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Discutindo a questão da Educação Inclusiva
Prof. Adriana Oliveira Bernardes
Doutoranda em Ciências Naturais (Uenf)
No mundo globalizado em que vivemos, do qual sofremos todas as consequências, a informação bombardeia mais e mais o cidadão comum e torna o conhecimento o patrimônio mais importante do indivíduo hoje.
A escola deve adequar-se a esses novos ares, e, dentro de um ambiente inclusivo, propiciar aos alunos o acesso ao conhecimento de forma plena, fazendo a ponte entre o estudante e o conhecimento, preocupando-se antes de tudo em oferecer ensino de qualidade.
Segundo Mantoan (2002),
o motivo que sustenta a luta pela inclusão como uma nova perspectiva para as pessoas com deficiência é, sem dúvida, a qualidade de ensino nas escolas públicas e privadas, de modo que se tornem aptas para responder às necessidades de cada um de seus alunos, de acordo com suas especificidades, sem cair nas teias da educação especial e suas modalidades de exclusão.
Na escola inclusiva, não podemos deixar de fora nenhum indivíduo que faça parte da diversidade de pessoas que compõem hoje a humanidade, pois todos podem e devem fazer parte dela.
Porém, devemos considerar que, como afirma Martins et al (2006, p.102), “a escola é um espaço contraditório, apresentando tanto práticas de discriminação como de conscientização”. Nesse contexto, poderia ser criado nas escolas regulares um ambiente que favorecesse o contato entre os alunos com e sem deficiência, em que houvesse conscientização das diferenças existentes entre os indivíduos e que essas diferenças fossem vistas de forma natural, não constituindo empecilho ao desenvolvimento do indivíduo que não se enquadra nos padrões da sociedade contemporânea.
No relatório criado pela Comissão Internacional de Educação e apresentado pela Unesco, com o objetivo de estabelecer metas para o século XXI, fala-se na importância de fazer valer quatro diretrizes, chamadas pilares da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser.
Os quatro pilares da educação devem existir para a diversidade de alunos que compõem a humanidade – e não apenas para os que, dentro dos padrões da sociedade moderna, são considerados aptos a vivenciá-los no cotidiano escolar.
Em geral, o ensino nas escolas é centrado em duas das quatro diretrizes: aprender a conhecer e aprender a fazer. Entretanto, segundo a Comissão Internacional de Educação, os quatro pilares da educação devem ser alvo de igual atenção.
Nesse sentido, aprender a conhecer objetiva tanto a aquisição de conhecimento como o domínio de instrumentos para sua obtenção, o que, no contexto da deficiência visual, é prejudicado por vários fatores – dentre eles a falta de recursos didáticos específicos, o que, no contexto da deficiência visual, segundo Cerqueira (2003), “pode conduzir a aprendizagem da criança deficiente visual a um mero verbalismo, desvinculado da realidade”.
Aprender a fazer, segundo a Comissão Internacional de Educação da ONU é indissociável de aprender a conhecer. Porém, aprender a fazer está relacionado a ensinar os alunos a colocar em prática o que aprenderam – o que nem sempre é fácil para o professor quando se depara, em sala de aula, com um aluno portador de deficiência visual. Muitas vezes falta preparo ao docente, e os currículos das universidades, em sua maioria, não consideram que os futuros professores terão que trabalhar com uma diversidade de alunos.
Aprender a viver juntos, a conviver com a diversidade de pessoas no mundo e, por conseguinte, aprender a conviver com a diversidade nas escolas é um grande desafio; segundo Delors (2003), seria desejável que “se tornasse um objetivo a ser alcançado nas escolas”. Para ele, “aprender a ser está relacionado a poder desenvolver plenamente sua personalidade, a agir com autonomia, discernimento e responsabilidade”.
Numa época em que tanto se fala em educação para todos, a compreensão dos conceitos de Educação Especial e Educação Inclusiva torna-se de suma importância para o entendimento dos dilemas existentes e da situação geral do ensino em nosso país (particularmente do ensino de Ciências) e levará à compreensão do que seja uma escola inclusiva.
Quando falamos em Educação Especial, estamos nos referindo a uma forma de ensino que visa garantir a educação formal para alunos com necessidades especiais.
É importante lembrar que a visão sobre a deficiência é social e historicamente construída; a conotação que temos hoje do que seja deficiência certamente é bem diferente daquela de outros momentos da história. Com o fim da Idade Média e o início da Moderna, a deficiência começou a ser vista como uma doença, o que não acontecia antes; a partir daí começou-se a pensar em educação para as pessoas com deficiência.
Há muito pouco tempo começou-se a falar em Educação Inclusiva; o movimento social originado nos países desenvolvidos na década de 1980 só começou a ser discutido e articulado no Brasil a partir da década seguinte. Os fatores que contribuíram para que essas ideias ganhassem força no Brasil foram: a Declaração de Salamanca (1994) e a promulgação da LDB (Leis de Diretrizes e Bases), em 1996.
Segundo os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), ”a inclusão escolar impõe-se como uma perspectiva a ser pesquisada e experimentada na realidade brasileira” (Brasil, 1998).
Quando falamos em Educação Inclusiva ou em escola inclusiva, estamos falando num novo modelo de escola, que aceita e convive com a diversidade de alunos e está preparada para isso.
Várias dificuldades são enfrentadas por pessoas com necessidades especiais, tanto em relação aos recursos didáticos oferecidos quanto em relação à própria metodologia utilizada pelos professores, o que faz pensar que, para que venha a seguir este novo paradigma e tornar-se inclusiva, a escola como conhecemos hoje terá que mudar, incluindo a necessidade de que os professores se atualizem e tenham acesso a novos recursos e tecnologias.
Para Martins et al (2006, p. 103),
É importante haver mudanças no ambiente escolar que envolvam não negar o acesso das pessoas com necessidades especiais à escola, sendo também importante a construção de um projeto pedagógico que viabilize a participação dessas pessoas, que valorize suas potencialidades e que utiliza recursos pedagógicos específicos para seu tipo de necessidade.
Para que a escola venha a ser inclusiva, é necessário que haja mudanças – e a principal delas está relacionada ao preparo dos professores; mas não é o bastante, já que, como afirma Martins et al (2006, p. 102), “o processo de inclusão em si deve envolver toda a comunidade: pais, professores, funcionários e alunos”.
Nesse contexto inclusivo, os alunos com deficiência poderiam auxiliar os professores e serem encorajados por eles a participar das aulas, havendo troca constante e importante entre ambos os lados. Segundo Costa (2006), “um estudo sobre o ensino para deficientes visuais deve necessariamente envolvê-los e também a seus professores”.
Ao mesmo tempo, alunos ditos “normais” que frequentam as turmas regulares devem ter contato com o universo da deficiência, o que pode ser feito através de debates, de apresentação de vídeos ou de depoimentos.
De acordo com a teoria de Vygotsky (1995), “os que convivem apenas com seus iguais são privados de uma rica fonte de desenvolvimento, e é importante que as crianças com necessidades especiais estudem próximas às crianças sem deficiência”.
Sabemos que o ensino atual não exclui apenas pessoas com necessidades especiais, mas também pessoas ditas “normais”. Neste trabalho, referir-nos-emos a elas como pessoas sem deficiência. As pessoas com dificuldades de aprendizagem, por exemplo, ou as que vivenciam outras realidades, afastando-se dos padrões preestabelecidos pela sociedade, infelizmente se enquadram neste caso.
Segundo Mantoan (2002), a exclusão na escola envolve também pessoas sem deficiência, “pois não apenas as deficientes são excluídas, mas também as que são pobres, as que não vão às aulas porque trabalham, as que pertencem a grupos discriminados, as que, de tanto repetir, desistem de estudar”.
Segundo Valente (1991),
as crianças com deficiência (física, auditiva, visual ou mental) têm dificuldades que limitam sua capacidade de interação com o mundo. Isto pode fazer com que as mesmas não desenvolvam certos tipos de habilidades que formam a base do seu processo de aprendizagem.
Quando as crianças com necessidades especiais ingressam num sistema educativo tradicional, seja especial ou regular, normalmente vivenciam interações que reforçam uma postura de passividade. São vistas e tratadas como receptoras de informações, e não como construtores de seu próprio conhecimento.
Vivenciamos hoje, em nosso país, uma série de problemas na área educacional que são evidenciados quando escolas públicas ou privadas são submetidas a exames externos, como o Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico) ou o Pisa (Sistema Internacional de Avaliação de Alunos).
Dados apresentados pelo Enem (2003), em que a média geral na prova objetiva foi 36,90 (numa escala de 0 a 100), mostram quão falho é o ensino nas escolas e que devem ser apontados caminhos para melhoria, a longo prazo, dos processos de ensino e aprendizagem que resultem em melhores resultados.
A seguir, nas figuras 1 e 2, são apresentados os dados do Censo Escolar/2006, em que foi registrada uma significativa evolução: de 337.326 matrículas (em 1998) para 700.624 (em 2006), num crescimento de 107%. Em relação à inclusão dos alunos com necessidades especiais em salas regulares de ensino, o crescimento foi de 640%, passando de 43.923 alunos em 1998 para 325.316 alunos em 2006:
Figura 1: Evolução das matrículas na Educação Especial
Fonte: Censo Escolar/2006 - Inep
Figura 2: Matrículas nas esferas pública e privada
Fonte: Censo Escolar/2006 - Inep
Em 1998, registram-se 157.962 matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas privadas (46,8%), geralmente em instituições especializadas filantrópicas. Nas escolas públicas houve crescimento de 146% das matrículas, que passaram de 179.364 (53,2%) em 1998, para 441.155 (63%) em 2006.
As disciplinas da área de exatas, consideradas de difícil assimilação por um grande número de alunos, enfrentam vários problemas, como a falta de: laboratórios nas escolas, de professores qualificados e de laboratórios de informática com acesso a Internet, entre outros problemas.
Nesse cenário, em que seria desejável motivar o aluno ao estudo de Ciências, segundo Bernardes e Souza (2008),
a Astronomia – com seu caráter interdisciplinar, envolvendo conhecimentos de Química, Física, Matemática e hoje em dia até mesmo Biologia, devido ao surgimento da Astrobiologia (ciência que estuda a possibilidade de vida em outros planetas) – abre perspectivas para um trabalho transversal, tanto no Ensino Fundamental, quanto no Ensino Médio.
Considerando os escassos materiais didáticos disponíveis na área, a criação de materiais a serem disponibilizados tanto em sala de aulas regulares quanto em salas de Educação Especial abre boas perspectivas para motivar o estudo dessa ciência, tornando o processo de aprendizagem prazeroso, desafiador e agradável.
É bom lembrar que, de acordo com Mantoan (2002): “anotações no caderno, textos transcritos na lousa, provas escritas e medições, entre outras, sentenciam o aluno com deficiência visual ao fracasso escolar e à não-socialização”.
Os recursos didáticos, as atividades contextualizadas e as novas tecnologias têm papel importante para que a escola se torne inclusiva; além disso, como afirma Perrenoud (2000), “a escola não pode ignorar o que se passa no mundo”.
Quando falamos em Astronomia Inclusiva, falamos na Astronomia apresentada em sala de aula regular, compartilhada tanto pelos alunos ditos normais quanto por aqueles que apresentam algum tipo de deficiência.
Ainda segundo Martins et al (2006, p. 115):
a pessoa com necessidades especiais é um sujeito do processo de inclusão porque, segundo o pensamento de Vygotsky, Piaget, Wallon e outros teóricos, as leis do desenvolvimento são as mesmas para todas as crianças, mudando apenas os contextos.
É bom lembrar que, segundo os PCN, “o aprimoramento do educando como pessoa humana inclui a formação ética, o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (BRASIL, 2004); daí a importância do trabalho com alunos de turmas regulares em relação ao universo da deficiência.
São grandes os problemas enfrentados hoje no cenário do ensino de Ciências no Brasil; esse fato é mostrado nos exames externos a que são submetidas às escolas e no desempenho dos alunos nos exames vestibulares e no Enem; vem daí a exigência de um novo modelo de educação, da qual todos possam fazer parte, modelo dito inclusivo.
A presença de alunos com necessidades especiais na escola regular é reforçada hoje pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases); as escolas devem se adequar a essa necessidade e se preparar para receber toda diversidade de alunos que compõe nossa sociedade.
Segundo a LDB (BRASIL, 1996),
o Poder Público adotará, como alternativa preferencial a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo.
De acordo com essa afirmação, é necessário que existam professores com possibilidades de trabalhar com a diversidade de alunos que irá receber –portadores de deficiências físicas, visuais, mentais e de aprendizagem, entre outros problemas que possam surgir.
Pesquisas em Educação Especial mostram a falta de material didático apropriado, acessível ao professor que recebe em sua turma alunos que apresentam algum tipo de necessidade especial, inclusive de material bibliográfico para o desenvolvimento de pesquisas, num momento em que pesquisas sinalizam grandes dificuldades enfrentadas pelos alunos das turmas regulares na aprendizagem das disciplinas da área de exatas.
No cenário brasileiro surgiram algumas diretrizes para a Educação Especial: o PNEE (1994), Programa Nacional de Educação Especial, constava de 45 itens que falavam na inclusão de alunos com deficiência – sempre que possível em salas regulares de ensino. Essas diretrizes foram estabelecidas tendo por base o modelo de educação integracionalista.
Em 2001 surgiu a resolução CNE/CEB 2, de 11 de setembro de 2001, que já contava com o modelo inclusivo para estabelecer as diretrizes da Educação Especial no Brasil.
Diante desse contexto, para o qual nos dirigimos tão rapidamente, a problemática da inclusão de pessoas com deficiência visual no Brasil não pode ser negligenciada, principalmente após a confirmação do número de matrículas em 2005, que totalizou 8.585 matrículas em escolas privadas e públicas brasileiras (Censo Superior MEC/Inep, 2004).
Referências
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, MEC, 1996.
BRASIL. Inep. Censo Escolar, 2006. Disponível em: http://www.inep.gov.br/basica/censo/default.asp. Acesso em: 20 jan. 2007.
BRASIL. MEC. PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, Adaptações Curriculares. Disponível em: http://www.educacaoonline.pro.br/adaptacocurriculares.asp. Acesso em: 27 set. 2008.
DELORS. Jacques (coord.). Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC/Unesco, 1980. cap. 4, p. 89-102.
MANTOAN, M. T. E. Ensinando à turma toda as diferenças na escola. Pátio revista pedagógica, ano V, n. 20, fev./abr. 2002, p. 18-23.
MANTOAN, M. T. E. Caminhos pedagógicos da inclusão. 2002. Disponível em http://www.educacaoonline.pro.br. Acesso em: 20 nov. 2008.
MARTINS, L. A. R. et al. (orgs). Inclusão: compartilhando saberes. Petrópolis: Vozes, 2006.
PERRENOUD, P. 10 novas competências para ensinar. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artmed, 2000.
Publicado em 9 de fevereiro de 2010
Publicado em 09 de fevereiro de 2010
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