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As melhores coisas do mundo
Tatiana Serra
Era um desses fins de tarde que fecham dias de 30ºC, com sensação de 40ºC à sombra. Resolvi então beber um suco bem gelado numa lanchonete que adoro, no Jardim Botânico. Naquele momento, aquilo me parecia a melhor coisa do mundo. Quando coloquei o pé direito lá dentro, o fundo musical era: “I don’t want to leave her now, you know I believe and how...”. Um grupo de adolescentes cantava e tocava Something, dos Beatles. Essa música mexe tanto comigo (não exatamente pela letra e sim pela melodia) e ela nem é da minha geração, muito menos da geração daqueles meninos de uns 15 anos. É claro que isso não importa, mas é sempre comovente ver que a arte é atemporal e subjetiva.
Como estava sozinha, foi inevitável não ficar atenta à conversa daquele grupo, enquanto saboreava meu suco de uvas verdes. Um dos meninos comentou: “essa música é irada, não conhecia ela antes de assistir àquele filme brasileiro, As melhores coisas do mundo (2010), que eu adorei! Ele fala sobre várias questões que envolvem a vida dos adolescentes, sem ser uma daquelas histórias ‘bem americanas’ e óbvias. Vocês assistiram?”. “Claro que sim”, responderam cinco dos seis amigos.
Na época em que foi lançado, cheguei a ler críticas sobre o filme, vi o trailer, mas acabei não assistindo. Nesse dia, essa foi a primeira coisa que fiz depois que saí da lanchonete. Até porque, na meia hora em que estive lá, os adolescentes demonstraram tanta afinidade com o roteiro, comparando algumas situações com outras vividas por eles, falando de temas fortes abordados na trama... E tudo aquilo só me fez ter mais curiosidade de assistir ao filme e conhecer mais sobre o que pensa essa geração de adolescentes.
Inspirado na série de livros Mano e com direção de Laís Bodanzky, As melhores coisas do mundo conta a história de Mano (Francisco Miguez), um adolescente de 15 anos que vive as coisas típicas de sua idade: sair com os amigos, beijar na boca, as inseguranças da primeira transa, a descoberta do amor, os conflitos em casa, os preconceitos... E que vai percebendo que nem sempre é fácil virar adulto.
Se você ainda não assistiu e acha que é mais um daqueles filmes sobre adolescentes de classe média e alta, está enganado. As melhores coisas do mundo tem mais a oferecer. Logo de cara, o personagem principal deixa clara a pressa e a sede de independência que os adolescentes têm, mesmo que os pais, incluindo o pai de Mano, digam que a melhor fase da vida é a infância. Dando leveza e dramaticidade às situações que vão se desenrolando, a história fala, de maneira singular, sobre como o adolescente encara tudo: ora com uma valorização “surreal”, ora com uma simplicidade inacreditável. E certamente é esse ponto que faz com que os adolescentes, como os que conheci na lanchonete, se identifiquem tanto com o filme.
Um deles, o que tocava Something no violão, só ouvia o que seus amigos falavam sobre o filme. Ele me chamou a atenção porque sua fisionomia foi mudando enquanto a amiga citava uma passagem do filme em que Mano descobre que seu pai se separou de sua mãe para ficar com um homem. Aquilo foi um problema para o adolescente, que se deparou com preconceito, vergonha e raiva. Ao falar sobre as reações do personagem, a menina dava razão a ele, afirmando que deve ser difícil descobrir que o pai é gay, e demonstrava em suas palavras muita discriminação com relação aos homossexuais. O menino, então, parou de tocar violão e foi ao banheiro. Foi a deixa para que um outro amigo chamasse a atenção da menina, dizendo que ele havia acabado de descobrir que a mãe sempre preferiu as mulheres e resolveu se assumir depois da separação. Pronto; o clima de constrangimento havia tomado conta do ambiente, e Something já não era mais o fundo musical.
Eu ia vendo o filme e só lembrava daquele menino do violão. O que estaria passando na cabeça do “Mano da lanchonete”? Afinal, tudo pode ser novo, leve e complexo na adolescência. Como enfrentar o próprio preconceito e tratar o novo com naturalidade? Como enfrentar os amigos que podem se tornar cruéis inimigos diante de uma situação paradoxal? Ser diferente na adolescência pode ser mais difícil do que prazeroso. Mas lidar com essas questões é um drama somente na adolescência? Quando se pergunta a um adolescente o que ele sabe da vida, o que se quer dizer: que ao crescer sabemos mais do que eles?
Talvez meninos como o Mano saibam lidar melhor com os extremos do que os adultos. Tudo bem que, se de um lado percebemos o descolamento nas reações de alguns; de outro vemos o extremo, como o personagem Pedro (Fiuk), irmão de Mano, que, ao viver os mesmos dramas que ele e sentir sua “alma arrancada” depois de um namoro terminado, tenta o suicídio. Mesmo assim, talvez a adolescência traga uma leveza que pode se perder com o tempo, um “agregar” de valores com o mesmo peso dado a diferentes coisas da vida. “Num dia, a melhor coisa do mundo pode ser a bomba de chocolate da cantina da escola e, no outro, pode ser um beijo”, disse Carol (Gabriela Rocha), a melhor amiga de Mano e, depois, namorada.
Ao final do filme, me perguntei que conselho o Mano do filme daria ao “Mano da lanchonete”. Talvez o mesmo que seu professor de música, Marcelo (Paulo Vilhena), lhe deu: “Ou você enfrenta ou você amarela, é que nem escolher a música que você vai tocar”, seguido da última frase dita pelo próprio Mano, no final do filme: “Não é impossível ser feliz quando a gente cresce, só é mais complicado”. E a música ao fundo, com certeza, voltaria a ser aquela dos meninos de Liverpool.
Publicado em 12 de abril de 2011
Publicado em 12 de abril de 2011
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