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Teatro e criação verbal como princípios educativos
Alexandre Amorim e Rubens Lima Júnior
Entre as tarefas urgentes colocadas hoje para a arte está o desafio de serem superadas as visões reducionistas e preconcebidas sobre o teatro, bem como a de conferir ao trabalho de teatro um estatuto à altura da importância da lei que tornou obrigatório o ensino de teatro nos diversos níveis da educação básica. Isso porque o caminho a ser percorrido a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96) estende-se para muito além do alcance da nossa vista, posta a necessidade de recuperar décadas de um "enorme descompasso entre a produção teórica [...] e o acesso dos professores a essa produção", conforme admitem os próprios autores do texto que fundamenta os Parâmetros Curriculares Nacionais da área Arte (MEC/SEF, 1996).
Portanto, se a promulgação da lei representa o coroamento de uma longa trajetória de lutas de pelo menos três gerações de professores em prol do reconhecimento oficial do teatro como área de conhecimento e da sua obrigatoriedade nos diversos níveis da educação básica, cabe às novas gerações enfrentar o desafio de torná-lo efetivamente um marco na educação brasileira.
A arte pode ser vista como um princípio unificador em educação, e a criação verbal é uma síntese possível desse princípio, a partir de suas inúmeras atuações na área de ensino, como o desenvolvimento da criatividade, da imaginação e principalmente das relações sociais. A aplicação da criação verbal no Ensino Fundamental e Médio deve contribuir para o campo da Pedagogia do teatro como uma metodologia de ensino articulada a uma concepção crítica e reflexiva. A partir dessa premissa básica, é fácil identificar o processo de criação verbal e da concepção teatral como complementares.
A problematização em torno da criação verbal e de suas relações com as questões postas pela prática da escrita, do desenvolvimento de histórias e dos exercícios de imaginação que são requeridos no ensino básico conduz à promoção da criação verbal na perspectiva pedagógica do teatro. Essa promoção vai enriquecer ainda mais as propostas surgidas a partir de conceitos já desenvolvidos por Bakhtin, estabelecendo que a produção nunca pode ser considerada algo individual. O autor afirma, em Estética da Criação Verbal, que a verdadeira substância da linguagem “não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, tampouco pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações”.
Dessa forma, a partir de Bakhtin podemos constatar que a interação verbal pode ser um forte aliado para um novo projeto educacional, sendo um ponto necessário em sua prática pedagógica a percepção de que toda produção verbal apresenta diversas relações dialógicas com produções textuais, criando uma interação entre texto e contexto a partir da simples produção verbal.
O trabalho de criação verbal se tece na vertente tanto da criação oral como da criação escrita a partir da elaboração de textos, poesias, histórias e dramatizações, dentro de uma perspectiva estético-pedagógica voltada ao ensino do teatro. Através de jogos, exercícios e pela perspectiva lúdica pode se construir uma dimensão cênica abrangente, que atinge tanto aqueles que aplicam o trabalho (professores ou animadores culturais) como aqueles que vivenciam as técnicas aplicadas (os alunos).
O teatro pode ser visto como uma área voltada para a produção e construção do conhecimento no processo educacional, devendo ser parte integrante dos currículos da educação básica, com a mesma importância atribuída às demais áreas, sendo importante para o desenvolvimento da criatividade e da capacidade simbólica de crianças, jovens e adultos e uma forma de abrir as portas da escola para a entrada dos valores da comunidade e de suas tradições artísticas e culturais. A ponte entre sala de aula e instituições comunitárias artísticas e culturais cria relações entre estudantes, professores, artistas e produtores culturais.
As concepções teatrais que norteiam o ensino dessa disciplina nas escolas trazem alguns questionamentos acerca do papel do teatro na educação escolar. Nesse sentido, podemos avaliar se o teatro realmente está nas escolas e, estando presente, qual o olhar sobre o teatro que é desenvolvido hoje. Para autores como Paulo Freire, a educação escolar deve ser compreendida tal como ela se manifesta no presente, mas entendida essa manifestação presente como resultado de um longo processo de transformação social.
Nos últimos anos, vem sendo usada no Brasil a terminologia “Pedagogia do Teatro”, que incorpora tanto a investigação sobre a teoria e a prática da linguagem artística do teatro quanto sua inserção nos vários níveis e modalidades de ensino. Essa vertente focaliza principalmente pesquisas com ênfase no jogo teatral e na teoria do jogo, com diferentes fundamentações (vide Jogos teatrais, de Ingrid Dormien Koudela). Seguindo essa filosofia, Jean-Pierre Ryngaert afirma que “o espaço como um elemento deflagrador do jogo e local privilegiado para enfrentamento e risco é um dos temas recorrentes, bem como a criação de imagens a partir do jogo e a proposição de textos poéticos como deflagradores do processo pedagógico”.
Nesse sentido, a criação verbal se situa como sendo mais um novo elemento a ser explorado nesse complexo território que é a Pedagogia do Teatro. Os estudos exigem também familiaridade com o vocabulário e os saberes de dois extensos e complexos campos do conhecimento humano: o Teatro e a Educação.
O ensino de Teatro na educação escolar básica nacional foi formalmente implantado há cerca de trinta anos, no âmbito dos conteúdos abrangidos pela disciplina Educação Artística, oferecida por força da Lei 5.692/71. Embora o ensino de Teatro já se encontre presente na educação escolar brasileira desde o século XVI, com a implementação da pedagogia inaciana pelos jesuítas, somente a partir da década de setenta do século passado incrementaram-se os estudos e investigações a respeito das inter-relações entre Teatro e Educação no país.
Para que se aproveite mais do trabalho de criação verbal, é fundamental que haja a interface com diferentes linguagens artísticas, como a música, a dança, o desenho etc. A estrutura de base do trabalho de criação verbal recai nos jogos teatrais, mas não se pode esquecer o objetivo da produção lítero-poético-artística de seus participantes.
Publicado em 29/03/2011
Publicado em 29 de março de 2011
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