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Conceito, pedagogia e tecnologia – bases de um bom educador

Tatiana Serra

Entrevista com Daniel Salvador e Roberta Rolando

Foto de Roberta Rolando e Daniel Salvador
Roberta Rolando e Daniel Salvador

Para ser um bom profissional de educação, é preciso ter bases sólidas de conhecimento conceitual, pedagógico e tecnológico, não somente construídas separadamente, mas associadas entre si. É nisso que acreditam e pelo que lutam Daniel Fábio Salvador e Roberta Rolando, coordenadores do curso de extensão em Biologia da Fundação Cecierj.

Trabalhando para promover melhor formação continuada aos professores, eles investem em projetos de pesquisas para conhecer ainda mais o seu público-alvo, suas necessidades e, assim, formar profissionais que realmente colaborem para a construção do conhecimento de cada indivíduo, como forma de melhorar a educação em nosso país.

Na entrevista, Daniel e Roberta contam mais sobre seus projetos e dão dicas para a formação de um educador.

Revista Educação Pública: Fale um pouco sobre a sua trajetória até a coordenação do curso de extensão em Biologia do Cecierj.

Roberta: Sou bióloga formada pela Universidade Federal de Uberlândia (MG). Em 2005, vim para o Rio de Janeiro fazer mestrado em Microbiologia Médica na UERJ, seguido de doutorado na mesma instituição. Trabalho com Biologia molecular de parasitos. Em 2006, entrei para a Fundação Cecierj, criei a disciplina de extensão "Corpo humano e saúde: uma visão integrada" e hoje coordeno o curso de extensão em Biologia com o Prof. Daniel Salvador.

Daniel: Sou graduado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Uberlândia (MG); fiz doutorado em Ciência Animal na UFMG e sou professor associado doutor da Fundação Cecierj desde 2006. Atualmente, coordeno o curso de extensão em Biologia, em parceria com a Roberta, e o setor de produção de Web Biologia, que cria os materiais para a graduação do Consórcio Cederj. Em 2009, fiz aos coordenadores a proposta de uma disciplina em Ciências Biológicas, “Tecnologias educacionais para o ensino de Biologia e Ciência”, da qual sou atualmente professor responsável. A disciplina é oferecida como optativa no curso de graduação em Ciências Biológicas do Cederj e do curso presencial da Uenf.

Revista Educação Pública: Que conselhos vocês dariam às pessoas que se identificam com Biologia mas têm receio de seguir na profissão por preconceito de achar que essa não é uma área valorizada no mercado de trabalho? Que áreas de atuação vocês recomendariam?

Roberta: Eu acho que o campo de educação a distância e de tecnologias aplicadas à área de Biologia é muito interessante. Nesse campo, acredito que ainda não haja tantos profissionais e com tanta criatividade, pois isso o aluno não aprende na faculdade; ele precisa buscar essas informações fora dali. Na licenciatura não vejo muitos profissionais satisfeitos, mas pode ser um sucesso se você realmente gosta e começa a aplicar tecnologia no processo de ensino e aprendizagem. Na área de pesquisa, o profissional terá sucesso somente se fizer mestrado e doutorado. Mesmo assim, o mercado para doutores está lotado.

Daniel: Com relação ao ensino, o profissional não costuma ser valorizado, em área alguma. Há casos em que o profissional se aperfeiçoa, entra para o mercado privado e consegue um bom retorno do ponto de vista financeiro. Mas, se você colocar a docência como carreira, são poucos os profissionais bem-sucedidos e com boa remuneração. Normalmente eles têm que cumprir uma carga horária muito grande, em várias escolas. No Brasil, há desvalorização e falta de estímulo com relação ao professor de nível básico como profissional. Então, o que a gente tenta tratar é a outra parte do processo, que é dar oportunidade de esse profissional se atualizar, dar a ele as ferramentas mais modernas para que tenha maior sucesso dentro das possibilidades que a escola lhe oferece.

Revista Educação Pública: Ao lidar com a formação inicial e continuada de professores de Biologia e Ciências, o que vocês destacariam como pontos positivos nesses profissionais e pontos de dificuldade a serem trabalhados?

Roberta: Eu identifico nosso público como sendo muito heterogêneo, por vezes carente de informação, com certa deficiência de conteúdo; tem pessoas que há anos não se atualizam e outras com dificuldade em lidar com informática e novas tecnologias. Embora alguns apresentem dificuldades, nossos alunos cursistas são muito interessados e “famintos” por qualificação educacional.

Daniel: Sobre o perfil do nosso aluno na parte de formação continuada, publicamos um levantamento na revista EAD em Foco. De forma geral, identificamos que 42% deles são da região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro e 24% são da capital; muitos professores de Biologia estão deslocados da sua área, dando aula em outras disciplinas, e é uma característica dessa área encontrar um mercado muito saturado; muitos não atuam nem na escola pública nem na particular. Estão desempregados ou atuando em outro segmento; e o número de pedidos de inscrição dessas pessoas chega a 48% do total. Então, é o perfil de alguém que precisa do certificado para melhorar seu currículo ou do próprio conhecimento para melhorar sua prática docente.

Revista Educação Pública: Como funciona esse trabalho de identificação do público-alvo?

Daniel: A gente aplicou um questionário com os cursistas para colher dados que mostrem o perfil desse profissional com relação ao uso de internet e de ferramentas como rede social etc. Desde 2006, a gente faz um levantamento a partir do nosso sistema acadêmico e começa a traçar esse perfil, visando sempre atender essa demanda do mercado e entender o que realmente as pessoas estão procurando. Em relação à formação inicial, a graduação, a gente recebe grande parte de alunos que são do interior do estado, ao contrário do público da formação continuada. Apesar de boa parte deles ter uma base escolar comprometida, o processo de ensino a distância leva esses alunos a ser muito mais autodidatas. Então, se eles não aprenderem a trabalhar com autodisciplina e planejamento naturalmente vão evadir no primeiro ou no segundo período do curso. O aluno que está acima do 4º período já passou por esse processo de adaptação e demonstra muito mais interesse e vontade de aprender aquele conteúdo. Eu vejo até mesmo um diferencial com relação ao aluno presencial, que, muitas vezes, não tem a mesma iniciativa e garra para aprender.

Revista Educação Pública: Como ajudar o profissional a trilhar o caminho ideal?

Daniel: Junto com o conceitual, tentamos dar ao profissional a experiência didática e a parte de conhecimento tecnológico, e sabemos que isso é fundamental para o profissional de educação hoje em dia. A Biologia é uma área que se atualiza muito rápido, então, por exemplo, o conceito que você tinha há 10 anos sobre genética hoje está desatualizado. Além disso, introduzimos ferramentas tecnológicas e pedagógicas eficazes para os professores. Ensinamos a eles, por exemplo, como acessar uma comunidade virtual de aprendizagem, como buscar conteúdo na internet, como confiar no conteúdo encontrado, como compartilhar conhecimento em rede etc.

Revista Educação Pública: Por falar em ideal, qual seria o ideal de um profissional de educação? E quanto aos professores do curso de extensão, quais seriam seus diferenciais?

Daniel: O que temos como linha metodológica, que surgiu inicialmente de forma intuitiva quando pensamos no que queríamos para o nosso professor, é atualizar esse profissional em diferentes bases de conhecimento: tecnologia, pedagogia e conceito. Se essas bases de conhecimento estiverem isoladas, elas não produzirão o mesmo efeito que se estiverem agregadas. Então, um professor que tem base conceitual muito forte e nível pedagógico não muito desenvolvido não saberá passar esse conhecimento. Sabemos que as universidades estão cheias de profissionais assim, e essa é uma das maiores queixas dos estudantes. Não adianta saber muito se ele não tem o processo didático claro e não sabe passar a informação, promovendo o aprendizado de seus alunos. Hoje em dia, a base de conhecimento tecnológico também é muito importante. E se você não agrega o conhecimento tecnológico a esse processo ele não fica completo. A ideia é investir ainda mais em cursos que tenham essas três bases. Em nossos materiais, pode acontecer de haver foco maior em uma ou outra base de conhecimento, mas procuramos ter como foco as três bases. Eu destacaria ainda como habilidades de um profissional de Biologia – e que serviria para qualquer outra área – o perfil investigativo, a vontade de buscar; aprender a colaborar, ou seja, estar envolvido com outros grupos, em cursos de formação, redes sociais, troca de informação entre colegas da mesma área ou de áreas distintas; e ter pensamento crítico, quer dizer, não receber o conteúdo de forma passiva. Além disso, conhecimento sólido na sua área, pois é só com aprofundamento de conteúdo que vem a capacidade para criticar e discutir.

Roberta: Para dar um exemplo de integração entre os conhecimentos, temos um curso em que as aulas apresentam todo um conteúdo programático em textos em pdf, animações, vídeos e links para pesquisa. E a atividade da aula é que vai lançar o aluno para o tecnológico, como, por exemplo, a criação de uma história em quadrinhos utilizando as ferramentas que oferecemos com o fundamento conceitual daquela determinada aula. Acredito no profissional ideal como aquele que integra o tecnológico, o conceitual e o pedagógico. Todos os nossos profissionais dominam as ferramentas necessárias para a aprendizagem.

Revista Educação Pública: Dentro e fora da web, quais são as dicas de recursos e materiais didáticos a serem utilizados pelos profissionais de Biologia?

Daniel: Acreditamos que não haja necessidade de um laboratório equipado, mas sim a experimentação em sala de aula, como uma pequena bancada e materiais simples, em que já seja possível criar contextualização para o aluno. Em relação à Biologia, se você tirar os alunos do contexto da escola e os levar para um parque, poderá abordar muitos conceitos sobre meio ambiente, ecologia etc. Experimentação e contextualização são grandes pontos nessa área.

Roberta: Existem pontos na Biologia em que não há uma experimentação real. Por exemplo, você nunca vai enxergar uma molécula de DNA ao microscópio, mas usando recursos tecnológicos, é possível entender a estrutura desta molécula. Então, temos dois pontos: o da experimentação e o da utilização de recursos virtuais de aprendizagem, em que é possível tornar determinados detalhes mais reais para os alunos, porque tem detalhes que só os recursos tecnológicos transformam em palpáveis.

Revista Educação Pública: Fale um pouco sobre o projeto de pesquisa que está sendo feito a respeito do perfil do profissional de Biologia que utiliza a web, além do projeto de laboratório móvel nas escolas.

Daniel: Nosso trabalho de pesquisa tem ocorrido em duas frentes: uma delas é a comunidade virtual de aprendizagem. No Ning (sistema de comunidade virtual privada de aprendizagem, uma espécie de Orkut educacional, mas com um diferencial: o Ning é baseado em assuntos e não em pessoas), nossa equipe criou em 2008 a comunidade Professores de Biologia. A ideia era criar um espaço comum para agrupar os profissionais de Biologia e estudantes (hoje, a comunidade tem mais ou menos 1.400 membros). O uso de comunidade para aprendizagem ainda é muito novo, e estamos procurando entender como ela funciona. Hoje, algumas atividades dos cursos são inseridas na comunidade, numa tentativa de integrar o ensino formal ao informal. Nós apenas moderamos essa comunidade, ela é levada pelos seus usuários e 90% dos seus fóruns de discussão foram criados pelos professores usuários.
Outro projeto que estamos realizando é com professores e estudantes do Colégio Estadual Dr. Adino Xavier, em São Gonçalo (projeto financiado pela Faperj), nas aulas de Ciências e Matemática. Foi montado um laboratório móvel com 45 netbooks, um para cada aluno, para realização de atividade prática durante as aulas. Esse recurso faz com que o professor use a tecnologia a seu favor. Além do laboratório móvel, temos também a produção de animações e outros materiais didáticos para os professores usarem nesse tipo de prática em sala de aula. Esse produto tem o mesmo modelo pedagógico que usamos para produzir as web aulas de Biologia para os cursos a distância, porém adaptado para uso no ensino básico e em aulas presenciais.

Roberta: A gente fica nos bastidores e forma o professor para trabalhar com seus alunos.

Daniel: E não só o uso da tecnologia como recurso, mas também para capacitar o professor para essas novas práticas pedagógicas, dar uma solução educacional, algo que o ajude a provocar aprendizado nos alunos.

Revista Educação Pública: E qual tem sido o resultado desse trabalho com os estudantes de ensino médio?

Daniel: Esses projetos nos ajudam a entender como o trabalho que desenvolvemos na formação dos professores chega às escolas. Estar mais perto da escola nos ajuda a preparar melhor nosso plano estratégico de cursos e as ações de formação continuada para os profissionais de educação nessa área e a saber como estão sendo executadas as propostas que oferecemos a esses profissionais. Na prática, o professor tem que lidar com o fator motivação do aluno, a realidade social, são muitos fatores. Então, achar que vamos fazer formação continuada de professores sentados aqui em nosso escritório, somente preparando materiais e cursos, é um grande equívoco. Com a aproximação da realidade da escola, estamos tentando não cair nesse erro. Aliás, a proposta dessa linha de editais da Faperj (apoio à melhoria da qualidade de ensino das escolas públicas do Rio de Janeiro), que está financiando esse projeto pela segunda vez, é justamente esta: aproximar as pesquisas em educação da realidade da escola.

26/10/2010

Publicado em 26 de outubro de 2010

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