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O valor dos experimentos

Tatiana Serra

Entrevista com Alfredo Luis Mateus, um dos criadores do portal pontociência

Da ideia de criar uma página na internet com experimentos de ciências surgiu o pontociência,um portal colaborativo que já recebeu cerca de 500.000 visitas desde 2008. Por meio desse canal, professores e estudantes entusiasmados com o uso de experimentos, dos mais simples aos mais sofisticados, compartilham seus conhecimentos.

Em entrevista à revista Educação Pública, o professor de química Alfredo Mateus, um dos criadores do pontociência, fala sobre os principais pontos que definem o portal, sobre os diferenciais de um professor de ciências e sobre sua trajetória profissional, incluindo a publicação de seis livros e a chegada de mais dois entre este ano e 2011. Ele também conta sobre a vontade de criar um centro de produção e distribuição de material de experimentos para os professores de escolas públicas que pouco têm acesso a isso.

Revista Educação Pública - Fale um pouco sobre sua trajetória profissional.

Alfredo Mateus - Eu fiz a minha graduação em Química na Universidade de São Paulo. Logo em seguida, fiz meu mestrado em Química Inorgânica, também na USP. Fiz o doutorado na Universidade da Flórida, trabalhando novamente com Química Inorgânica, na área de catálise. Ao voltar ao Brasil, fui para Belo Horizonte e comecei a trabalhar no Colégio Técnico da UFMG. Estou lá desde 1999.

Revista Educação Pública - Quantos e quais são seus livros publicados? O próximo já está encaminhado?

Alfredo Mateus - Eu publiquei Química na cabeça, meu primeiro livro, em 2001, pela Editora UFMG. Em 2005, publiquei Construindo com PET, um livro de experimentos com garrafas plásticas. Em 2006, no centenário do vôo do 14-bis, eu publiquei, juntamente com o professor Eduardo Valadares, o livro Aerodescobertas, com experimentos de aerodinâmica. Em 2008, publiquei a versão em alemão do Química na cabeça, na editora Aulis Verlag, de Colônia (Alemanha). Em 2009, já com o pontociência, publiquei com os professores Helder de Paula e Débora Reis o livro Ciência na tela, com experimentos para o retroprojetor (Ed. UFMG). E muito recentemente saiu o Química na cabeça 2, um livro com experimentos todos novos.
O próximo livro já está em fase de diagramação e deve sair até o fim do ano. O título é Quântica para iniciantes, e foi escrito com o professor Helder de Paula, professor de física do Coltec (Colégio Técnico da UFMG). Este é um livro de experimentos e projetos com o tema da Mecânica Quântica. Para 2011, estou escrevendo um livro para o Ano Internacional da Química, que trará, além de experimentos, muitos assuntos atuais e interessantes da Química.

Revista Educação Pública - Que projetos você está desenvolvendo e quais serão seus próximos passos?

Alfredo Mateus - No momento, quero consolidar o pontociência, ampliando o seu público e seu acervo. Ele toca em um dos vários empecilhos para a efetiva realização de experimentos em sala de aula. Muitas vezes, os professores não conhecem os experimentos que podem ser realizados para um determinado assunto. Mas não basta o professor ter acesso aos roteiros dos experimentos; ele precisa ter o material para realizar os experimentos com os alunos. Então, eu gostaria de poder criar um centro que produzisse e distribuísse material de experimentos para os professores de escolas públicas.

Revista Educação Pública - Com relação a essa vontade de criar um centro de produção e distribuição de material para experimentos, já há algum projeto encaminhado?

Alfredo Mateus - A ideia veio de uma visita que fiz a uma ONG em São Francisco (EUA) que aproveita doações de empresas, principalmente as de tecnologia, para montar kits para professores. A ONG se chama RAFT (Resource Area for Teachers). Fiquei impressionado com a criatividade e a qualidade do trabalho. E eles trabalham com um público de professores que possuem muito mais recursos que os nossos, mas que mesmo assim ficam doidos ao verem os kits feitos com material reaproveitado. Nós ainda não conseguimos recursos para implementar algo parecido aqui no Brasil.

Revista Educação Pública - Quando surgiu a ideia de criar o portal pontociência? O que você esperava desse espaço, no que ele se transformou de fato e quais são suas expectativas para o futuro próximo?

Alfredo Mateus - O pontociência é financiado pela Finep, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Em 2008, recebemos um convite para criar um projeto na área de experimentação, e apareceu a ideia de termos uma página com experimentos. Ao refinarmos a ideia, pensamos em tornar o site interativo e colaborativo, permitindo que os usuários enviassem conteúdo e comentários. A idéia central era criar uma comunidade de professores entusiastas com o uso de experimentos e que compartilhassem o seu conhecimento com os colegas. Até certo ponto, podemos dizer que esse objetivo deu resultados, pois temos pessoas de todo o Brasil participando e colaborando. Formar uma comunidade é algo que leva tempo e precisa de pessoas que comprem a ideia e estejam frequentemente participando. Mas temos muitas pessoas que, mesmo sem colaborar ou comentar, acompanham os experimentos e, o mais importante, estão usando os experimentos em sala de aula. Para o futuro, espero poder melhorar a interface do pontociência e torná-lo ainda mais interativo.

Revista Educação Pública - Dê alguns exemplos de experimentos que podem ser encontrados no pontociência.

Alfredo Mateus - O pontociência tem experimentos de química, física e biologia. Temos muitos experimentos com materiais bem simples, que podem ser feitos em sala de aula. Temos também experimentos mais sofisticados, cujos vídeos podem ser mostrados aos alunos. Um exemplo destes é uma série sobre radioatividade com experimentos com fontes radioativas que dificilmente seriam encontradas em escolas. Outra parte do nosso acervo são vídeos sobre determinados temas, como a série sobre evolução, filmada no zoológico de Belo Horizonte. Esses vídeos têm duas partes: uma como pergunta e outra como resposta. A ideia é que os alunos discutam a pergunta antes de ver a parte com a explicação do que acontece.

Revista Educação Pública - Qual é o principal perfil do público-alvo do portal, de acordo com o retorno que você recebe dos visitantes? A maior parte dos alunos que costumam acessar o pontociência é do Ensino Médio? E os universitários? Há muitos professores da rede pública que demonstram interesse quanto aos experimentos publicados?

Alfredo Mateus - Creio que a maioria dos usuários é de professores de ciências, de vários níveis de ensino. Mas temos muitos acessos de alunos também, como universitários de cursos de licenciatura nas várias áreas das ciências. Eu tenho tentado estimular professores da prática de ensino a pedir como tarefa para seus alunos que enviem um roteiro de atividade experimental para o pontociência. Pelo que eu percebi, ao participar do Encontro Nacional do Ensino de Química este ano, muitos professores de escolas públicas já conheciam o pontociência e me disseram que usavam os experimentos.

Revista Educação Pública - A que fatores você associa o sucesso do pontociência? Quais são os números de visitantes e de experimentos publicados?

Alfredo Mateus - Temos cerca de 2.000 visitantes diários e, desde a abertura em julho de 2008, tivemos cerca de 500.000 visitas. Temos, hoje (29/10/2010), 523 experimentos publicados. Creio que exista uma demanda grande por instruções detalhadas sobre experimentos e sobre a ciência por trás deles. Muitas vezes a pessoa encontra o fenômeno em um site como o YouTube, sem nenhuma explicação e em outra língua. Além disso, o material do pontociência é bem produzido; os experimentos da nossa equipe são revisados por professores da UFMG e usamos muito o humor, tornando o material leve e interessante (sem prejudicar a clareza do conteúdo).

Revista Educação Pública - Desde quando e com que objetivo você integrou a tecnologia às suas outras bases de conhecimento? Cite alguns exemplos.

Alfredo Mateus - Para mim, a principal mudança das novas tecnologias foi no acesso à informação. Eu estou constantemente buscando informações na rede para preparar aulas. Eu uso vídeos de experimentos em sala de aula, quando são experimentos que usam materiais de difícil acesso ou perigosos. Eu gosto de fazer experimentos simples com os alunos como atividade prática ou como demonstração. Acho interessante também pedir para os alunos produzirem conteúdo para o pontociência, como vídeos, fotos e textos.

Revista Educação Pública - As novas tecnologias colaboram para democratizar as relações entre educadores e estudantes. Em sua vivência como professor, você poderia contar algum caso que destaque como bom exemplo de troca de informações entre você e seus alunos?

Alfredo Mateus - Para mim, a melhor maneira de facilitar essa troca é dar a oportunidade aos alunos de mostrar sua criatividade e produzir algo. Mas não basta pedir a eles que façam algo; a troca se dá quando há um retorno ao aluno sobre a qualidade do trabalho e ele pode refazê-lo até ficar bom. Um exemplo disso foi o trabalho que fiz com os alunos produzindo pílulas de áudio para a Rádio UFMG Educativa. O tema foi aquecimento global. Os alunos produziram os roteiros e fizeram as gravações dos personagens, que discutiam maneiras de diminuir os impactos com ações no dia a dia. Os alunos conseguiram criar diversas situações interessantes e tiveram oportunidade de trabalhar com a divulgação do conhecimento para um público maior. Hoje em dia, é muito simples criar uma rádio na internet e fazer uma gravação usando programas de edição de áudio gratuitos. Eu tento, sempre que possível, proporcionar situações em que os alunos possam criar e eu possa ajudá-los nesse trabalho. 

Revista Educação Pública - Qual o perfil dos seus alunos no Colégio Técnico da UFMG?

Alfredo Mateus - Os alunos do COLTEC fazem um concurso para as vagas nos cursos de técnico em Química, Eletrônica, Patologia Clínica, Instrumentação Industrial e Informática. São cursos bem disputados (Informática teve 70 candidatos por vaga). Mas como o concurso funciona por faixas, separando vagas para alunos por anos cursados em escolas públicas, podemos dizer que o colégio possui um público diverso, porém muito interessado.

Revista Educação Pública - Fale um pouco sobre suas ideias para as aulas práticas e para a utilização de recursos tecnológicos no processo de aprendizagem. Que sugestões você costuma dar aos professores de Ensino Médio, em especial?

Alfredo Mateus - Uma das sugestões que eu sempre dou para professores, especialmente para os que estão iniciando agora, é ir aos poucos. O importante é dominar bem o que se está usando e ir ampliando seu repertório ano após ano. No caso das práticas, por exemplo, eu recomendo que as domine bem e garanta o material para algumas poucas práticas no primeiro ano, repetir essas práticas e acrescentar mais no ano seguinte e assim por diante. Digo isso por que sei que as condições para o uso dos experimentos nem sempre são muito favoráveis e o professor pode se sentir frustrado se quiser fazer mais do que é possível. Mas, ao perceber que os resultados são positivos, o professor pode negociar com a escola para melhorar suas condições de trabalho para experimentos.

Uma segunda recomendação é não esperar por um laboratório equipado para fazer experimentos. Em uma sala de aula comum, é possível executar experimentos e demonstrações sobre todo conteúdo de Química. Muitos experimentos que eu proponho nos livros usam materiais como garrafas PET, latas de alumínio, água, sal, açúcar e detergente. Esses materiais, além de acessíveis, mostram ao aluno que objetos e compostos que ele usa e com que convive todo dia merecem ser estudados mais de perto com olhar científico.

Revista Educação Pública - Na sua opinião, quais devem ser os diferenciais de um professor de ciências?

Alfredo Mateus - Um bom professor, de qualquer área, deve ter entusiasmo pelo que leciona. Então, um professor de ciências deve mostrar entusiasmo pela ciência e pela tecnologia. O grande diferencial, para mim, é que nas ciências falamos e explicamos fenômenos e, mais do que apenas falar sobre eles, podemos mostrar esses fenômenos e engajar os estudantes em atividades que os façam pensar e investigar o mundo que nos rodeia. Dessa forma, professores de ciências devem saber aproveitar e enxergar nas coisas ao redor oportunidades para investigar o seu funcionamento. Ler o rótulo de produtos e visitar um supermercado procurando algo que possa ser usado em um experimento é um bom começo. Outra característica importante de um professor de ciências é um olhar crítico.

09/11/2010

Publicado em 09 de novembro de 2010

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