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Linguagem como identidade
Alexandre Amorim
Parte 3 – A poesia comunica
Nos textos passados em que tratei do tema da linguagem como identidade, citei exemplos de pensadores com visões, a princípio, distintas. Enquanto Leandro Konder insiste que uma comunidade deve se apegar à sua identidade também através da linguagem (e por isso mantê-la clara e precisa), Serres crê que toda comunidade oferece resistência às influências externas e sempre vai se destacar dela. Pode parecer contraditório, mas as ideias dos dois filósofos acabam escoando para um mesmo mar: a comunidade preserva sua identidade através da linguagem, mesmo que sofra os “ataques” de culturas exógenas, e essa preservação acontece em maior ou menor grau dependendo justamente da clareza de comunicação que essa linguagem prover.
Mais uma vez, cabe questionar a noção de comunidade. Mas cabe também a pergunta: o que é o entendimento através da linguagem?
Resolvi tentar responder às duas indagações lançando mão do que talvez seja a expressão mais individual e ao mesmo tempo comunitária entre seres humanos: a poesia.
Em uma de suas canções, José Miguel Wisnik diz que joga “pérolas aos poucos”. Distribui suas pérolas devagar, porque a palavra lírica é forte o suficiente para que seja liberada em doses pequenas. A linguagem poética é feita de pequenos átomos cheios de energia, bombas de significados contidos em uma pequena partícula. Os versos de Fernando Pessoa citando Plutarco, “navegar é preciso, viver não é preciso”, podem querer dizer que viver não é necessário, mas também significar que viver é incerto. Das duas interpretações, as possíveis leituras nos fazem pensar e conversar com a obra do poeta. A poesia se comunica, cheia de significados. A linguagem poética é sempre maior do que as palavras nela contidas.
Ainda citando a canção de Wisnik, sua poesia é exposta a quem quiser, sua mensagem está “aberta a qualquer coração” e quer a “flor do acaso” como resposta. A linguagem lírica quer, antes de tudo, enviar sua mensagem. Não uma mensagem moral ou científica, mas subjetiva e repleta do eu que a enviou. O poeta se expressa, mas sua expressão, como qualquer objeto comunicante, deseja chegar a um destino – ou melhor, a um destinatário. Mas se a lírica também precisa de alguém que a receba, não é de todo necessário que esse alguém seja um certo alguém. Pode ser “qualquer coração”, porque o poeta quer se comunicar com o mundo: joga pérolas “ao deus-dará”, porque sabe que subjetivamente o mundo se comunica entre acasos, entre o caos. O mundo usa a linguagem para se entender, mas, para a expressão íntima do indivíduo, o mundo precisa da poesia, porque o entendimento da linguagem subjetiva, que é a poesia, não se realiza como o entendimento da linguagem científica ou mesmo da linguagem corrente e meramente comunicativa.
A comunicação social e científica esperam que emissor e destinatário pensem de acordo ou que pelo menos compreendam os argumentos em jogo. A linguagem poética espera apenas que as palavras sejam ouvidas/lidas e consideradas, mas não conforme a consideração do emissor. Ao emissor basta emitir sua individualidade – e saber que sua voz será ouvida, mesmo que de forma diferente da que ele emitiu. Todo poeta sabe que suas palavras, ao sair dele, vagueiam à procura de compreensão – mas compreensão lírica, em que o significado não é necessariamente o mesmo do original. Como diz Gilberto Gil, a meta do poeta é a metáfora.
Mesmo quando a poesia se torna bandeira de uma ideologia, sua força metafórica é real o bastante para que se possa apreciar outras leituras que não sejam apenas a primeira intenção do escritor, como o poema do inconfidente Tomás Antonio Gonzaga, ode de amor a uma mulher e observação de seu exílio:
Tu me farás gostosa companhia,
Lendo os fatos da sábia mestra história
E os cantos da poesia.
Que leitor não poderia se identificar na vontade de ter a cumplicidade da relação descrita ali?
A linguagem, mais uma vez, prova que é plural em sua forma de expressão e em seu significado. Justamente porque a linguagem é fruto do indivíduo e da comunidade – casamento gerador de tantos filhos quantos pensamentos e diálogos houver no mundo.
Leia mais sobre Linguagem como identidade
- Parte 1: Leandro Konder e a revelação da linguagem
- Parte 2: globalização e comunidade.
Publicado em 26 de abril de 2011
Publicado em 26 de abril de 2011
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