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Ecológicos e consumistas
Mariana Cruz
Conheço uma moça cujo filho adolescente é vegan – uma espécie de vegetariano mais radical. Além de não comer nenhum tipo de carne (ou “bicho morto”, como diz um amigo vegetariano light), não come nada que seja derivado de animal, ou seja, qualquer coisa que leve ovo, leite ou mel em sua composição. Assim, são também excluídos de sua dieta alimentos como queijo, manteiga e pão. A restrição que um vegan se impõe não é apenas alimentícia. O rapaz não usa vestimentas feitas de couro, camurça, pele, ou seja, nada proveniente dos bichos; veste-se com tecidos sintéticos ou feitos de algodão; não consome produtos de empresas que fazem testes com animais; em vez de pasta de dente, usa um “pozinho” (que a mãe dele não soube especificar bem o que era) e à noite quando faz xixi (note bem, apenas xixi) deixa para dar descarga apenas no dia seguinte, para não gastar água. Os humanos carnívoros devem achar tal postura um tanto excêntrica. Mas, se pensarmos bem, o menino só coloca em prática aquilo em que acredita e não prejudica ninguém com isso: acha que o homem não tem direito de usar e abusar da vida dos outros animais – e não é conivente com isso. Sua preocupação não se restringe apenas ao bem-estar dos bichos; ele se preocupa com o meio ambiente de forma geral.
Este, como tantos outros casos, mostra o crescimento dos movimentos ecológicos em diversas esferas. Diante da situação caótica de devastação a que nosso planetinha chegou, a preocupação com sua preservação se estendeu do âmbito estritamente institucional (Greenpeace, PETA etc.) para a sociedade civil. Até as crianças já estão se conscientizando da necessidade de cuidar do nosso planeta. Os pequenos de hoje têm um cuidado com o meio ambiente bem maior do que as crianças de outrora. Durante minha infância, entre os anos de 1970/80, apesar de nunca ter jogado papel na rua, não tinha preocupação com desperdício de água (apenas com o gasto de luz, pois, lembro-me bem de minha avó dizendo-me, quando eu esquecia as luzes acessas, que “não era sócia da Light”, mas neste caso era uma questão muito mais financeira do que ecológica).
Noto também uma conduta diferente dos jovens em relação a certos aspectos, como o fumo, por exemplo. Com a restrição ao fumo em diversos lugares, é notório que os jovens de hoje estão fumando menos, pois até mesmo em locais abertos, como uma festa ao ar livre, nota-se um número reduzido de fumantes, se comparado a uma década atrás (trata-se de uma constatação empírica, porém unânime entre meus amigos trintões baladeiros de longa data). No caso das crianças, a preservação da natureza é muitas vezes ensinada na própria escola.
Uma matéria publicada no caderno Zona Sul do jornal O Globo (edição de 28 de outubro de 2010) mostra as formas com que diversas escolas cariocas estão trabalhando questões ambientais, como: a transformação de casca de alimentos em combustível; a confecção de fantasias à base de jornais e garrafas PET; utilização do laboratório para transformar óleo de cozinha em sabão e alunos fiscais que multam os alunos que jogam papéis de bala no chão, entre outros.
São ótimas iniciativas. Mas a questão é: isso basta? É um avanço que os pequenos cresçam com tal consciência. Penso, porém, que muitos dos avanços da humanidade trazem consigo marcas de retrocessos. Parece contraditório... E é. Assim como o homem e a história (que é feita por e pelos homens) também são contraditórios. Se, por um lado, as crianças estão conscientes dos danos ambientais do nosso mundo, por outro elas consomem muito mais do que as crianças de vinte anos atrás. E, como se sabe, um dos principais motivos da degradação da natureza é o desenfreado consumo (quero deixar claro que não estou condenando a compra de brinquedos das inocentes crianças, tampouco fazendo um manifesto anticonsumista, defendendo o sistema de escambo ou pregando a implantação de um comunismo maoista, mas sim o exercício do consumo consciente). Em termos práticos, se antes as meninas tinham uma ou duas Barbies – e isso somente aquelas com mais dinheiro –, hoje elas têm vinte, trinta dessas beldades loiras de plástico. E não só as ricas; as meninas das classes média e baixa também.
Outra contradição que podemos ver aí: ótimo que meninas de todas as classes tenham a quantidade de Barbies que bem entenderem; por outro lado, ter dezenas de bonecas significa plástico e mais plástico consumido. É uma espécie de vício que faz com que a cada novo lançamento haja um nova aquisição: Barbie dentista, bailarina, fada, princesa, marciana, cantora, azul com pintas roxas e quantas outras mais inventarem. Por que os pais não tentam fazer uma boneca com objetos reciclados? Assim, quem sabe, ao invés de vinte, desça para quinze o numero de Barbies... Por que as escolas, paralelamente a essas lições ecológicas, também não passam para os alunos a necessidade de tentar diminuir o consumo?
Parece que os passos da humanidade não são dados linearmente para frente; por vezes vão para o lado, por vezes tropeçam em alguma pedra e por vezes vão para trás. Mas, pouco a pouco, como incurável otimista, eu penso que, a despeito de tais obstáculos, os avanços ocorrem – por milimétricos que sejam.
Que venha o dia em que todos tenham condições de consumir tudo aquilo que desejam. Melhor ainda: que venha o dia em que todos tenham consciência de que não precisam desejar tantas coisas materiais. Que venha o dia em que todos tenham condição de ter um carro e prefiram vir de transporte coletivo para o trabalho, de bicicleta, ou, quem sabe, andando. Por falar em andar... Continuemos nossa caminhada.
Publicado em 16 novembro de 2010
Publicado em 16 de novembro de 2010
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