvolver a capacidade de percepção para criar uma imagem mental de quem está do outro lado da tela.
Considerações finais
Embora a relação presencial contribua para que o ensino a distância se torne um processo menos solitário e mais comunitário, o tutor não mais ministra as tradicionais aulas expositivas, mas a sua experiência como profissional e como pessoa, dentro e fora da sala de aula, é de valor significativo para o desempenho de seu papel como orientador de aprendizagem. Nas palavras do professor José Moran, o redimensionamento do papel do professor que atua na educação a distância implica mudanças significativas na sua prática educativa:
o conceito de curso, de aula também muda. Hoje, ainda entendemos por aula um espaço e um tempo determinados. Mas esse tempo e esse espaço serão cada vez mais flexíveis. O professor continuará "dando aula" e enriquecerá esse processo com as possibilidades que as tecnologias interativas proporcionam: para receber e responder mensagens dos alunos, criar listas de discussão e alimentar continuamente os debates e pesquisas com textos, páginas da Internet, até mesmo fora do horário específico da aula. Há uma possibilidade cada vez mais acentuada de estarmos todos presentes em muitos tempos e espaços diferentes. Assim, tanto professores quanto alunos estarão motivados, entendendo "aula" como pesquisa e intercâmbio. Nesse processo, o papel do professor vem sendo redimensionado, e cada vez mais ele se torna um supervisor, um animador, um incentivador dos alunos na instigante aventura do conhecimento (Moran, 2002).
Quando o professor está atuando no formato a distância, se vê diante de um desafio bastante enriquecedor, que é se colocar à disposição do aluno para auxiliá-lo na construção do próprio caminho. E a relação oriunda do binômio professor/aluno dá lugar a um verdadeiro intercâmbio cultural em que alunos e professores vivenciam juntos a prática da construção do conhecimento.
Assumir esse novo papel é uma difícil tarefa, principalmente quando o tradicional modelo de ensinar e aprender está tão infiltrado em todas as práticas educativas. Lidamos com jovens que, opostamente ao que Castells (2000) defende, só fazem uso das novas tecnologias de informação como ferramentas a serem aplicadas: não são poucos os alunos que andam mais de três horas de bicicleta até o polo apenas para imprimir um texto. Esse é o retrato de nossa sociedade refletido no microcosmo de nossa universidade.
Um novo paradigma educacional não deve ser visto como um processo de exclusão de outras modalidades de educação. O respeito à diversidade precisa colocar na mesma mesa de discussão professores, professores online, estudiosos e estudantes dos modelos tradicionalmente presenciais e dos modelos que utilizarem as mais complexas tecnologias de informação e comunicação (TICs)... Esse é um desafio para os gestores.
Na escolha dos tutores que irão atuar na modalidade a distância, alguns critérios precisam ser observados com atenção. Além de esses profissionais precisarem dialogar bem com as novas tecnologias utilizadas para a aprendizagem online, é necessário que conheçam intimamente os encantos e mazelas da realidade de nossas escolas para serem bons atores na construção de uma nova forma de aprender e ensinar... É oportuno lembrar que estamos formando professores que irão atuar nos Ensinos Fundamental e Médio no modelo presencial, pois sabemos que “as crianças, pela especificidade de suas necessidades de desenvolvimento e socialização, não podem prescindir do contato físico, da interação” (Moran, 2002).
Nossas propostas e contribuições visam formar um profissional capaz e comprometido com a docência. Segundo Carlos A. de Souza et al. (2004), “como educador que é, do tutor são requeridas certas qualidades, como maturidade emocional, capacidade de liderança, bom nível cultural, capacidade de empatia, cordialidade e ser um ‘bom ouvinte’. (...) O tutor deve possuir habilidades de comunicação, competência interpessoal, liderança, dinamismo, iniciativa, entusiasmo, criatividade, capacidade para trabalhar em equipes etc.”.
Seja a distância ou presencial,
a educação corresponde, pois, a toda modalidade de influências e inter-relações que convergem para a formação de traços de personalidade social e de caráter, implicando uma concepção de mundo, ideais, valores, modos de agir que se traduzem em convicções ideológicas, morais, políticas, princípios de ação frente a situações reais e desafios da vida prática (Libâneo, 1994, p. 22-23).
Sendo o Cederj uma proposta de educação inclusiva, o compromisso com esse propósito exige bom senso e cautela. A Educação a Distância precisa da atenção incansável de seus gestores para que, por exemplo, esse termo – tutor – não caia na cilada de se transformar em qualquer coisa que se distancie do professor.
Referências bibliográficas
CARVALHO, Ana Beatriz. Os múltiplos papéis do professor em Educação a Distância: uma abordagem centrada na aprendizagem. In: 18° Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste – EPENN. Maceió, 2007. Texto publicado em: http://anabeatrizgomes.pro.br/moodle/mod/resource/view.php?id=1045
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
CUNHA, Vera Lúcia Pereira da. Estágio supervisionado (Desenvolvimento do material didático ou instrucional). 2002.
FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar e aprender com sentido. Novo Hamburgo: Feevale, 2003. Disponível em: http://www.feevale.br/files/documentos/pdf/20413.pdf
GOUVÊA, Guaracira; OLIVEIRA, Carmem Irene. Educação a distância na formação de professores: viabilidades, potencialidades e limites. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2006.
FUNDAÇÃO CECIERJ/ CONSÓRCIO CEDERJ. Guia de tutoria. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
MORAN, José Manuel. O que é educação a distância. Texto publicado em: www.eca.usp.br/prof/moran/textosead.htm. Este texto foi publicado pela primeira vez com o título Novos caminhos do ensino a distância, no Informe CEAD. Centro de Educação a Distância. SENAI, Rio de Janeiro, ano 1, n.5, out-dez/1994, páginas 1-3. Foram atualizados tanto o texto como a bibliografia, em 2002.
OLIVEIRA, Eloiza Gomes de; VILLARDI, Raquel. Tecnologia na educação – uma perspectiva sociointeracionista. Rio de Janeiro: Dunya, 2005.
SOUZA, Carlos A. de; SPANHOL Fernando J.; LIMAS Jeane C. de O.; CASSOL, Marlei P. Tutoria na educação a distância. 2004. Disponível em: http://www.abed.org.br/congresso2004/por/htm/088-TC-C2.htm. Acesso em 15 de julho de 2010.
Publicado em 19 de outubro de 2010
Publicado em 19 de outubro de 2010
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