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Minha aluna Fátima

Alexandre Rodrigues Alves

Há uns quinze dias, recebi no colégio um convite verbal, um tanto informal: uma ex-aluna teve duas poesias selecionadas num concurso da prefeitura do Rio em parceria com a Academia Brasileira de Letras e iria receber seu prêmio num evento na própria ABL; eu estava convidado para a cerimônia coletiva de entrega – junto à Fátima receberiam o prêmio professores, alunos e outros servidores (ela é auxiliar administrativa de uma escola municipal).

Comecei a lembrar da sua trajetória: voltou a estudar no 2º ano do Ensino Médio, sempre se destacando na turma, pelo empenho e pelo companheirismo, mais do que por um conhecimento acima da média. Estava sempre disposta a perguntar por quê? Como se faz? Como se calcula? As melhores perguntas estavam também na ponta da língua: para que serve? Como isso se aplica? O que isso tem a ver com a minha vida?

Fátima tinha firme ascendência sobre os colegas, a ponto de alguns alunos bagunceiros pedirem pra trocar de turma no meio de ano.

No terceiro ano, seu filho veio pra escola e ficou na mesma turma – o que foi bom para ele, para ela e para a turma. O melhor foi que, por uma decisão dos professores de Língua Portuguesa, a Luíza ficou como professora exclusiva de Literatura – e no fim do ano montou uma peça de teatro reunindo alunos de todas as suas turmas do Ensino Médio.

Fátima passou no vestibular para uma universidade particular; pôde cursar porque foi beneficiada com bolsa por ser funcionária municipal. Se minha memória não me engana, estava entre fazer Letras e História.

Apesar de ser esposa de um inspetor lá do colégio (foi ele que me mostrou a notícia da Secretaria Municipal de Educação para a Fátima), perdi o contato frequente com ela quando passou para a faculdade, e deixamos de falar de livros e autores, novidades, dúvidas de gramática e linguística.

Tempos depois, recebi um pedido de estágio nas minhas turmas: era para Fátima e dois colegas de turma, Nelson (um juiz que depois de receber a toga voltou aos bancos universitários) e Betânia, que em setembro teve problemas na gravidez e precisou se afastar sem concluir o processo.

Mais do que dois observadores, ganhei dois companheiros de trabalho excelentes, pois ajudavam a atender os grupos que se formavam, tiravam dúvidas dos alunos, muitas vezes propunham exercícios a partir dos assuntos tratados.

Era um prazer muito grande tê-los como colegas; inúmeras vezes ficamos depois da aula conversando sobre situações especiais, alunos que merecem mais atenção, os próximos passos a serem trabalhados; me cobravam por que tomei uma atitude ou segui uma determinada linha de raciocínio ou de explicação. Deixei que escolhessem os assuntos que abordariam em suas aulas práticas – dentro dos conteúdos que estávamos estudando, claro. Nelson foi muito bem, até pela prática que o tribunal lhe deu. Fátima começou nervosa, mas bastou um aceno para que “desembuchasse” tudo que tinha preparado e desse uma aula excelente – inclusive em questões de disciplina dos alunos, que estavam agitados por problemas extraclasse.

Um ano depois fui chamado para sua formatura; com toda a farra organizada que caracteriza essas ocasiões, deu para perceber a liderança que Fátima exercia também nessa turma: se minha memória não falha de novo, ela foi a oradora da turma, num dos poucos momentos de silêncio no auditório.

No dia 24 de novembro de 2010, Fátima subiu ao palco onde se destacavam o acadêmico Ivan Junqueira e o homenageado Ferreira Gullar para ler sua poesia Desalinho, muito aplaudida (com justiça) no final. Ao encontrar uma radiante professora Luíza na plateia, só me restou dizer: “a culpa é sua!”.

Pelo empenho, pela determinação e pelos sucessos que a Fátima vem conquistando, essa é certamente uma culpa que Luíza gosta de ter.

Publicado em 7 de dezembro de 2010

Publicado em 07 de dezembro de 2010

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