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Contribuições da história da cultura à história da educação

Juliana Maria Carvalho

No intuito de repensar a prática educativa e buscar soluções para um sistema educacional com tantos problemas como o brasileiro, os teóricos da educação têm se voltado para a história. Olhar para o passado permite rever experiências que deram certo e em que contexto foram bem-sucedidas, assim como aprender com os erros. Ao procurar no passado as causas do insucesso do presente, os historiadores depararam-se com a ausência de estudos específicos sobre a história da Educação, especialmente no currículo do curso de História. Essa disciplina encontra-se presa a conteúdos de didática ou a outras disciplinas do curso de Pedagogia. Com isso, alguns historiadores, como Falcon, foram buscar na história da cultura as respostas para as atuais questões da Educação. Se a cultura de um povo representa o conjunto de seus hábitos, costumes e práticas sociais, e temos buscado nela as explicações para a sociedade atual, nada melhor do que buscar nela as respostas que precisamos para redefinir a educação.

Repensando a história da Educação brasileira, podemos perceber que o sistema de ensino existente hoje é, em grande parte, resultado da atuação de forças históricas, econômicas e sociais. Formada com base na escola europeia da Revolução Industrial, desde nossa fase colonial a escola foi usada para impor e preservar a cultura dominante, e a educação servia como instrumento de reforço das desigualdades sociais. Ainda hoje é possível perceber que ela está centrada em um saber branco, europeu, e, por mais que se tenha tentado incluir a cultura negra e a indígena na sala de aula, parecem saberes distantes, geralmente ministrados na disciplina de História.

A própria seleção de conteúdos não era apropriada para todos os setores da sociedade e, ao mesmo tempo, não preparava eficazmente para o mercado de trabalho, fato que persiste. A rejeição às atividades técnicas produziu um ensino sem utilidade prática, que não chegava a incomodar o sistema vigente. Ainda hoje, nossos alunos têm dificuldade em relacionar teoria e ação, e a maior parte é incapaz de contextualizar conhecimentos como expressões algébricas ou análise sintática.

A escola do Brasil Colônia era frequentada apenas por homens, filhos dos donos da terra, representantes de uma sociedade patriarcal na qual exerciam autoridade sem limites. Os vestígios dessa autoridade permanecem até os dias de hoje, basta lembrarmo-nos de famílias tradicionais que mantêm o poder político em alguns estados do Brasil. Durante os primeiros séculos da colonização portuguesa no Brasil, o ensino ficou a cargo dos padres da Companhia de Jesus. A educação jesuíta no Brasil predominou até 1759, quando o Marquês de Pombal expulsou todos os religiosos da Companhia de Jesus de Portugal e de suas colônias. No lugar dos colégios da Companhia de Jesus foram criadas as aulas régias de Latim, Grego e Retórica, cada uma delas constituindo unidades autônomas e isoladas, pois uma não dialogava com a outra nem com outras escolas do saber.

Dessa época vem o modelo atual, embora muito se fale em interdisciplinaridade. Ainda não há integração entre as disciplinas e parece que continuamos distantes de encontrar uma solução que permita maior articulação ente elas. Nossos alunos percebem muito bem que fora da escola o saber não se encontra compartimentado, dividido em disciplinas que não se relacionam entre si. Na internet, por exemplo, várias disciplinas andam juntas o tempo todo, criando uma linguagem particular que não é contemplada na escola. No mundo real, os conteúdos interagem entre si e nosso cérebro é preparado para ver o mundo dessa forma.

Voltando à nossa história: a expulsão dos jesuítas não trouxe grandes modificações para a educação no Brasil. As elites ainda tinham os mesmos objetivos religiosos e literários, além do apelo à autoridade e à disciplina. Nossa situação educacional era agravada pelo fato de que não havia, propositalmente, escolas técnicas nem superiores no Brasil, a imprensa era proibida, não se imprimiam livros aqui e era muito difícil obtê-los vindos da Europa. Em síntese, em um país de base agrícola, a educação não era considerada um fator necessário.

A partir da década de 1920, motivada pelas ideias do filósofo norte-americano John Dewey, nossa sociedade começou a acordar para a educação e surgiu uma espécie de otimismo pedagógico baseado na consciência dos fatores psicológicos envolvidos na elaboração dos métodos de ensino.

Em 1929, o educador Lourenço Filho publicou um importante livro teórico sobre a Educação Nova no Brasil, “Introdução ao Estudo da Escola Nova”, que teve repercussão internacional. A partir da década de 1930, os governos estaduais do Brasil deram início a uma série de reformas de ensino, com foco na estrutura do ensino primário e normal. Embora cada estado tivesse autonomia para organizar um sistema completo de ensino, desde o primário até a educação superior, eles deixavam o ensino superior a cargo do governo federal; como o ensino secundário não era obrigatório para a admissão nos cursos superiores, não havia motivação para investir. A exceção era o Colégio Pedro II, diferente dos poucos cursos preparatórios da época.

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, foi redigido por Fernando de Azevedo e assinado por 26 educadores. O texto considera a Educação como uma função essencialmente pública e pede a unificação do sistema nacional de ensino e a laicidade, a gratuidade e a obrigatoriedade da instrução no Brasil; discute o problema da universidade e dos erros de concepção envolvidos com o seu papel e o problema da formação dos professores, dentre outros. Antes disso, em 1930, já havia sido criado, no governo de Getúlio Vargas, o primeiro Ministério da Educação no Brasil, responsável pela primeira reforma em nível nacional.

Desde essa década, vem crescendo o contraste entre Educação e desenvolvimento no Brasil. Os modelos de educação vigentes tem sido incapazes de diminuir as diferenças sociais e parecem refletir e manter a estrutura de classes no Brasil. Até hoje, famílias com pouca instrução matriculam seus filhos em escolas que ainda têm dificuldade de preparar cidadãos para a sociedade e o trabalho. Muitas crianças não são incentivadas a permanecer na escola e, dessa forma, passam-se várias gerações sem que haja aumento no nível de escolaridade da família.

Com esse resumo da história da Educação no Brasil, já é possível perceber como a história da cultura poderia influenciar e auxiliar a história da educação. Para Falcon, ainda permanece no ar o problema da autonomia da história da Educação em relação às outras ciências da educação.

O que é a história da educação? É a história aplicada aos fenômenos educativos ou uma teoria da educação, quer dizer, exposição da ciência pedagógica de uma forma histórica?

A recente história da cultura pode ajudar a história da Educação a encontrar um caminho próprio. Ao mesmo tempo, revisitar a educação sob o prisma da cultura permite rever o que estamos fazendo errado e por que o conhecimento oferecido pelas escolas é pouco atrativo para os alunos.

Georges Duby afirma que “a história cultural tem como proposta observar no passado, em meio aos movimentos de conjunto de uma civilização, os mecanismos de produção dos objetos culturais”. Se entendermos a produção de uma aula e a própria educação como uma produção cultural nós, professores, nós nos posicionaremos como os agentes principais da educação atual, capazes de rever esse processo histórico e transformá-lo, revertendo a situação.

Diante de todos estes fatores, creio que a maior contribuição dos estudos culturais para a educação é a abordagem sincrônica, capaz de refletir as diferentes faces da sociedade atual. Segundo Falcon, podemos encontrar as seguintes indicações temáticas na história da cultura:

  1. Visões de mundo: sistemas de valores e de normas ligados às necessidades econômicas, sociais e políticas da sociedade.
  2. Política cultural: as concepções das diferentes classes e camadas sociais e dos diversos movimentos e correntes.
  3. Intelectuais: seu papel/função como difusores da cultura.
  4. Ciência: condições de existência, resultados e funções no cotidiano, no desenvolvimento da sociedade, da consciência cotidiana e das ideologias.
  5. Cultura material e intelectual da vida cotidiana das diversas classes, camadas e grupos sociais.
  6. Tradição e inovação cultural de uma época, valores que se transmitem ou que desaparecem.

Observando esses itens, podemos perceber que a educação pode ser pensada por meio de alguns deles; quem sabe possamos tomá-los como inspiração para organizar a disciplina “História da Educação”. Talvez a organização dos estudos históricos permita rever os erros do passado de forma mais explícita, o que certamente nos levaria a não reproduzir modelos, práticas e atitudes com origem em outro tempo, outro lugar e outra gente que não a nossa.

BIBLIOGRAFIA:

FALCON, Francisco José Calazans. História Cultural e história da educação. In: Revista Brasileira de Educação, v. 11, n. 32, maio/ago. 2006.

Publicado em 16 de novmebro de 2010

Publicado em 16 de novembro de 2010

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