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Ir além do material didático: um jeito diferente de dar aula

Tatiana Serra

Contar histórias, ler uma poesia, assistir a um filme ou a uma peça de teatro, ouvir uma música... Como oferecer aos alunos algo além do material didático? Ou melhor, há limite para atrair a atenção dos alunos e fixar o conteúdo em suas memórias?

Lembro-me de que, quando eu estava no Ensino Médio, tive uma professora de História que ia além dos livros. Ao dar aula sobre a Revolução Francesa, por exemplo, ela contava histórias do cotidiano dos franceses da época. Lembro de ela contar detalhes sobre o Palácio de Versailles e, ao estudar a matéria em casa, me sentia andando por entre os franceses nos corredores do Palácio sem nunca ter ido lá. Até hoje, a França é um dos lugares que eu pretendo conhecer, e Versailles já é roteiro definido para um dia inteiro. Por falar em viagem, é importante ressaltar que a minha professora de História visitou a França e outros países da Europa, o que fez com que seus contos ficassem mais ricos e interessantes, é claro. Infelizmente, de acordo com a realidade da maioria dos professores brasileiros, se não sobra dinheiro nem para investir numa especialização, que dirá para uma viagem com a finalidade de enriquecer seus conhecimentos!

Ler história em sala de aula: perda de tempo?

Outro recurso utilizado em sala de aula é contar histórias, para fixar o conteúdo, para fazer o aluno refletir sobre o tema discutido, para relaxar diante de uma matéria difícil, para desinibir o leitor ou mesmo para estimular a leitura entre os alunos. Mas será que ler histórias em sala de aula é perda de tempo? Foi o que perguntamos aos leitores da revista Educação Pública, na seção Discutindo. A maioria dos profissionais de educação considera válida a leitura de histórias em sala de aula, e o mais interessante foram os relatos de suas experiências, as dicas e os questionamentos trazidos à discussão.

Para Izabel Rech, ler histórias em sala de aula não é perda de tempo, “desde que essa leitura já tenha sido feita antes pelo leitor, pois assim ele já saberá o conteúdo, seu significado e o contará com mais emoção. Porque quem está lendo tem que entrar na história e vivê-la”. Um exemplo de que essa estratégia funciona foi o projeto de leitura desenvolvido pela professora Selma, no qual as crianças recontavam a história após tê-la ouvido e, coletivamente, faziam "ajustes" para que o texto ficasse cada vez mais próximo do convencional. “Trabalhamos aspectos gramaticais, pontuação, ortografia e ordenação de pensamento. Foi muito gratificante perceber meus alunos de primeira série como escritores e leitores competentes. Como produto final, escrevemos um livro de contos e doamos ao acervo de nossa escola”, conta ela.

Isabel conta um pouco sobre sua postura com relação à leitura e dá dicas aos docentes: “sou fascinada por livros e meus alunos também. Ao iniciar a aula, sempre leio um livro, mas não é qualquer um; é um livro contendo uma história importante para eles, de acordo com seu nível, com linguagem apropriada. Uma coisa importante é escolher aquele bom livro que já rodou pelas mãos dos alunos e pelo qual eles não demonstraram interesse. Depois que o professor lê, tenha certeza de que eles o procurarão. É importante falar sempre do autor e de suas obras. Não ler o livro só por ler, mas viajar junto com eles na leitura. Jamais uma sala de aula, principalmente de primeiro a quinto ano, deve ficar sem bons livros. Triste é quando esse hábito de ler não é levado adiante”.

Marcia Dunzer aproveitou a discussão para colocar outra questão aos colegas: “Como estimular a leitura das crianças na biblioteca? Pelos livros que eles levam para casa? Sabemos que muitos deles levam por levar, sem o menor interesse ou despertar a escrita e a leitura”.

Direitos do aluno leitor e não-leitor

A professora Maria indicou um blog que traz uma espécie de manifesto sobre os direitos do aluno leitor. "É sempre difícil escolher o que ler com os alunos, sempre uma aposta. Uns livros dão certo, outros são um fracasso total. Às vezes, uma turma ama Capitães de Areia e outra detesta. Não sei bem ainda o que faz um livro funcionar ou não, e sempre penso e repenso as leituras que faço com meus alunos. Uma síntese do que eu penso sobre isso pode ser lida numa espécie de manifesto sobre os direitos do aluno leitor:

  1. O aluno não precisa gostar do livro lido. Inclusive, é livre para odiá-lo.
  2. Ao aluno deve ser oferecido sempre o que há de melhor na literatura universal, passando por todos os gêneros.
  3. A literatura não é objeto santificado, sagrado, nem de culto máximo.
  4. Livros inteligentes devem ser tratados com inteligência.
  5. Se o aluno não lê nada, mas nada mesmo, provavelmente é porque não sabe ler.
  6. Os alunos têm direito a excelentes bibliotecas e a livros baratos.
  7. Os alunos têm direito a professores ultra bem-remunerados e com tempo para dedicarem-se a eles."

Já Grazielle Gomes acha preocupante a distância que a prática da leitura está ganhando para os alunos, mediante tantas inovações do mundo moderno. Para ela, cabe ao profissional de educação estar atento e resgatar essas práticas que tendem a se perder cada vez mais. Afinal, a leitura pode proporcionar sempre mais: “A leitura abre a mente, trabalha a emoção e promove a sabedoria, o raciocínio e... muito mais”, enfatiza a professora Dôra Monnerat.

Mas há quem pense diferente da maioria. Para Kelly de Oliveira, a leitura de histórias em sala de aula pode ou não ser perda de tempo, dependendo da classe. “Em determinadas aulas ou determinados cursos, acho que não é necessário. Se for algo a ver com o assunto a ser trabalhado, é válido. Mas se for algo que não tem nada a ver, é perda de tempo. Há também a descontração, que faz parte. Mas sempre se torna cansativo, chato e inconveniente”, afirma ela.

O limite está onde o aluno deixa de estar

Diante dos depoimentos, constatamos que não há limites para fazer das aulas um momento realmente interessante e rico. Ou melhor, o limite se dá quando o aluno demonstra desinteresse. Daí, é chegada a hora de mudar de estratégia. Porém, quando se trata de aula de História, de Geografia e até de Literatura, parece mais fácil encontrar na contação de histórias, no cinema e na música alternativas de recursos para chamar a atenção dos alunos e para fixar o conteúdo. O que parece não realizável para alguns professores de outras disciplinas pode ser um desafio totalmente possível, realizado com muita criatividade por vários deles. Melhor ainda quando se tem a participação dos alunos desde a idealização dessas alternativas de aprendizagem.

Conversando com uma estudante do 1º ano do Ensino Médio, pude observar que tem muito professor transformando as alternativas em didática. E você pode estar pensando: “Deve ser um professor de escola particular, que tem tempo e dinheiro para investir em suas aulas. Assim, fica mais fácil!”. Engano seu. A menina com quem conversava tinha apenas 16 anos e estudava no turno da noite de uma escola pública da Zona Norte do Rio de Janeiro. E seu professor de Matemática, um jovem educador, demonstrava em suas aulas incentivo à criatividade aos alunos (dava par ver nos olhos da aluna). Nunca vi tamanha empolgação ao falar de um professor como vi no olhar daquela estudante. Com um livro entre as mãos, ela me mostrou um material elaborado por esse professor e seus alunos desde o início do ano letivo. Pelo que pude ver, eram histórias em quadrinhos que, de maneira descontraída, iam ensinando tudo sobre Matemática. O personagem principal da história era um aluno de escola pública que sonhava chegar à universidade e ser médico. Vale lembrar que as características do protagonista foram escolhidas pelos alunos por votação.

Filmes ajudam ou atrapalham os alunos no aprendizado da matéria?

O cinema é outro meio de informação muito utilizado, dentro e fora da sala de aula, a fim de levar ao público um pouco da história e de seus momentos marcantes. Mas há de se ter cuidado ao fazer desse um recurso didático, pois a ficção é livre para criar em cima da história e para omitir fatos reais.

Uma matéria publicada no site Ciência Hoje relatou estudo norte-americano que revela erros e acertos de passar filmes históricos em sala de aula. Segundo esse estudo, se por um lado o aluno fixa o conteúdo com mais eficiência, ele também guarda com igual facilidade os anacronismos e as incorreções da obra. Então se questiona: filmes ajudam ou atrapalham os alunos no aprendizado da matéria?

O pesquisador norte-americano Andrew Butler fez uma experiência com alunos da Universidade de Washington, na cidade de Saint Louis (EUA): exibiu trechos de nove filmes para os estudantes e, ao mesmo tempo, apresentou a eles textos didáticos correspondentes ao mesmo momento histórico de cada obra. Os resultados foram apresentados no estudo Using popular films to enhance classroom learning (Usando filmes populares para melhorar o ensino em sala de aula). Em cada trecho de filme havia uma correção e uma incorreção histórica. Obviamente, a exibição dos filmes ativou o interesse dos alunos, além de fazer com que eles fixassem melhor o conteúdo passado. Porém concluiu-se que, se não forem avisados do erro histórico que o filme contém, os alunos tendem a fixar a incorreção, mesmo após a leitura do texto.

O pesquisador ressalta que “os estudantes frequentemente reproduzem o erro do filme, muitas vezes, com bastante confiança, mesmo que o erro seja totalmente contrário à informação que os alunos leram no texto histórico. Às vezes, eles até acreditam que a incorreção está incluída no texto, e não no filme”.

Butler, então, sugere aos professores: “se for para passar filmes, é fundamental que, antes da exibição, o professor advirta a turma das possíveis incongruências históricas que a obra possui. Com isso, segundo a pesquisa, os alunos ficarão mais atentos às incorreções e dificilmente cometerão erros”.

Os filmes usados por Andrew Butler em seu estudo foram: Amistad (1997), Tombstone - A justiça está chegando (1993), Maria Antonieta (2006), Amadeus (1984), Tempos de glória (1989), U-571 - A batalha do Atlântico (2000), Elizabeth (1998), Fora da jogada (1988) e O último samurai (2003).

Publicado em 14 de dezembro de 2010.

Publicado em 14 de dezembro de 2010

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