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Andar em Ouro Preto

Alexandre Amorim

Ouro Preto é uma cidade de pedra, cercada de rochas, construída em pedra-sabão, barro e minérios variados que são sua base e ajudaram a erguer suas ruas, igrejas e casas.

E Ouro Preto é uma cidade de sonhos, acalentada por Drummond, Bandeira, pelos modernistas e pelas pessoas que passeiam à noite e cruzam a névoa que baixa sobre a Praça Tiradentes, descem a rua, viram à direita e se deparam com a Igreja de São Francisco de Assis.

São todos sonhadores em Ouro Preto. Até mesmo as moças que servem nos cafés, os vendedores de pedras preciosas, os professores da Universidade Federal, os trabalhadores que extraem minérios, os guias que nos contam histórias, inventadas ou não.

E vivem todos a realidade de pedra de Ouro Preto. Sobem as ladeiras, trabalham, oferecem risos aos turistas e saem de seus trabalhos no centro histórico para bairros feios e medíocres da cidade que é monumento universal.

Andar por Ouro Preto é conviver com minhas contradições, e sabê-las passíveis de convivência. É o esforço de subir até Santa Ifigênia e sentir o coração bater de desespero e beleza, pelo cansaço e pela visão do vale que abriga a cidade e seu povo.

Minhas contradições, que brigam com minhas tradições e meus desejos do moderno. Contradições que congelam meu olhar frente ao corpo perfeito do Cristo de marfim esculpido por Aleijadinho, que cimenta meus pés enquanto o altar da Igreja do Pilar me devora em sua voracidade, tradições de um ateu que se ajoelha para agradecer a todos que construíram os santos e igrejas dessa cidade. Que eles fossem vivos hoje para compreender, além da beleza barroca de sua exuberância, a beleza moderna de sua humanidade em detalhes.

E, se eu continuar a andar, posso chegar ao Barroco, o bar em que estudantes bebem cervejas em garrafa e comem rissoles de queijo minas curado. Entrar em contato com a sede, a fome e a satisfação de tudo, porque enquanto se bebe e se come eu posso ainda olhar as torres, as janelas, o chão de pé-de-moleque, os sorrisos de quem passa em doces balanços, a caminho de não sei que destino. São estudantes, moram em Ouro Preto por alguns anos e voltam aqui para a vida inteira.

Não há mais contradições em minhas andanças por Ouro Preto. É o paradoxo que se transforma em harmonia, como pedras com que sonhamos, e é harmonia que se desfaz em realidade cotidiana, como sonhos que se tornam a matéria do acordar. Ouro Preto é eterno continuar a viver – sonho e realidade. Matéria de sonhos e sonho de pedras.

Minhas contradições, eu já entendi, são Minas: contradições. Liberdade, ainda que tardia. Mas que não tarde essa liberdade tão querida.

Se, a cada vez que eu for a Ouro Preto, escrever uma crônica sobre esse passeio, serei um homem feliz. Mesmo que essa felicidade nasça de alguma melancolia.

Publicado em 14/12/2010

Publicado em 14 de dezembro de 2010

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