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Os dois lados da ecologia

Alexandre Amorim

Como acontece há seis anos na cidade de Ouro Preto (Minas Gerais), o Fórum das Letras reuniu em novembro passado algumas cabeças pensantes para discutir literatura e cultura. E como também sói acontecer, a discussão tomou outros rumos, que acabaram sendo degustados e digeridos pelos palestrantes e pelo público presente. Nesta edição do Fórum, a mesa de debates Escrita, liberdade e transformação do mundo, formada por Leonardo Boff e pelo escritor Mia Couto, acabou por se revelar uma ótima oportunidade de discutir ecologia – assunto por demais genérico para ser questionado e por demais importante para ser ignorado.

Os debatedores têm bastante experiência na área, uma vez que Mia Couto frequentou o curso de Medicina de 1971 e 1974, mas acabou por retomar o estudo acadêmico, quase quinze anos depois, em Biologia, especializando-se justamente na área de Ecologia. Além de escritor, seu trabalho como biólogo em Moçambique está intimamente ligado à sustentabilidade ecológica: “sou ecologista e faço investigação nas florestas das dunas costeiras. A ideia é procurar formas de apoiar as famílias que ali vivem explorando de maneira sustentável os recursos naturais”.

Leonardo Boff é autor de livros e vídeos ligados a ecologia, além de ser coautor da Carta da Terra, importante documento de princípios éticos fundamentais para a construção de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica, por meio de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica. Essa Carta é uma iniciativa das Nações Unidas e foi elaborada por milhares de organizações internacionais (veja mais em www.cartadaterrabrasil.org).

Mas a maior característica do debate entre os dois autores foi mostrar que se pode lutar pela causa ecológica em campos de ação diferentes. Como verdadeiros “irmãos de armas”, Boff e Mia Couto partilham a sensação de que o planeta precisa de cuidados, mas cada um luta por esse zelo de um modo diferente. É como se Couto observasse o “lado interno” e Boff o “lado externo” das relações entre o homem e seu meio.

Boff acredita que existem quatro caminhos a serem trilhados: o social, o mental, o ambiental e o integral. A procura por mudanças nas relações tecnológicas – especialmente entre o lucro industrial e os níveis de poluição – e nas relações sociais é a busca por uma distribuição equilibrada de recursos. O acúmulo, hoje, significa desperdício. Boff afirma que “não adianta o meio ambiente, precisamos do ambiente inteiro”. E o ambiente é formado pela nossa casa, que é o planeta, por nós e pela relação entre a Terra e os homens. O caminho mental para a ecologia é justamente a tomada de consciência dessa relação, em que o homem e a Terra devem ser tratados como interdependentes e à frente das necessidades do mercado: “temos, na ecologia mental, que desenvolver essas outras potencialidades que estão dentro de nós para que elas tenham como efeito uma sociedade equilibrada, mais justa, alegre e feliz”, atesta Boff.

O estudo da genética nos faz ver que todos os seres vivos, das bactérias às pessoas, trazem um mesmo alfabeto genético, com idêntico número de aminoácidos e bases. A diversidade da vida vem das diferentes combinações desses elementos. Essa inter-relação dos seres inclui o próprio planeta, que é também um ser vivo. Boff ensina que “homem vem de húmus, terra boa e fértil. Somos uma parcela da Terra. Formamos o elo ético dessa corrente, aquele que se responsabiliza por sua vida e a dos outros seres. Essa é nossa vocação”. A vocação do homem é, portanto, ser a consciência desse sistema ecológico. Mas parece ser uma vocação esquecida, ou oprimida por interesses maiores. Leonardo Boff conclama a sociedade a lutar de forma mais efetiva pelo equilíbrio, que pode começar pela sustentabilidade.

De modo mais intimista, Mia Couto usa seu talento literário ao sugerir que o homem não pode afirmar ser algo puro e à parte do sistema biológico, porque ele mesmo não tem consciência de que é formado. “Somos todos mestiços”, diz ele, ao dar o exemplo das bactérias que estão em nós e que, “mais do que estar em nós, nos formam. Nós somos, também, essas bactérias”. Essa mestiçagem se origina nas várias vidas que estão em nós – que somos nós. Não há “pureza” na formação dos seres vivos, estamos todos inseridos e formados pela diversidade ecológica.

O moçambicano defende uma mudança no modo de pensar o ser, uma vez que a definição de identidade propriamente dita se perde a partir da consciência de inter-relação e de um constante transformar-se, que são características fundamentais do homem. E essa mudança no pensamento é a chave para pensar a relação com o ambiente, que é também parte desse ser.

Como se Boff prezasse o lado sociológico e Mia cuidasse do plano filosófico da questão ecológica, os dois pensadores apontam caminhos necessários para um equilíbrio urgente na dependência íntima do homem com o seu habitat. São dois lados de uma mesma moeda, que o planeta nos cobra.

Publicado em 14 de dezembro de 2010

Publicado em 14 de dezembro de 2010

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