Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
Pedro Demo fala aos professores de Seropédica sobre tecnologia e novas formas de aprender
Juliana Carvalho
No dia 3 de março, o professor emérito da UnB e pós-doutor em educação Pedro Demo esteve na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro para falar especialmente aos professores do município de Seropédica. Dadas a importância e a abrangência do trabalho do professor, a palestra foi aberta também à comunidade acadêmica. Essa conferência fez parte de um conjunto de atividades programadas pela Secretaria de Educação para a formação continuada de diretores e professores da rede pública do município em parceria com o Decanato de Graduação da UFRRJ.
O título da palestra foi "Conhecimento, aprendizagem e tecnologias", e, dentro desse tema, o professor falou sobre sociedade do conhecimento, o desafio de aprender no século XXI, ambientes virtuais, o papel do professor... Foi um momento de rico aprendizado.
Pedro Demo deu início à palestra falando sobre a sociedade do conhecimento. Ele contesta essa terminologia, pois todas as sociedades desenvolveram conhecimento de alguma forma. Hoje vivemos em uma sociedade intensiva do conhecimento, pois nossa vida está cercada dele por todos os lados. Essa nova sociedade resgatou a forma de aprender vigente quando foram criadas as primeiras universidades da Europa, na Idade Média. Conseguimos deixar de lado a estrutura positivista, de conhecimento definitivo, estabilizado, e voltamos à noção de novas epistemologias, do conhecimento dinâmico, que se manifesta como um turbilhão.
Para ilustrar a importância do conhecimento para a humanidade, o professor usou o livro de Gênesis, o primeiro da Bíblia. Adão e Eva foram punidos por terem comido o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, proibido para eles. Ao provarem o fruto, homem e mulher desejavam ser semelhantes a Deus e conhecedores dos mistérios do bem e do mal. Para o professor, o conhecimento é a arma do oprimido contra o opressor. Paulo Freire, no seu Pedagogia do Oprimido, diz que o oprimido só se liberta através do conhecimento. A experiência de aprender e ensinar pode ajudar o oprimido a se libertar e, libertando-se, ele liberta também o opressor.
É muito comum a ideia de que aprendemos mais em determinados momentos da vida, como no ensino básico, por exemplo. Pedro Demo diz que o mais importante é manter-se sempre aprendendo. De tempos em tempos, deve-se renovar o diploma, aprendendo novos conteúdos de forma dinâmica e praticando o autoestudo. As universidades não apoiam o autoestudo por deterem o monopólio acadêmico, mas a sociedade caminha no sentido de quebrar esse monopólio do conhecimento. As formas de aprender estão cada vez mais dinâmicas, e as universidades parecem igrejas, fiéis a rituais, nas quais não se muda nada com o passar dos tempos. Nós aprendemos reconstruindo o conhecimento, mas nossas instituições são instrucionistas, baseadas na aula expositiva. O conteudismo tem sido ineficiente para nossas crianças – que já não deveríamos chamar de alunos, e sim de pesquisadores. As crianças dessa geração já crescem integradas aos computadores, jogos e celulares e têm curiosidade natural para aprender investigando por conta própria o que lhes interessa. Em relação à tecnologia, elas são as nativas; nós, os imigrantes. Bem diferente do que acontece na sala de aula.
Em alguns países, como o Japão, os professores já ensinam com material de autoria própria. Infelizmente, aqui no Brasil todas as instituições educacionais ensinam com base na aula instrucionista. Esse tipo de aula não tem nada a ver com o conhecimento; os países desenvolvidos já se deram conta disso há algumas décadas. Entretanto, esse modelo conteudista, em que os professores se apoiam no livro didático e no material de outros autores, ainda persiste nos países em desenvolvimento.
A importância da tecnologia no mundo atual deve ser considerada pela escola, pois não há nenhuma função importante na sociedade que não utilize computador. As crianças aprendem muito virtualmente, embora também seja possível aprender bem sem tecnologia. É incompreensível para as gerações atuais pensar em conhecimento sem a internet. A criança não aprende mais como nós aprendíamos. O cérebro humano é tão plástico que é capaz de prestar atenção em várias coisas ao mesmo tempo. Antigamente pensávamos que não, mas hoje sabemos que é possível manter atenção profunda em uma tarefa enquanto fazemos outras mais superficiais. Ainda estranhamos algumas coisas como o Twitter, por exemplo. O Twitter é um modelo da concisão que reina na internet. Como estudar bem uma coisa tão diminuída? O internetês não é aceito, os professores precisam se apoiar na linguagem acadêmica. É preciso, porém, deixar de lado o medo e o preconceito do computador e adaptar-se a essas novas formas de ensinar, pois ele é apenas um meio, um instrumento; quem aprende somos nós.
O videogame, por exemplo, é um dos melhores meios de aprendizagem. Interativo, desafiador, colaborativo... O cenário muda, é possível discutir o jogo em fóruns... Demo citou o jogo SimCity, no qual a criança se torna prefeito de uma cidade que começa do zero e precisa encontrar soluções para os problemas que vão surgindo.
Sempre falamos muito no lado positivo da internet, mas ela é ambígua e pode ser usada para o bem ou para o mal. É certo que rebeldes se organizam pelo Twitter ou pelo Facebook, mas os ditadores também se utilizam da rede para governar. A internet alimenta as ditaduras com informações. Sabemos que as crianças também estão expostas a riscos na rede, por isso é preciso controlar seu uso.
Falando em autoria e em internet, lembramos imediatamente da Web 2.0, em que o charme é criar. Isso também pode não ser bom, pois muitas autorias são criticáveis e há muito plágio na rede. Apesar disso, é possível aprender bem em um bom ambiente de aprendizagem. Muitos professores acham que já passaram da idade e não querem mais aprender, mas aqueles que pensam em ser úteis às novas gerações precisam usar as novas tecnologias.
Pedro Demo explicou que a terminologia “educação a distância” está sendo revista. A distância não é um conceito pedagógico, por isso estamos começando a falar em presença virtual. Não há mais como fugir da tecnologia e não cabe mais o preconceito. A China, por exemplo, possui mais de 2 milhões de alunos virtuais. Sócrates, por exemplo, reagiu duramente à escrita. Como ele era o campeão da retórica, fez campanha ressaltando as qualidades da oralidade, defendendo que a palavra falada era mais livre e autoral. Para ele, a escrita se fixava e não havia mais como mudar. Ele também ficou perplexo com a “tendência à superficialidade” daquela geração.
O novo incomoda muito, mas a presença do professor nunca será dispensável em temas mais profundos. O novo papel do docente é o de mediador, de conselheiro mais velho, e não de preceptor. Está em nossas mãos elaborar problemas interessantes, incentivar o aluno a trabalhar sob orientação e fazer com que ele entre no jogo da produção de conhecimento próprio.
Quem aprende bem se torna autor. O problema é que vemos gerações desmotivadas, e os alunos não querem pensar, querem aulas para copiar. Mas, em que uma cópia da internet é diferente de uma aula sem autoria? Os dois são plágios, mas infelizmente a prática de dar aula com conteúdos de outros autores é amplamente disseminada. A criança não quer autoridade; quer argumentos próprios e inteligentes.
Falando sobre teorias de aprendizagem, Demo, que é autor de vários livros na área, citou várias, entre as quais a visão reconstrutiva, a autopoiética, o sociointeracionismo, a maiêutica e a aprendizagem situada, entre outras. Mas o mais importante é não “adotar” apenas uma teoria. Devemos ter a nossa própria teoria, inspirada em várias dessas, mas criando uma nova. Há muitas teorias, e não é por falta delas que os alunos não aprendem bem. É porque não nos tornamos autores.
O conhecimento é vivo, aberto, e deve ser confrontado – não repassado. Hoje sabemos que não existe uma teoria acabada, nenhuma é completa. Existem algumas formas, citadas pelo professor para gerar conhecimento: dinâmica disruptiva, desconstrução e reconstrução, questionamento, autoquestionamento, argumento de autoridade, autoridade do argumento, dinâmica ambígua, equívoco reprodutivo e inovação incessante.
As crianças precisam ter educação científica desde cedo, precisam fazer ciência desde cedo. Para produzir ciência, é preciso usar métodos científicos; se não for o positivismo, será outro. O importante é levar para a criança que ela pode fazer ciência. Precisamos educar, mas também temos que levar a criança a pesquisar, pois quem sabe pensar desenvolve a sua cidadania. Para educar bem é necessário argumentar, ensinar a cidadania do bom argumento. Os jovens devem aprender a convencer sem vencer, a escutar calmamente uma ideia contrária... E também é importante saber mudar de ideia. O bom educador deve orientar, estimular, ter boa conversa e principalmente, um olhar que não censure.
Um tema bastante enfatizado na palestra foi a importância do professor da alfabetização, a quem Pedro Demo incube de “carregar a escola nas costas”. Ele criticou um projeto atual que prevê três anos para alfabetizar uma criança. Ele assegura que um adulto se alfabetiza em três meses; uma criança, em um ano. Não alfabetizar a criança nesse período é fracasso da escola e do professor e resultado da deformação a que esse profissional foi submetido desde a universidade. Quem precisa de três anos para alfabetizar é a escola, e não a criança. A criança que é bem alfabetizada evolui bem. A ação preventiva é impedir que um aluno saia analfabeto do primeiro ano. O docente é a peça-chave.
O professor criticou duramente a LDB de 1996, que aumentou para 200 o número de dias letivos. Ele mostrou dados do Inep que comprovam a diminuição da proficiência em língua portuguesa em 20 pontos a partir do ano de 1999, quando foram avaliados os primeiros impactos da nova LDB. “As crianças não precisam de 200 dias de aulas instrucionistas, mas precisam de 200 dias de aprendizagem”. Para auxiliar os docentes a desempenhar um papel mais estratégico, o professor definiu algumas prioridades:
- organizar atividades discentes;
- incentivar a autoria discente;
- mediar o processo produtivo discente;
- avaliar pela produção textual;
- evitar reprovar e recuperar;
- evitar a progressão automática;
- evitar dar aulas instrucionistas;
- acompanhar aluno por aluno;
- garantir a chance de cada um.
Após o encerramento da palestra, foi aberta aos professores presentes uma sessão de perguntas, todas muito interessantes, mas duas delas merecem especial atenção: no decorrer da palestra, o professor criticou a forma como a extensão era feita nas universidades e lhe foi pedido um esclarecimento sobre o assunto. Para ele, a extensão é a macrociência da universidade e deveria estar integrada aos currículos. “Infelizmente, a extensão é vista como menor, menos importante, e para ela são direcionados os professores menos qualificados. A produção científica deveria estar intimamente ligada à extensão, mas hoje em dia a universidade desenvolve algum projeto em uma favela para dizer que está fazendo alguma coisa pela comunidade”.
A outra questão foi ligada à escola integral. Pedro Demo participou, com Darcy Ribeiro, da concepção do projeto dos Cieps e crê que o grande erro foi ter pensado somente no aluno e não no professor. Ele acredita que a escola integral daria certo se fosse concebida com dois tempos de aprendizagem mais longos e mais lúdicos e desde que não houvesse troca de professor, pois isso quebraria a continuidade do ensino. O professor atualmente dedica-se a uma escola de tempo integral no município de Porto Franco (MA). Para conhecer mais sobre esse trabalho e ter acesso à obra desse grande educador, visite seu site.
Publicado em 29/03/2011
Publicado em 29 de março de 2011
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.