Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Aula fora da escola

Alexandre Rodrigues Alves


Uma turma entra na capela do Castelo dos Duques,
em Guimarães, Portugal

Estive há uns dias com um amigo meu, médico, que viaja muito – quase sempre a serviço, mas sempre sobra algum tempo para andar pela cidade onde está. Nessas ocasiões ele aproveita para registrar em seu diário de viagens os fatos, experiências, situações inusitadas que vivenciou.

Paulo César fala, divertido, sobre as diferenças entre a parte oriental e a ocidental de Istambul, na Turquia, e o que é atravessar de uma para outra às 4 horas da manhã indo pegar o avião para voltar ao Brasil. Destaca a dificuldade de entender as diversas formas de lidar com as mulheres nos vários países muçulmanos do Oriente Médio.

E emendou suas narrativas comentando que uma das coisas que ele mais percebeu em suas viagens por várias cidades de Portugal, por Paris, Londres e Barcelona foi a quantidade de alunos uniformizados passeando (ciceroneados por professores, claro) pelos pontos turísticos e históricos.

Ele conta que, no Museu do Louvre e no British Museum, eram crianças bem pequenas que tentavam reproduzir com seus lápis de cor, em papéis espalhados pelo chão, quadros de pintores holandeses e painéis da Grécia Clássica e do Egito. Obviamente havia aqueles mais agitados, que faziam questão de usar o material do colega ou pisar no trabalho do amiguinho – mas nada que uma das professoras acompanhantes não conseguisse contornar antes de provocar a ira dos outros visitantes.

Crianças maiores, aí do 5º ou 6º ano do Fundamental, passeavam pelo Mosteiro da Batalha, e tinham uma aula de História de Portugal ao ver os vitrais da capela interna (hoje aberta ao público). Segundo sua narrativa, eram crianças da mesma idade que estavam sentadas em frente ao Templo de Diana, em Évora, também copiando as linhas daquela construção do Império Romano em pleno território português.

Mesmo no Castelo de São Jorge, em Lisboa, uma área ampla e a céu aberto, era notável a atenção que os professores tinham da garotada ao falar dos mouros, da reconquista cristã e das vistas da capital portuguesa descortinadas das muralhas. Todos aproveitavam o ponto alto para identificar locais significativos para si: a morada de um, o trabalho do pai, a rua onde a mãe faz compras...

Eram pequenos assim os infantes com que ele cruzou ao visitar a Abadia de Westminster, palco dos casamentos dos últimos reis e rainhas inglesas e das missas e memória da Lady Diana, cenário de diversos filmes (dentre eles, o recente O discurso do rei). A garotada, em engravatados uniformes, com calças de padrão príncipe de Gales, estava séria e compenetrada como se fosse participar de um evento único na história da humanidade, com os mais adiantados chamando, sérios, aqueles que por qualquer razão se retardavam.

Um pouco maiores – pelo que Paulo César comenta, do final do Fundamental ou início do nosso Ensino Médio – eram os estudantes que estavam visitando o Palácio dos Duques, em Guimarães. Aliás, eram dois grupos nesse castelo, o que ele só descobriu quando estavam em salas contíguas. O comportamento das crianças era tão bom que parecia que era um único grupo, provavelmente porque a explanação da professora era muito interessante, tanto que ele, disfarçadamente, ficou mais tempo na sala para aproveitar as informações que ela dava. Mas até ele achou que a turma percebeu sua artimanha.

Em três ocasiões ele viu grupos de adolescentes em estudo: no Convento de Mafra, nas ruas do Porto e em Barcelona. No primeiro, ainda no pátio de entrada, o alvoroço deles era grande, mas durou até voltar o professor – que não era assim tão mais velho que eles, parecia apenas um líder. O grupo dividiu-se em dois e subiu (com um intervalo de cinco minutos, mais ou menos) as escadarias da imponente construção, cuja história foi pano de fundo do inesquecível Memorial do Convento, de José Saramago.

No Porto, Paulo César ia descendo uma das ladeiras da cidade na direção do Rio Douro e suas caves quando avistou uma multidão na calçada em frente a uma igreja azulejada (dedicada a Santa Maria, se bem se lembrava). Enquanto ele passava pela rua, na frente dos adolescentes que não paravam de fotografar a fachada do templo, a professora falava sobre o estilo arquitetônico, ressaltava alguns elementos geométricos e o valor da azulejaria portuguesa. Logo depois, ao olhar para trás, viu o grupo atravessar a rua atabalhoadamente para entrar na igreja. A aula continuava.

Olhando não tão para trás (no tempo) estavam os alunos de Barcelona, cuja professora conduzia pelas ruas do Passeig de Gracia para visitar a Casa Battló e La Pedrera, obras-primas da arquitetura de Antoni Gaudí e símbolo (junto com o monumental Templo da Sagrada Família, claro) do modernismo arquitetônico da Catalunha.

Mesmo com todas as ressalvas que fez (em tom de galhofa, chegou a dizer: “essas crianças não vão à escola, não?”), Paulo César reconheceu a importância que esses eventos têm para a vida estudantil de crianças e adolescentes (“daqui a muitos anos eles ainda vão se lembrar desses passeios”) e como essa pode ser uma forma de tornar o estudo uma atividade mais vívida, mais agradável e mais contextualizada.

Tudo bem que temos várias dificuldades para implementar essas ações com regularidade em nossas escolas, mas uma conversa como essa, em torno de uns chopes e petiscos, é um forte incentivo.

Publicado em 5 de abril

Publicado em 04 de maio de 2011

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.