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Conceito x definição
Anderson Cezar Lobato
Especialista em Ensino de Ciências (UFMG)
Introdução
A educação atual vem sofrendo críticas consideráveis, tanto por aqueles que a olham externamente como por aqueles que estão diretamente envolvidos no processo. Isso tem aberto vários pontos de discussão, inclusive sobre o que é ensinado. Refletir sobre a educação demanda um olhar mais focado sobre a educação escolar e a ação dos profissionais que nela atuam. Nesse sentido, a preocupação com a temática da educação se expressa mediante estudos e investigações, com diferentes enfoques e níveis de abrangência. Assim, investiga-se a escola, como unidade do sistema escolar e como espaço de socialização do saber culturalmente acumulado, mediado pelas novas exigências que se colocam.
A compreensão das diferentes teorias de aprendizagem e da sua inserção nas instituições de ensino torna-se importante para educadores, pois estratégias de ensino, enfoques didáticos, materiais instrucionais, reformas curriculares são carregadas de pressupostos presentes nessas teorias de aprendizagem. Segundo Moreira (1999), uma teoria é uma tentativa humana de sistematizar uma área de conhecimento, uma maneira particular de ver as coisas, de explicar e prever observações, de resolver problemas. Segundo ele, três filosofias de pensamento de aprendizagem baseadas em teorias se destacam: (1) comportamentalista; (2) cognitivista (construtivismo); (3) humanista.
O construtivismo, disseminado a partir de Piaget, divide-se hoje em diversas correntes ou vertentes. A ideia de ensino que enfatiza a construção do conhecimento nos remete a refletir sobre nossa prática em sala de aula. De uma cultura de escola e professor como transmissores de conhecimento, passamos para outro papel: de auxiliar na construção do conhecimento que perpassa mudanças na forma de pensar dos estudantes, num processo de evolução conceitual. O caráter social da aprendizagem escolar expressa-se também no papel do Outro nesse processo, um Outro que intencionalmente se propõe a ensinar. O conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky ilustra a concepção de que os processos de desenvolvimento e aprendizagem humanos são essencialmente sociais. O Outro, pelas suas ações e formas de comunicação em que essas ações se inserem, constitui um importante elemento na definição das características do processo de aprendizagem. Segundo Vygotsky (1998, p. 40), em qualquer circunstância, “o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa”. Como mediador, o professor deve estabelecer as ligações entre o que os educandos já conhecem e o novo conhecimento científico que pretende construir com eles, levando em consideração seus conhecimentos prévios.
Na educação escolar, o professor passa a ter a função de mediador entre o conhecimento historicamente acumulado e o aluno. Ser mediador, no entanto, implica também ter-se apropriado desse conhecimento (Hentz, 1998, p. 15).
Essa mediação do professor se faz necessária para a tomada de consciência dos conceitos espontâneos e de sua reconstituição verbal, mas principalmente para a elaboração dos conceitos científicos. Usa-se, portanto, a concepção de que o novo conhecimento é construído pelo estudante a partir de seu conhecimento prévio e pela interação com parceiros mais capazes ou mais maduros (Vygotsky, 1998, 2003). Conforme o pensamento em conceitos se desenvolve, os educandos passam a compreender melhor sua realidade e vivência e realiza-se, dessa maneira, sua aprendizagem e seu desenvolvimento.
O ensino “tradicional” se construiu ao longo do tempo e, segundo Misukami (1986), não está justificado em teorias de ensino e aprendizagem. Os professores do Ensino Médio, ao utilizar uma abordagem dita “tradicional”, costumam fazer grande uso de definições. Os livros didáticos para o Ensino Médio também costumam apresentar o conhecimento químico usando definições, como se essa ciência não trabalhasse com explicações e sim com “verdades” imutáveis.
A Química é uma ciência que apresenta intensas relações com as atividades desenvolvidas pelo ser humano, pois desempenha nelas papel importante. Porém, apresenta também uma linguagem própria, que necessita maior atenção por parte de educandos e educadores. O ato de ensinar é de extrema responsabilidade, e ensinar não é simplesmente derramar conhecimentos para o aluno e esperar que ele os assimile.
Vygotsky, considerando a complexidade de aprender conceitos científicos, afirma:
O desenvolvimento dos conceitos ou do significado das palavras pressupõe, por sua vez, a evolução de muitas funções intelectuais: a atenção deliberada, a memória lógica, a abstração, a habilidade para comparar e diferenciar. Esses processos psicológicos complexos não podem ser dominados por meio da aprendizagem isolada (Vygotsky, 1968, p. 99).
Esse autor considera que o desenvolvimento de conceitos na fase escolar se dá por uma “negociação” do significado em cada contexto em que esses conceitos são retomados. Assim, é possível considerar que o ensino, por definição, não garante aprendizagem. Nessa forma de ensino, a memorização é mais usada.
Considerando a aprendizagem como evolução, Mortimer (1996) fala da noção de perfil conceitual, que segundo ele, permite entender a evolução das idéias dos estudantes em sala de aula não como uma substituição de ideias alternativas por científicas, mas como a evolução de um perfil de concepções, em que as novas ideias adquiridas no processo de ensino-aprendizagem passam a conviver com as ideias anteriores; cada uma delas pode ser empregada no contexto conveniente, sendo, portanto, uma evolução nos conceitos, mostrando que a aprendizagem, numa visão construtivista, é “processo adaptativo no qual os esquemas conceituais dos aprendizes são progressivamente reconstruídos de maneira a concordar com um conjunto de experiências e idéias cada vez mais amplo" (Driver, 1989, apud Mortimer, 1996).
O ensino cujo conhecimento é apresentado na forma de definição não considera essas novas tendências tratadas, – principalmente a aprendizagem como sinônimo de evolução conceitual. Um melhor entendimento das teorias de aprendizagem pode contribuir com uma formação mais adequada de todos aqueles que participam do sistema educacional, pois possibilita, principalmente para os educadores, adquirir conhecimentos, atitudes e habilidades que permitirão alcançar melhor os objetivos do ensino. Como entender a linguagem de qualquer ciência é de fundamental importância para o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, é necessário também entender e diferenciar o que seja conceito e o que seja definição dentro dessa linguagem. É preciso considerar a importância das teorias de ensino e aprendizagem e tentar entender como elas podem melhorar o trabalho do professor.
Um dos grandes problemas do ensino é o excesso de termos a serem memorizados sem compreensão dos objetos em estudo. E, neste caso, o entendimento desses termos passa por um ensino mais conceitual.
Conceito x definição
Pelo papel que os conceitos desempenham na educação, sua aprendizagem tem sido investigada por vários pesquisadores em educação. Diferenciar um conceito de sua definição é importante, principalmente no processo de ensino-aprendizagem, pois o educando se apropria de diferentes conceitos, mas é na escola que ele tem acesso ao saber científico sistematizado, adquirindo novos conteúdos e, principalmente, formas mais elevadas de pensamento.
Memorizar uma definição não garante a compreensão das relações envolvidas, uma vez que a aprendizagem de conceitos é algo complexo, pois implica simultaneamente a relação com objetos e com outros conceitos. Nos currículos escolares, os conceitos são confundidos com definições. Os conceitos são os formadores do conhecimento científico, mas, sozinhos, desvinculados de contextos que lhes deem sentido, tornam-se apenas conhecimento enciclopédico.
Saberemos que faz parte do conhecimento do aluno não apenas quando este é capaz de repetir sua definição, mas quando sabe utilizá-lo para a interpretação, compreensão ou exposição de um fenômeno ou situação; quando é capaz de situar os fatos, objetos ou situações concretas naquele conceito que os inclui (Zabala, 1998).
A palavra conceito nos remete à sua abordagem e uso, uma vez que é a expressão condutora nesta pesquisa. A origem do conceito nos remete ao período clássico da filosofia grega, na qual se entende conceito como aquilo que se subtrai à diversidade da mudança de pontos de vista e opiniões. Geralmente, conceito é visto como um processo que torna possível a descrição, classificação e previsão de elementos, fatos ou objetos quaisquer. Inicialmente, um conceito é expresso por uma palavra que ganhará um sentido genérico; porém, à medida que se desenvolve mentalmente, essa palavra é substituída por generalizações.
Podemos dizer que sabemos o conceito “rio” quando somos capazes de utilizar esse termo em qualquer atividade que o requeira ou quando com este termo identificamos um determinado rio, e não apenas quando podemos reproduzir com total exatidão a definição mais ou menos estereotipada desse termo (Zabala, 1998).
Assim, um conceito não deve ser ensinado por ele mesmo, com aplicação e exemplificação direta, pois nesse caso haverá, por parte dos educandos, a simples repetição do que foi dito sem consistência; além disso,
Um professor que tenta fazer isso geralmente não obtém qualquer resultado, exceto o verbalismo vazio, uma repetição de palavras pela criança, semelhante à de um papagaio, que simula o conhecimento dos conceitos correspondentes, mas que na realidade oculta um vácuo (Vygotsky, 1993, p. 72).
A primeira função atribuída ao conceito é descrever para facilitar o reconhecimento do objeto; outra função seria organizar dados de experiência para uma conexão lógica. Essas duas funções orientaram muitos conceitos científicos, uma vez que estes não se limitam a descrever dados empíricos, mas tornam possível sua derivação dedutiva. Assim sendo, o conceito pode ser aplicado a qualquer que seja o objeto a que se refere.
O conceito não se refere necessariamente a coisas ou fatos reais, já que pode haver conceitos de coisas inexistentes ou passadas cuja existência não é verificável nem tem um sentido específico. Enfim, o alegado caráter de universalidade subjetiva ou validade intersubjetiva do conceito é, na realidade, simplesmente a sua comunicabilidade de signo linguístico: a função primeira e fundamental do conceito é a mesma da linguagem, isto é, a comunicação (Abbagnano, 1982, p. 151).
No Dicionário Aurélio Século XXI, conceito, entre suas muitas acepções, significa “representação de um objeto pelo pensamento, por meio de suas características gerais”. Ainda segundo o mesmo autor, um conceito é uma ideia, ou seja, a “representação mental de uma coisa concreta ou abstrata” ou “os objetos de pensamento enquanto pensados”. Se pesquisarmos o verbo definir, entre seus significados encontramos um que se aproxima de conceito: “enunciar os atributos essenciais e específicos (de uma coisa), de modo que a torne inconfundível com outra”.
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa assinala que conceito é a “representação mental de um objeto abstrato ou concreto, que se mostra como instrumento fundamental do pensamento em sua tarefa de identificar, descrever e classificar os diferentes elementos e aspectos da realidade”. Pelas definições apresentadas, torna-se complexo estabelecer os limites e os significados precisos de cada conceito, pois os dicionários, ao defini-los, ainda que busquem identificar a essência de cada um, usam frequentemente sinônimos, o que confunde quem busca a clareza conceitual.
A riqueza de sentidos do mesmo termo é uma rica fonte de aprendizagem, mas pode ser também uma fonte de confusões. Selecionar o sentido mais preciso de cada termo, segundo o que se pretende ensinar e conforme o contexto, é uma tarefa difícil para o professor, pois muito frequentemente julga-se que o texto está certo e nem se questionam as circunstâncias de uso das palavras. Simplesmente ensina-se o que se apresenta nos livros didáticos, apostilas e programas. Portanto, “o exercício da atividade docente requer preparo. Preparo que não se esgota nos cursos de formação, mas para o qual o curso pode ter contribuição específica enquanto conhecimento sistemático da realidade do ensino-aprendizagem na sociedade...” (Pimenta, 2001, p. 105).
Algumas considerações
Tendo em vista que a maioria dos livros didáticos utiliza definições para desenvolver o conhecimento e que as teorias contemporâneas de ensino e aprendizagem orientam para um ensino mais conceitual, algumas questões ainda buscam respostas, como:
- Os professores diferenciam definição de conceito?
- Ao se apropriarem do significado de conceito de definição e ter consciência da influência que esse saber pode causar na aprendizagem dos estudantes, os professores mudam sua forma de trabalho?
Muitos problemas em sala de aula devem-se ao fato de os docentes não levarem em conta o conhecimento que os educandos já possuem e por conceberem a aquisição do novo conhecimento como uma adição, que pode ser atingida através de meras repetições. Isso leva ao desconhecimento do que seja conceito e definição no ensino de ciências, o que interfere no processo de ensino-aprendizagem.
A necessidade de identificar a relação existente entre os diferentes conceitos científicos evidencia que, no processo de sua formação, existem conceitos correlacionados que propiciam a sua generalização. Para Vygotsky, “generalização significa ao mesmo tempo tomada de consciência e sistematização de conceitos” (2001, p. 292). Porém, a generalização pode ser um obstáculo epistemológico, segundo Bachelard (1996), e sua utilização em sala de aula pode ser igualmente impeditiva da formação do espírito científico, uma vez que facilita momentaneamente a compreensão, mas esse entendimento pode bloquear o interesse pelo estudo mais aprofundado.
O esforço e a dedicação do professor em suas aulas, mesmo com bom planejamento, conhecimento científico da matéria que ministra e métodos adequados de ensino-aprendizagem não são garantias plenas do que e quanto os alunos aprenderão. “Somente como partes de uma ação podem os instrumentos mediadores adquirir sua existência e desempenhar seu papel” (Wertsch, 1991, p. 141).
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Publicado em 9 de março de 2010
Publicado em 09 de março de 2010
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