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Os All Stars coloridos dos estudantes no metrô

Mariana Cruz

Cheguei à conclusão, depois de alguns textos baseados nos papos que escuto nas minhas viagens em transportes coletivos, que essa bisbilhotice compulsória pode muitas vezes ser bastante instrutiva. Independente da qualidade do que se ouve, bom ou ruim, nos dois casos há sempre algo que pode provocar reflexão. Como a história da garota que tinha levado um toco do ex-namorado, descrita na crônica Filho da... professora, ou no texto A globalização e os idiomas, que fala da invasão do idioma inglês em nossa língua. Só para citar alguns dos escritos inspirados nas conversas que sou obrigada a escutar (já que não tenho mp3, 4, 5 ou seja lá qual for o modelo da atualidade) durante meu trajeto casa-trabalho-trabalho-casa de ônibus e metrô. O fato é que acabei me acostumando com tal invasão auditiva e agora, pelo menos, seleciono o que escutar (já que não consigo abstrair...).

Ultimamente tenho prestado bastante atenção nos papos dos colegiais com quem esbarro no metrô. Eles são engraçados, leves, exagerados, bem-humorados, riem de qualquer besteira que acontece: se o metrô dá uma freada, eles começam a rir; se somente um conseguiu lugar para sentar, eles colocam todas as mochilas no colo do colega e caem na gargalhada. Ou seja, tudo é diversão.

Lembro-me de que quando era estudante também achava graça em tudo: no meu Ensino Médio, na época chamado Segundo Grau, descia a ladeira da minha escola com uma amiga. Tal ladeira dava de frente para a Clínica São José, em que o “o” de José tinha despregado e, por isso, ficava mais baixo que o resto do nome. E nós sempre líamos alto ”Casa de Saúde São joooouuuuuousé” numa alusão onomatopeica à letra desalinhada. E ríamos disso todas as vezes. Existe coisa mais adolescente que isso?

Voltando aos outros adolescentes: dois dias na semana meu horário coincide com seus horários de saída ou entrada. São basicamente alunos de dois colégios: Santo Inácio e Pedro II. Muitas vezes não dá para entender o que dizem devido à rapidez de seus diálogos e das risadas que se intercalavam com cada frase – até das notas baixas ele acham graça. Os estudantes do Santo Inácio invariavelmente estão falando de seus acertos e erros em determinada prova e de quanto falta para passarem. Esta semana, uma das meninas dizia que havia tirado 4 na prova do fulano. A prova valia 6 e foi uma das maiores notas da turma. A preocupação é intensa e, pelo que pude pescar, Física é a disciplina das piores notas (até aí nada de anormal). Foi quando uma das meninas do grupo deu a receita para combater o fantasma da Física; disse que já estava de saco cheio de se ferrar em tal matéria e no ano anterior passou a anotar tudo que o professor falava: “se ele falava ‘bom dia’ eu ia lá e escrevia” (não falei que os adolescentes são exagerados?), depois disse que chegava em casa e ia direto estudar; no terceiro bimestre havia tirado 10 e passou direto. Mas, ao que parece, tal reação produtiva não se estendeu para o presente ano, pois lá estava ela reclamando de Física junto aos outros (ao invés de voltar a anotar os “bons-dias” do professor).

Outra interrupção minha: Física, ao que parece, é uma celeuma que segue faculdade adentro. Um amigo que fez graduação em Física dizia que quando ia ver as notas das provas era uma enxurrada de 2 e 3 e que um ou outro nerd tirava 5; de repente saltava um 9 da folha; ia ver o nome, era o japonês crânio da turma. O engraçado é que, apesar da preocupação que as palavras desses estudantes parecem conter, não é o que suas atitudes aparentam; falam rindo deles mesmos (do 1,8 que tiraram na prova valendo 5, por exemplo); afinal, sabem que estão em uma escola bastante exigente e que, no final das contas, vão acabar passando de ano. Quando é lembrado o nome da tal aluna que tirou 4,9 eles constatam, “ah, mas também ela....”, como se se tratasse de um café-com-leite às avessas, isto é, não faz parte do grupo dos alunos “normais”.

Outro dia deparei-me com estudantes do São Bento. Foi uma exceção, pois meu trajeto não tem a ver com o dos meninos de lá. Mas pelo que entendi tinham ido fazer alguma coisa na PUC (inscrição no vestibular?) e estavam se dirigindo de volta ao colégio. O papo deles era sobre as Olimpíadas de Matemática de que uns tinham participado algum tempo atrás. Um dizia que havia ficado em quinquagésimo e não sei quanto no ranking. Tive a impressão de que, para eles, era uma mera diversão, tal qual um campeonato de pelada. O estereótipo de nerds que algumas pessoas podem ter dos alunos desse colégio caiu por terra para mim.

Eles tinham o cabelo meio compridinho, meio bagunçadinho, como é moda entre os adolescentes. E eram bem tranquilos. É como se o clima de estudo estivesse já tão inserido neles que parecia ser algo normal. Tanto que não discutiam se iam ou não passar no vestibular; a dúvida era qual universidade que iriam cursar. Depois, passaram a lamentar o fato de terem terminado cedo demais sua missão na PUC e terem de retornar ao colégio a tempo de assistir às aulas da parte da tarde. E, por fim, já que passava do meio-dia, começaram a tentar adivinhar qual seria o menu do dia no refeitório do colégio. E qual não seria um dos papos prediletos de uns garotos enormes, famintos, em horário de almoço?

Por fim começaram a criticar o professor de Religião, que na semana anterior não os havia liberado de sua aula após uma prova dificílima que tiveram que fazer. Ou seja, até os estudantes do São Bento reclamam dos professores caxias. Afinal também são jovens.

Desses fios de conversa entre estudantes, porém, o que mais me chamou atenção foi o papo de duas meninas do Pedro II. Uma delas parecia estar fazendo estágio em algum laboratório, em que podia manipular uns bichos; tinha acabado de fazer 18 anos (pelo papo e pelo porte, elas já deviam estar no último ano, mas não consegui ver o número de estrelinhas no brasão) e, por isso, podia exercer tal função. Ela contava sobre a manipulação que fazia com os animais que eram usados para experiência e que, por vezes, tinham de matar os bichinhos para fazer os testes. Ela não podia matá-los, pois não tinha autorização (formação?) para isso, mas os pesquisadores lá do laboratório, sim.

Foi aí que as duas começaram um leve debate sobre questões referentes à bioética. A amiga dizia não achar certo fazer experiências com animais pelo fato de eles serem seres vivos, e quem o homem achava que era para poder tirar a vida de outros com o intuito egoísta de melhorar a sua? A outra defendia, dizendo que se não fosse isso seria muito mais difícil, até mesmo inviável, encontrar a cura de diversas doenças. Era um papo sem fim, com bons argumentos de ambos os lados, para cientista, jurista, biólogo e religioso nenhum botar defeito. A concórdia por fim estabeleceu-se quando se falou sobre testes com fins estéticos que se faziam em cachorros e coelhos. Aí sim, ambas acharam um ato covarde e injustificável.

Eu quase me virei para elas para dizer que também concordava, mas quem ousaria discordar? Lembrei-me, então, de que muitas vezes em nossa sociedade a estética está em primeiro plano e que, não raro, colocamos a saúde em risco em detrimento da beleza, com regimes malucos e doenças provocadas pela busca de um corpo perfeito. E as cirurgias a que as pessoas se submetem? Acho ótimo que a pessoa tenha vontade de melhorar sua aparência; o contraditório é que, muitas vezes, essas mesmas pessoas que fazem cirurgias plásticas sem titubear – isto é, tomam anestesia geral, pontos, remédios fortíssimos – têm receio de se submeter a alguma operação para melhorar a saúde ou mesmo de tomar anestesia no dentista.

Ao presenciar tais conversas, vejo que os adolescentes têm tantas cobranças quanto os adultos: prazos, avaliações, fracassos, esforços... Mas parece que lidam com tais obstáculos de maneira bem mais light do que nós. É só notar como nos portamos no metrô: um olhar fixado em um horizonte inexistente, uma expressão séria, sisuda, sobretudo quando ocorre uma freada; ao invés de risos, bufos de reprovação.

À medida que nos tornamos adultos, parece que nos acinzentamos. Por que não jogar umas tintas mais alegres nessas demandas do dia a dia? Alegres como as cores do All Star desses adolescentes.

Publicado em 19/10/2010

Publicado em 19 de outubro de 2010

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