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Cada um no seu quadrado: pais e filhos com seus devidos deveres de casa

Tatiana Serra

Muito se fala sobre a importância da presença dos pais na educação escolar dos filhos; e são variadas as opiniões, tanto de educadores quanto de pais, sobre o que fazer a respeito. Diante de prós e contras, é fundamental distinguir orientação de ajuda na hora de acompanhar os estudos dos filhos. Estudar com eles, cobrar resultados, tirar dúvidas sobre as matérias ou apenas acompanhar sem interferências o dia a dia dos filhos na escola: qual seria a postura ideal dos pais?

Muitas famílias não participam do processo educativo dos filhos e remetem toda a responsabilidade à escola. Porém essa é apenas parte do processo; por que não pensar num trabalho em conjunto? Crianças e adolescentes constroem seus conhecimentos à sua maneira; porém, por serem frutos do meio, estão o tempo inteiro sob influência de seus responsáveis, familiares, amigos e educadores. E qual deve ser o dever de casa dos pais?

O psiquiatra e educador Içami Tiba, em seu artigo Dever de casa, diz que “cobrar que os filhos cumpram com suas obrigações é um gesto de amor, e quem ama educa. Se o filho é mole, a cobrança tem que ser firme. Ele não poderá fazer qualquer outra atividade (sair, internetar, dormir etc.) sem antes cumprir sua tarefa do dia. Caso ele durma sem tê-la feito, cabe aos pais acordar o filho para que faça. Poupar o filho, “já que ele dormiu”, é dar marcha à ré no processo do aprendizado responsável. Acordar o filho não é ruindade, mas muito amor para poder dissolver a preguiça mental e corporal que mina qualquer educação e atrasa o Brasil”.

É possível auxiliar os filhos nos estudos; entretanto, muitos pais ainda se atrapalham, sem saber como e até que ponto podem ajudar. O mais importante é também o que seria mais óbvio: esclarecer que o dever de casa é responsabilidade do aluno. “Só assim ele (a criança ou o adolescente) será capaz de aprender, de perceber onde estão suas dificuldades e facilidades, de desenvolver a autoconfiança e estratégias mentais que o tornarão gradativamente autônomo, o objetivo maior da educação", diz Maria Irene Maluf, especialista em educação especial e em psicopedagogia e membro honorário da Associação Portuguesa de Psicopedagogos e presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp).

Ela lembra ainda que “deixar que a criança resolva os desafios não significa ficar alheio. Os pais podem acompanhar as atividades nas quais ela ainda não se sente segura, como pesquisar na internet pela primeira vez. Aliás, em se tratando da rede mundial, é necessário que os adultos orientem e analisem os sites em que os filhos estão navegando. Se o pequeno pedir ajuda em um assunto que os pais não dominam, o melhor é se prontificar a descobrir junto com a criança ou pedir que ela busque mais informações com o professor”.

Educação: sinônimo de independência... e confiança

Para a educadora e hoje gerente de uma multinacional Luciene Teixeira, o ideal é associar educação e independência; quanto à afirmação “os pais devem criar os filhos para o mundo”, que fica só na teoria para a maioria dos pais, Luciene garante colocar isso em prática há 13 anos, desde que Mariana, sua filha, nasceu. “Eu idealizei para a minha filha que ela fosse uma pessoa independente, correta e do bem. Não adianta ela ser uma aluna nota dez nas matérias e não ter moralidade nem independência. E hoje o que eu tenho? Uma filha independente. Ela não é nota 10 nas disciplinas, ela é mediana, mas esse mediano corresponde a ela e equivale a 10 para mim, porque eu sei que ela conquistou sozinha”, afirma Luciene, orgulhosa.

Quando Mariana começou a estudar, Luciene se questionou: “tem muitos pais que não podem passar o dia todo com seus filhos, e mais: tem pais que são analfabetos e não podem ajudar seus filhos. Bom, se essas crianças conseguem ser alfabetizadas, por que minha filha não conseguiria?”. Mesmo antes de a filha ser alfabetizada, Luciene já não fazia os deveres de casa com ela, lia apenas os enunciados dos exercícios, e o que Mariana não sabia responder, Luciene a orientava a questionar em sala de aula com o professor.

“Se o professor se depara com um dever todo certo, ele vai entender que aquela criança não tem dúvida nenhuma. Então, aquele pai ou aquela mãe que corrige o dever em casa não está ajudando seu filho e sim prejudicando-o. Outra coisa importante é a independência da criança, a iniciativa de perguntar”, diz ela.

Pensando bem diferente dos pais que fazem os deveres de casa com os filhos (ou mesmo por eles), e daqueles que modificam sua rotina na semana de prova das crianças ou adolescentes, Luciene sempre acompanhou os estudos da Mariana à sua maneira: verificando a agenda da filha, o boletim e se o dever estava feito, sem tomar conhecimento de maiores detalhes sobre as matérias dadas em sala de aula.

Considerada um ET (segundo suas próprias palavras) por familiares e amigos, Luciene, por sorte, conta com o apoio do ex-marido, o pai de Mariana, e dos professores de sua filha quanto à educação dada a ela. A própria Mariana já questionou muito sua mãe, mas hoje pensa que sua maneira de educar é a correta e, no futuro, pretende passar o mesmo a seus filhos.

Os questionamentos de Mariana fazem parte de sua personalidade e são naturais em qualquer indivíduo, “graças a Deus”, diz sua mãe, admirando a pessoa questionadora e independente em que sua filha se transformou. “Quando eu era pequena, ficava muito brava com a minha mãe, porque queria que ela fizesse os deveres comigo, como as mães das minhas amigas faziam. Depois de um tempo, de tanto fazer sozinha, eu me acostumei e me sinto segura, porque sei me virar. E me sinto mais independente do que minhas amigas”, afirma Mariana.

Ao falar sobre o que entende por educação e sobre o papel dos pais na vida dos filhos, a adolescente mistura os conceitos de educar e de independência, o que pode ser muito positivo quando o que se pretende é preparar um filho para o mundo. “A melhor maneira de educar é fazer os filhos serem cada vez mais independentes”, enfatiza ela.

E não há como falar em conquista da independência sem associá-la à conquista da confiança mútua entre pais e filhos. Há um “preço” a ser pago para ser independente: o de provar a confiança a cada momento. “Eu costumo falar para a Mariana que sou sua melhor amiga e que, se eu perder a confiança nela, ela vai perder essa liberdade já conquistada. Eu dou a ela liberdade vigiada, coerente com sua idade, e isso vai acontecendo conforme ela vai me provando que merece”, diz Luciene, apostando na conquista individual; afinal, cada um precisa dar conta de seu dever de casa.

Publicado em 5 de abril de 2011

Publicado em 04 de maio de 2011

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