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Os sonhos de antes, agora
Alexandre Amorim
Às vezes, os jornais ou alguma campanha publicitária anuncia que os anos 1960 estão de volta. Acontece que os anos 60 estão no DNA de todo mundo, mesmo já tendo nascido no século XXI. Se a mudança de hábitos, códigos morais e costumes já vinha ocorrendo desde a Primeira Guerra Mundial, a explosão de conceitos dos anos 60 foi como um segundo big bang na formação da cultura mundial: a gênese vinha sendo elaborada, mas a força das manifestações daquela década se faz presente até hoje, em cores, sons, pensamentos e sentimentos.
Quando Paul McCartney veio ao Brasil pela primeira vez, em 1990, ele já havia feito as pazes com seu passado e realizava uma turnê mundial cantando – pela primeira vez desde os anos 60 – músicas dos Beatles, o grupo que ajudou a fazer a trilha sonora daquela revolução cultural e ao qual o baixista pertenceu como parte fundamental, compondo, tocando, cantando e muitas vezes dando o prumo da direção que a banda deveria tomar. O show no Maracanã bateu recorde de audiência, com 184 mil pessoas cantando Hey Jude, Let it be e outros sucessos. Se, em 1970, seu parceiro musical John Lennon havia decretado o fim do sonho, em 1990 o público comemorava um sentimento que se mantinha: o sentimento de que um sonho deve ser constantemente construído. Se um sonho acabou é porque novos sonhos são necessários.
As gerações pós-sonho trazem em si a desilusão e a esperança ao mesmo tempo. Como disse Gilberto Gil, “o sonho acabou, mas foi mais pesado para quem não sonhou”. As décadas seguintes à de 60 foram uma reação mercantilista e retrógrada à utopia que se tentava apresentar. Muitas vezes essa utopia foi desprezada justamente por ser uma utopia, uma idealização do funcionamento do Estado, imaginada por Thomas Morus em pleno século XVI. Esse desprezo não leva em conta a necessidade do sonho. É sabido que uma criança usa sua imaginação misturada à realidade em seus primeiros anos de vida. O Natal e Papai Noel, por exemplo, são fantasias que podem ajudar – e muito – o desenvolvimento emocional de qualquer ser humano.
A fantasia e a imaginação são peças-chave na formação da personalidade. Quando, nos anos 60, pregava-se a imaginação no poder, era justamente um movimento contra o absolutismo do racional e a valorização de um pensamento meramente funcional e cartesiano. Viva o sonho, diziam aqueles que acreditavam em uma nova disposição de vida.
Quando Paul McCartney voltou ao Brasil, em novembro de 2010, seus shows ainda estavam repletos de músicas dos anos 60, propondo que “o movimento necessário está em nossos ombros” e que “haverá uma resposta” para nossas angústias. Parece tudo muito vago, pouco realista, mas o que é um sonho senão uma indicação simbólica do que se passa pelo nosso inconsciente? O que é a arte senão uma expressão de nossas vivências e desejos? O que é viver senão tentar se equilibrar entre realidade e sonho?
Paul foi nosso Papai Noel antecipado. Trouxe a memória de natais em que o sonho estava mais vivo e colorido. E, durante quase três horas de música, alimentou nossa vontade de construir nossos sonos – que, no final das contas, significa nos construir.
Publicado em 04/01/2011
Publicado em 04 de janeiro de 2011
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